TST reconhece legitimidade de MPT em ação civil pública
A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu, por maioria de votos, que o Ministério Público do Trabalho (MPT) tem legitimidade para propor ação civil pública pretendendo ver declarada a ilegalidade de contratação fraudulenta de trabalhadores rurais, via cooperativa, pela empresa Sucocítrico Cutrale Ltda.
A iniciativa da ação civil pública por parte do MPT baseou-se em relatório de fiscalização realizada pela Subdelegacia do Trabalho de Uberlândia, que constatou diversas irregularidades na contratação de mão-de-obra para colheita de laranja, em uma das propriedades rurais da Cutrale.
Os fiscais do trabalho constataram a presença de vários trabalhadores sem registro na Carteira de Trabalho. A empresa alegou que se tratavam de associados de cooperativa de trabalho rural, porém não comprovou tal afirmativa. Consta do relatório que a empresa pagava à cooperativa R$ 0,52 por caixa de laranja colhida, sendo que deste valor apenas R$ 0,18 eram repassados ao trabalhador “associado”.
Várias irregularidades foram constatadas também na área de Medicina e Segurança do Trabalho, tais como falta de exames médicos admissionais, uso de um mesmo recipiente para beber água pela coletividade dos trabalhadores e falta de implementação do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais.
Com a finalidade de buscar uma solução administrativa para os problemas, o MPT propôs à empresa a assinatura de um termo de compromisso, no qual se comprometeria a contratar os trabalhadores safristas diretamente ou por meio de empresas prestadoras de serviço.
A empresa negou-se a assinar o documento nos termos propostos, dizendo que somente o faria em conjunto com todos os produtores rurais do Estado de Minas Gerais, sob pena de discriminação e ofensa ao princípio da igualdade protegido pela Constituição Federal. Ante à recusa, o MPT propôs a ação civil pública com o objetivo de compelir a Cutrale a registrar os trabalhadores contratados nas fazendas Cocal, Rio Verde e Mundo Novo, de sua propriedade, e a “fornecer aos trabalhadores da lavoura água potável em condições higiênicas e em quantidade compatível com o desgaste fisiológico do trabalho executado”.
Em constestação, a empresa alegou, dentre outros argumentos, a ilegitimidade passiva do MPT para propor a ação. A Vara do Trabalho de Ituiutaba (MG) julgou a ação parcialmente procedente, condenando a empresa a abster-se de fazer contratações nos termos como vinham sendo firmadas. Insatisfeita, a Cutrale recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Minas Gerais).
O TRT/MG deu provimento ao recurso da empresa, reconhecendo a ilegitimidade do MPT que, por sua vez, recorreu ao TST. O ministro Milton de Moura França, relator do processo, em um minucioso voto, reformou a decisão, reconhecendo a legitimidade do MPT e determinando o retorno dos autos ao TRT/MG para apreciação do mérito.
De acordo com o entendimento do ministro Moura França, “a contratação de trabalhadores rurais, via cooperativa de trabalho, que, na verdade, atua como típica empresa fornecedora de mão-de-obra, sem garantir aos trabalhadores a proteção decorrente de uma relação de emprego, contrasta flagrantemente com os princípios constitucionais que asseguram, expressamente, a busca do pleno emprego, que proclamam a dignidade da pessoa humana, e afirmam a necessidade de se prestigiar os valores sociais do trabalho”.
Segundo o ministro, o mérito da questão deve ser examinado pelo TRT porque “a pretensão do Ministério Público do Trabalho de ver declarada a ilegalidade desse procedimento fraudatório dos direitos constitucionalmente assegurados aos trabalhadores, com pedido expresso de cominação de multa e proibição de contratação de trabalhadores, via cooperativa, por parte da reclamada, identifica-se como típico e inconfundível interesse coletivo, na medida em que abrange grupos de empregados que estão intimamente ligados à tomadora dos seus serviços por uma relação jurídica base, sendo adequada a ação civil pública para seu exame”.
Ainda de acordo com o voto do ministro Moura França, mesmo que se pudesse vislumbrar que a hipótese é de direitos individuais homogêneos, como declarou o TRT/MG, ainda assim, a ação civil pública seria o meio processual adequado. O ministro embasou seu entendimento em uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que reconhece que os direitos individuais homogêneos constituem uma subespécie de interesses coletivos.