Legislação Antitóxicos. Novos problemas iminentes (Projeto de Lei 6.108/02, que altera a Lei 10.409/02)

Legislação Antitóxicos. Novos problemas iminentes (Projeto de Lei 6.108/02, que altera a Lei 10.409/02)

O Novo Projeto, como ocorreu com aquele que deu origem à malfadada Lei 10.409/2002, também carece de orientação técnico-jurídica. Sem resolver os problemas atuais, trará outros ainda mais graves.

1. Introdução

No dia 28 de fevereiro de 2002 entrou em vigor a Lei 10.409, de 11 de janeiro de 2002, a Nova Lei Antitóxicos.

Permeado de inconstitucionalidades e impropriedades técnicas, o Projeto que a ela deu origem contou com dezenas de vetos Presidenciais, e a sobra acabou por constituir uma verdadeira colcha de retalhos. [1]

Até mesmo o art. 59 do Projeto, que revogava integralmente a Lei 6.368/76 precisou ser vetado. Não foi possível abandonar a legislação que se atacou de ultrapassada e vetusta.

Como resultado, estão em vigor vários dispositivos da Lei 6.368/76, e outros tantos da Lei 10.409/2002, sendo certo, ainda, que desta última, vários dispositivos revelam-se inaplicáveis, como ocorre, por exemplo, com a integralidade do Capítulo IV (Do procedimento penal), que restou fulminado pela redação do art. 27 em decorrência do veto Presidencial ao Capítulo III do Projeto (Dos crimes).


2. Quanto ao procedimento (instrução criminal)

Problema grave sugere a Lei 10.409/2002 quanto a seu procedimento.

Aliás, para Guilherme de Souza Nucci [2], todo o conteúdo dos Capítulos IV (Do procedimento penal) e V (Da instrução criminal) da Lei são inaplicáveis, conclusão com a qual não concordamos [3], por entendermos que o artigo 27 fulminou de ineficácia apenas o Capítulo IV, a que está restrito, e não o Capítulo V, que dele independe.

O artigo 38 da Lei, carro chefe da instrução criminal, a nosso ver e sentir sempre esteve recheado de impropriedades técnicas.

Logo que a Lei entrou em vigor nos apressamos em manifestar nosso posicionamento quanto a questão dos interrogatórios nela previstos, considerando a redação dos artigos 38 caput, última parte, e 41.

Na ocasião concluímos que houve equívoco do legislador ao estabelecer a designação do interrogatório conforme regulado no art. 38 caput, parte final, posição posteriormente não adotada por Fernando Capez e Vitor Eduardo Rios Gonçalves. [4]

Visando corrigir alguns dos equívocos decorrentes da Lei 10.409/2002, já tramita no Congresso Nacional novo Projeto de Lei [5] para modificação de seu texto, e também da Lei 6.368/76.

Pela redação apresentada no Projeto, o procedimento referente à instrução criminal passará a ser o seguinte:

Art. 38: “Oferecida a denúncia, o juiz, em 24 (vinte e quatro) horas, ordenará a notificação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias, contado da data da juntada do mandado aos autos ou da primeira publicação de edital”.

Como se vê, foi excluída da nova redação proposta, a parte final do atual art. 38 caput, da Lei 10.409/2002, que prevê exatamente o interrogatório que não admitimos.

Persistirão as demais regras previstas no art. 38, §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º.

Não haverá qualquer modificação no texto do art. 39.

A redação do art. 40 permanece como está, acrescentando-se a ele um parágrafo único com a seguinte redação: “A audiência a que se refere o caput será realizada dentro dos 30 (trinta) dias seguintes ao recebimento da denúncia, se o réu estiver solto, ou em 5 (cinco) dias, se preso”.

Tais prazos correspondem àqueles que estão colocados na parte final do atual art. 38 caput, da Lei 10.409/2002, e que se referem ao primeiro interrogatório previsto.

Também resultarão inalterados o art. 41 (que prevê o interrogatório na audiência de instrução e julgamento, antes da oitiva das testemunhas de acusação e de defesa) e seu parágrafo único.


3. Projeto n.º 6.108/2002: virtude x problema grave

Comentando o art. 38 da Lei 10.409/2002, com muita propriedade anotou Renato de Oliveira Furtado [6]: “Citação não pode ser confundida com Notificação e não é possível falar-se já em citação quando a denúncia nem mesmo foi ainda recebida. A citação é ato introdutivo da instância penal que confere à relação processual a angularidade que a caracteriza como actum trium personarum, o que, nesta fase do artigo em comento, ainda não se instalou, podendo a denúncia vir até mesmo a não ser recebida. Seria o caso, a exemplo de procedimento análogo existente no art. 514 do C.P.P., de falar-se em Notificação”.

Por certo o Advogado e Jurista Mineiro foi ouvido em seu apelo [7], e daí resultou a proposta virtuosa de modificação do art. 38 da Lei 10.409/2002, na medida em que o texto apresentado no Projeto 6.108/2002 vem corrigir erro técnico crasso na redação atual, causador de polêmica evitável, reestabelecendo a ordem quanto ao procedimento a ser observado, com lógica e coerência.

Problema grave decorre, entretanto, da redação proposta, se observado o conjunto de regras resultantes.

É que pelo Novo Texto não haverá citação no procedimento da Lei 10.409/2002.

Com efeito, o texto atual fala em citação após o oferecimento da denúncia, para a apresentação de resposta escrita em 10 (dez) dias...

O Projeto em estudo, visando corrigir o erro técnico, fala em notificação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias, e em nenhum outro momento da atual redação da Lei 10.409/2002 ou do Projeto em estudo fala-se em citação.

Portanto, se aprovado o Projeto, como está, teremos um processo sem citação, o que é absolutamente inaceitável.

No particular, se aprovada a mudança, na prática ficará tudo como está, pois a doutrina e os aplicadores do Direito só poderão interpretar o vocábulo notificação como citação, e o juiz, ao invés de determinar a notificação do acusado para resposta em dez dias continuará a determinar a citação, não obstante a literalidade do texto, suprindo, mais uma vez, a incapacidade técnica do Órgão Legiferante.

Outra alternativa, e até mais adequada, seria considerar a intimação a que se refere o artigo 40 da Lei 10.409/2002, quanto ao acusado, como citação, e assim ordená-la o Magistrado.

O conceito de citação já foi dado, nas palavras do autor acima citado.

Conforme Julio Fabbrini Mirabete [8]: “Chama-se intimação à ciência dada à parte, no processo, da prática de um ato, despacho ou sentença. Refere-se ela, portanto, ao passado, ao ato já praticado. Denomina-se notificação à comunicação a parte ou outra pessoa, do lugar, dia e hora de um ato processual a que deve comparecer. Refere-se ao futuro, ao ato que vai ser praticado.”

Entendemos que havendo a mudança discutida, proposta no Projeto 6.108/2002, também será preciso mudar a redação do art. 40, caput, da Lei 10.409/2002, que sugiro passe a ser a seguinte:

Art. 40. “Recebida [9] a denúncia, o juiz designará dia e hora para a audiência de interrogatório, instrução e julgamento, e ordenará a citação do acusado, a notificação das testemunhas que nela devam prestar depoimento, do defensor e do Ministério Público, cientificando a autoridade policial [10] e os órgãos dos quais dependa a remessa de peças ainda não constantes dos autos”. [11]


4. Conclusão

Quer nos parecer, data vênia, que o Novo Projeto, como ocorreu com aquele que deu origem à malfadada Lei 10.409/2002, também carece de orientação técnico-jurídica.

É preciso estar atento!

Errar é humano, persistir no erro...



[1] Nesse sentido, ver: JESUS, Damásio de. Nova Lei Antitóxicos (Lei n. 10.409/02) - Mais Confusão Legislativa. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, fev.2002. Disponível em: www.damasio.com.br/novo/html/frame_artigos.htm

[2] NUCCI, Guilherme de Souza, Breves comentários às Leis 10.259/01 (Juizados Especiais Criminais Federais) e 10.409/01 (Tóxicos). Disponível na internet: http://www.cpc.adv.br/doutrinap.htm

[3] MARCÃO, Renato Flávio. Novas considerações sobre o procedimento e a instrução criminal na Lei 10.409/2002 (Nova Lei Antitóxicos). Disponível na Internet: http://www.ibccrim.org.br, 19.04.2002.

[4] CAPEZ, Fernando, e RIOS GONÇALVES, Victor Eduardo. Questões Polêmicas da Nova Lei de Tóxicos. Boletim IBCCrim , ano 10 – n.º 113 – abril/2002, p. 7/8.

[5] Projeto de Lei 6.108/2002, que altera a Lei 10.409/2002 (Nova Lei de Tóxicos).

[6] FURTADO, Renato de Oliveira. Nova Lei de Tóxicos - anotações ao artigo 38 e parágrafos. Disponível na internet: http://www.ibccrim.org.br, 22.02.2002.

[7] Também alertamos sobre a impropriedade técnica em artigo anteriormente divulgado: MARCÃO, Renato Flávio. Anotações pontuais sobre a Lei 10.409/2002 (Nova Lei Antitóxicos) - Procedimento e Instrução criminal. Disponível na internet: http://www.ibccrim.org.br, 04.02.2002; e RT 797/498.

[8] MIRABETE, Julio Fabbrini, Processo Penal, São Paulo : Atlas, 11ª ed., 2001, p. 436.

[9] Ou: “Recebendo a denúncia...; ou: “Ao receber a denúncia...; ou: “No despacho de recebimento da denúncia...

[10] Por coerência, em razão do disposto no art. 31, parágrafo único, da Lei 10.409/2002, já que o Projeto de Lei 6.108/2002 busca restaurar o Capítulo III da Lei 10.409/2002, afastando também a discussão sobre a aplicabilidade, ou não, do Capítulo IV.

[11] Ver: art. 23 da Lei 6.368/76.

Sobre o(a) autor(a)
Renato Marcão
Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Jurista.
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