Quebra de vidro para roubo de automóvel é furto simples
A quebra de vidro para roubo de automóvel caracteriza apenas o furto
simples, não permitindo a incidência da qualificadora de rompimento de
obstáculo para a prática do crime. A decisão é da Quinta Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao dar parcial provimento ao
recurso do réu contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul (TJ-RS), que julgou de forma contrária ao entendimento dado na
Turma.
O réu teria tentado furtar um automóvel Del Rey, tendo, para isso,
arremessado uma pedra contra o vidro lateral da porta e ingressado no
veículo. Para o TJ-RS, o ato consistiria em rompimento de obstáculo
para subtração do bem. Para a ministra Laurita Vaz, relatora do
recurso, no entanto, para incidir essa qualificadora, "a conduta
praticada pelo réu deve objetivar a destruição ou o rompimento do óbice
que dificulta a obtenção da coisa. Assim, se o réu pratica violência
contra o próprio objeto do furto, sendo o obstáculo peculiar à coisa,
não ocorre a incidência da referida qualificadora".
O ministro Felix Fischer, contudo, defendeu ponto de vista diverso do
da relatora. Reconhecendo polêmica doutrinária e jurisprudencial
"interessante", afirmou o ministro, em voto-vista, que diversos autores
"simplesmente adotaram a posição de Nelson Hungria como um axioma, como
um dogma penal. Vale dizer, sem maiores argumentações jurídicas
sustentam que, para a incidência da qualificadora, a violência deve se
dirigir contra obstáculo exterior ao objeto do furto".
Citando vários autores que entendem de forma diversa de Hungria, o
ministro Felix Fischer conclui pelo "entendimento no sentido de que o
rompimento ou a destruição de obstáculo – ainda que este seja inerente
à própria coisa objeto da subtração – qualifica o delito de furto
[qualificado]. [...] Em primeiro lugar, porque o legislador em momento
algum restringiu o conceito de violência aos casos em que o rompimento
ou destruição seja em relação a obstáculos exteriores à 'res furtiva'."
"Em segundo lugar," continua o ministro, "se eventualmente aceitássemos
a idéia de que a violência, para qualificar o furto, não pode ser
exercida em detrimento do próprio objeto da subtração, mas sim em face
de obstáculos exteriores à coisa, nos depararíamos com uma situação no
mínimo curiosa, qual seja: o furto de uma bolsa, situada no interior de
um veículo, com a destruição do vidro do motorista, p. ex.,
qualificaria o delito, mas, em contrapartida, se o objeto da subtração
fosse o próprio veículo, estaríamos diante de um furto simples. E tem
mais! E se o objeto do furto fosse o próprio veículo, mas com a bolsa
em seu interior? O agente responderia por furto simples, como sustenta
parte da doutrina? Claro que não! [...] Dessa maneira, percebe-se, até
mesmo 'à vol d'oiseau', a inversão de valores no tratamento dessas
situações, mencionadas a título ilustrativo, que ferem não só a lógica
jurídico-penal, mas também o bom senso do 'homo medius'. Afinal, não há
razão para tal distinção, uma vez que a própria lei não faz qualquer
ressalva."
"Em terceiro lugar, pergunta-se, ainda com base nas exemplificações
supra, em qual das situações a ofensa ao bem jurídico tutelado pela
norma legal foi maior? Evidentemente que na subtração do veículo (com
ou sem a bolsa em seu interior). No entanto – consoante parte da
doutrina e da jurisprudência –, mesmo a lesão tendo sido flagrantemente
maior nesta situação, o agente responderia por furto simples, ao passo
que, na primeira hipótese (furto da bolsa mediante a quebra do vidro do
veículo), em que a lesão ao bem jurídico foi menor, o agente estaria
incurso no delito de furto qualificado. Esta, evidentemente, não é a
'mens legis'", segue o ministro.
Conclui em seu voto, negando provimento ao recurso, que, "não se
argumente, em uma visão extremamente liberal, ainda com base nos
exemplos mencionados, que o furto, em todos os casos, seria simples, a
fim de se evitarem desfechos discrepantes. Ora, esse entendimento, além
de fazer uma equiparação não escudada em lei, resulta em uma
interpretação, isso sim, 'contra legem'. Afinal, [onde a lei não
distingue, nós também não devemos distinguir]". O Supremo Tribunal
Federal (STF) "a despeito de ementa aparentemente contraditória, adotou
o entendimento aqui defendido, i.e., de que pouco importa que o
obstáculo 'vilipendiado' seja exterior à coisa objeto do furto",
completa.
Seguindo no julgamento, o ministro Gilson Dipp, também em voto-vista,
adotou o entendimento de que, "se o objetivo do recorrente era o furto
do próprio veículo, não incide a qualificadora, pois a resistência
oferecida pelo próprio objeto do furto não pode ser considerada como
obstáculo. O furto qualificado, previsto no citado preceito do Código
Penal, com efeito, é cometido 'com destruição ou rompimento de
obstáculo à subtração da coisa'. As expressões literais da regra levam,
de imediato, ao entendimento de que a destruição ou rompimento
dirigem-se ao obstáculo à subtração da coisa, exterior à 'res
subtrahenda', não compreendendo a hipótese de violência sobre a própria
coisa subtraída."
O ministro Gilson Dipp respondeu ao ponto levantado pelo voto do
ministro Felix Fischer afirmando que "o valor da coisa subtraída é
irrelevante para a configuração do furto. A extensão do dano causado ao
lesado não foi erigida pelo legislador como elemento para a tipificação
do crime, seja a do furto simples, seja a do furto qualificado, ou
mesmo para a exasperação da pena. Vale ressaltar que a hipótese de
furto privilegiado, pelo pequeno valor da coisa furtada não exclui o
crime, servindo apenas para o abrandamento da sanção penal."
O ministro Gilson Dipp acompanhou, assim, o voto da relatora, que
também foi acompanhado pelos outros ministros da Turma, ministro José
Arnaldo da Fonseca e ministro Arnaldo Esteves Lima.