Continuidade delitiva deve ser aplicada em revisão criminal apenas se em favor do réu
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu pedido de
habeas-corpus apresentado por Euler Daltro Cesário Filho em seu próprio
favor, determinando a cassação de acórdão do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais (TJ-MG). Por maioria de votos, o tribunal local,
ao revisar a condenação do réu em primeira instância, havia ampliado a
gravidade da pena, o que não é permitido pela legislação brasileira.
Os crimes se teriam dado em um bar, onde a amante do condenado se
encontrava. Sob o pretexto de apanhar presentes que estariam na casa da
amante e devido à crise por que passava o relacionamento do casal,
Cesário a convidou a irem até a casa dela. Com sua negativa, o réu
deixou o local apenas para retornar após alguns minutos, a fim de
insistir no pedido.
Com a continuação das negativas, dirigiu-se ao seu carro, de onde sacou
uma espingarda e atirou contra a vítima, que caiu. Na tentativa de
conter o réu, outra vítima foi atingida com quatro disparos. Após,
Cesário ainda se voltou contra a amante e disparou mais um tiro em seu
crânio.
O réu foi condenado inicialmente por homicídio qualificado, o de sua
amante, e homicídio simples, resultando em uma pena total de 19 anos e
seis meses de reclusão: 12 anos referentes ao homicídio qualificado e
sete anos e seis meses referentes ao homicídio simples.
Contra essa decisão, a defesa do réu solicitou revisão criminal ao
tribunal local, que foi concedida em parte para reconhecer sua
primariedade e a existência de continuidade delitiva entre os crimes.
Com isso, a pena referente ao homicídio simples foi anulada, sendo, em
seu lugar, aplicado o aumento por continuidade delitiva. A pena final
ficou definida em 16 anos de reclusão.
Apesar do aparente benefício ao réu pela diminuição da pena total,
Cesário entrou com o presente habeas-corpus no STJ, manuscrito pelo
próprio, por considerar que a pena resultante da revisão criminal
impunha o regime integralmente fechado para ambos os delitos. Seu
pedido era no sentido de desmembramento dos regimes de cumprimento de
pena, para poder se beneficiar da progressão após ter cumprido a pena
pelo homicídio qualificado.
O ministro Arnaldo Esteves Lima, relator do habeas-corpus, considerou
que a sanção aplicada ao réu pela revisão criminal acabou por impor a
ele um regime mais severo de cumprimento de pena que a definida na
primeira instância e, conseqüentemente, aumentando-a, resultando no
chamado "reformatio in pejus" (reforma para pior).
Pelo entendimento do STJ, as penas pelos crimes hediondos, como o
homicídio qualificado, devem ser cumpridas integralmente em regime
fechado, sendo impedida a progressão. Desta forma, com a decisão do
TJ-MG, em vez de poder pleitear o cumprimento de pena em regime
semi-aberto após 13 anos de regime fechado (os 12 do homicídio
qualificado, mais um sexto da pena restante), o réu deveria cumprir os
16 anos no regime mais rigoroso.
Diz o ministro em seu voto: "Não há como negar que o acórdão impugnado
impôs ao paciente um constrangimento ilegal, tendo em vista não ser
admissível que o deferimento de um pedido de revisão criminal possa
agravar a situação em concreto do requerente, mesmo que aparentemente
seja mais benéfica que a decisão revisada, embora ilusória."
Por unanimidade, a Turma concedeu o pedido de habeas-corpus para anular
o acórdão do TJ-MG, determinando que a revisão criminal seja novamente
apreciada e decidida pelo tribunal de origem da forma que julgar
melhor, exceto em prejuízo de Cesário.