A educação em direitos como o significado de acesso à justiça

A educação em direitos como o significado de acesso à justiça

Trata-se de texto crítico que, sob a ótica constitucional, institucional (Defensoria) e social, indica a educação em direitos como um novo paradigma para o sistema de justiça, considerando o conhecimento obrigatório da lei imposto pelo Estado que deve cumprir com o seu cunho social e democrático.

O presente ensaio parte de uma reflexão humana, jurídica e social aparentemente simples, porém árdua e entusiástica. Diante de uma legislação que impõe ao cidadão brasileiro o conhecimento obrigatório da lei e, por outro lado, de um Estado eminentemente Social e Democrático, a educação voltada aos direitos e deveres do indivíduo deve ser a premissa básica do direito mais fundamental de garantia da cidadania: o acesso à justiça.

A educação é um direito humano em si mesmo e um meio indispensável para o acesso a outros direitos fundamentais e para o respeito às regras básicas do Direito brasileiro, isto é, de convivência em sociedade.[1] 

É, pois, através da educação que reconhecemos o outro, os valores, compreendemos os direitos, os deveres, ponderamos a injustiça, os conflitos, nos comunicamos, ou seja, os elementos que nos cercam enquanto indivíduos sociais.[2]

Aliás, o movimento da história é regido justamente pela educação, onde se transmitem a cada geração as aquisições prévias da cultura humana.

No que importa à presente reflexão, não se trata de uma visão tradicional de educação cívica, mas de um conceito amplo de cidadania calcado na educação como prática de consciência e de liberdade. É a partir dela que o indivíduo toma para si seus direitos e deveres como fatos e realidade e tem condições de acesso à justiça – longe da sua concepção formal resumida em tutela jurisdicional.

Ora, dar efetividade ao direito de acesso à justiça perpassa pelo direito à educação que, numa concepção cidadã, significa garantir que todos, sem distinção, tenham assegurado o acesso ao ensino de qualidade, para o desenvolvimento humano, a inclusão social e a concretização dos direitos fundamentais.

Propõe-se, portanto, a ideia de educação para a cidadania como base da democracia e da transformação social.

Transformação social. Esse é o propósito da Defensoria Pública e é em razão dele que a expressão “assistência jurídica integral e gratuita” melhor se concilia com os objetivos da República estampados no art. 3º da Constituição Federal.

Naquela Carta, ao tempo que são estabelecidos entre os objetivos fundamentais construir uma sociedade livre, justa e solidária, bem como erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, I e III), prevê-se um órgão estatal cuja atribuição é a de concretizar o direito de acesso à justiça (art. 134), o mais fundamental para garantir a cidadania.

Esse acesso, porém, deve ser interpretado de acordo com os desígnios e o espírito de um Estado Democrático e Social de Direito. Logo, o fundamento dessa instituição não se limita a garantir às pessoas necessitadas os meios para que invoquem a tutela do Estado-juiz.

Verifica-se que a Justiça brasileira apresenta-se, de forma geral, – principalmente por uma questão cultural clássica – para o povo brasileiro, de modo a cuidar da consequência das relações humanas. Ou seja, tais relações só se voltam para o olhar do sistema de Justiça se houver litígio.

A uma Defensoria Pública eficaz o que se impõe é procurar entender os porquês da desordem social, e enxergar e trabalhar o Direito como um meio de transformação social. Para tanto, deve ela atuar ativamente – longe de qualquer inércia –, já que a desigualdade social, antes de tudo, é a desigualdade de informações.

Tal atuação abrange a educação em direitos, que consubstancia uma das principais funções institucionais da Defensoria Pública (art. 4º, III, da Lei Complementar n.º 80/1994).

Essa educação – que jamais deve ser entendida como a mera informação sobre direitos – acontece quando a Defensoria Pública apresenta-se à população para auxiliá-la na conscientização cidadã acessível, ampliada e polemizada.

Acessível, pois em linguagem comum, prática e didática, longe do complexo “juridiquês”. Ampliada, pois não limita-se a informar direitos e deveres imediatos, como o de votar, pagar tributos ou alimentos, não se valer da autotutela para a solução de seus conflitos. Polemizada, pois, trata das relações de poder que lhe afetam, dos temas sensíveis às minorias.

É quando os protagonistas do Estado, isto é, o povo passa a compreender os direitos que têm, os respectivos meios de sua efetivação, o significado social de suas limitações, as relações de poder vigentes, além de cultivar o respeito e a manutenção dos ideais democráticos. 

Em outras palavras, é quando o povo redescobre o Estado e, assim, desmonta-se o monopólio da informação qualificada. Paulo Galliez, que cita um estudioso brasileiro (Álvaro Vieira Pinto), lembra que “o que era instintivo clamor de revolta transforma-se em iluminante compreensão. Antes sofria, agora sabe por que sofre”.[3]  

Combatamos a causa pela causa e não pelas consequências, uma vez que a prevenção de conflitos – de qualquer espécie – por meio da educação é a melhor forma de dar dignidade aos cidadãos brasileiros. 

Trata-se, portanto, do verdadeiro acesso à justiça, onde cada cidadão brasileiro – repise-se, indistintamente – deve ter a dignidade do acesso às regras básicas que fundamentam todo e qualquer tipo de relação que poderá constituir em uma sociedade politicamente organizada. 

Pois bem. Transformação social só pode ser obtida por meio de busca ativa e ações coletivas as quais, evidentemente, não se limitam a processos junto ao Judiciário, compreendendo que o direito de acesso à justiça não deve esgotar-se numa concepção meramente formal. 

Ora, tantos costumes e hábitos enraizados na sociedade motivam fatos e comportamentos que não guardam compatibilidade alguma com a lei, que, por sua vez, geram processos judiciais que inundam o Poder Judiciário sem efetividade alguma. Não se combate esse ciclo com nenhuma outra arma que não seja educação. 

Aliás, se o Estado é social, o direito à educação foi consagrado como um direito social, e o sistema de Justiça brasileiro compõe o Estado, é fundamental que se abandone a atuação burocrática para aproximar-se do povo e perceber as razões dos conflitos sociais. 

Para tanto, não há espaço mais privilegiado para atuação, diálogo e reflexão do que a escola pública brasileira, que, juntamente com os estudantes e a família, podem guiar o sistema de Justiça às causas mais básicas e sensíveis que levam as pessoas a constituir e transitar em um Estado paralelo de regras, fatos e costumes populares que muitas vezes não guardam compatibilidade jurídica, tampouco efetividade prática. 

No Brasil, onde o índice de analfabetismo e a carência de informações são altíssimos, submetendo pessoas desfavorecidas a elevado grau de alijamento intelectual, a atuação da Defensoria Pública com políticas públicas em educação é um dever-poder. 

E a educação em direitos é o que mais se compagina com a verdadeira consolidação da cidadania e a busca pela transformação social, já que não se pode falar em tais objetivos diante da alienação que vem por todos os lados. 

Portanto, cabe à Defensoria Pública conscientizar as pessoas em situação de vulnerabilidade econômica, social e jurídica que a desigualdade não decorre de alguma explicação metafísica. É uma questão de educação emancipadora. 

Ademais, mediante o contínuo e permanente investimento na formação do indivíduo enquanto cidadão consciente, é possível enaltecer a participação social organizada, o exercício ativo da cidadania, melhorar a transparência na aplicação dos recursos públicos, reduzir a corrupção e aumentar a eficiência das políticas e dos serviços prestados pelo Estado. 

Assim, conclui-se que a educação em direitos se mostra como o requisito básico de qualquer projeto de nação minimamente vocacionada para o seu povo. 

Enfim, “o que faz que os homens formem um povo é a lembrança das grandes coisas que fizeram juntos e a vontade de realizar outras” – “Ce qui fait que des hommes forment um pleuple o est le souvenir des grande chouses qu’ ils ont faites ensemble et la volonté d’ em acomplir de nouvelles” – Renan; citado em O Anel de Ametista, XIX, por Anatole France. 

Realizemos outra grande coisa: uma nação que tenha a educação em direitos como pilar da existência do Estado, para que o acesso à justiça tenha a ver com a dignidade de todo cidadão ser informado sobre as regras básicas da convivência em sociedade. 

Precisamos avançar arduamente.   

REFERÊNCIAS

FERNANDES, Angela Viana Machado; PALUDETO, Melina Casari. Educação e direitos humanos: desafios para a escola contemporânea. Fonte: http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v30n81/a08v3081.pdf> Acesso em: 02 de dezembro de 2018.

REIS, Gustavo Augusto Soares dos. A importância da Defensoria Pública em um Estado Democrático e Social de Direito. Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 6, n. 6, 2009, p. 51.

GALIEZ, Paulo. Princípios institucionais da Defensoria Pública. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.50.

BRASIL, Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Cit. p. 25.

[1] BRASIL, Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Cit. p. 25.

[2] FERNANDES, Angela Viana Machado; PALUDETO, Melina Casari. Educação e direitos humanos: desafios para a escola contemporânea. Fonte:http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v30n81/a08v3081.pdf> Acesso em: 02 de dezembro de 2018.

[3] GALIEZ, Paulo. Princípios institucionais da Defensoria Pública. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.50.

   

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Evenin Eustáquio de Ávila
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