Questões constitucionais das agências reguladoras federais

Questões constitucionais das agências reguladoras federais

O grande debate existente acerca da entidade pública objeto do nosso estudo, é a amplitude do poder normativo e regulador das agências reguladoras federais.

Alcance do Poder Regulador e Normativo das Agências Reguladoras Federais



O grande debate existente acerca da entidade pública objeto do nosso estudo, é a amplitude do poder normativo e regulador das agências reguladoras federais. Estes entes foram criados com o escopo de controlar a atividade dos respectivos mercados que estão sob sua guarda, para tanto, essencial é que tais entes sejam dotados de um elevado grau de independência política e administrativa, pois sua função requer uma posição de extrema imparcialidade frente aos interesses dos particulares, e, também, livre de pressões políticas inerentes da combinação dos interesses de grandes empresas àqueles que legislam.

Assim, em virtude do fim para as quais foram criadas, isto é, de serem entes técnicos responsáveis por determinados setores da nossa economia, devem utilizar-se dos meios os quais foram dotados para exercer, nos limites de sua competência técnica, sua função regulatória e normativa, para, respectivamente, administrar e fiscalizar o mercado.

Para Marçal JUSTEN FILHO, poder regulatório das agências reguladoras trata-se de: “poderes de intervenção no domínio econômico (em sentido amplo), o que envolve delegação de poderes regulamentares e atribuição de poderes de polícia par fiscalizar atividades econômicas privadas, inclusive arbitrando litígios entre particulares.” [1]

No entanto, qual é o limite dessa atuação reguladora e normativa das agências reguladoras federais? Como podem exercer atividades próprias de Poderes as quais são eminentemente independentes?

Estas questões, de fundo constitucional, ainda perecem de consenso na doutrina e, futuramente, serão alvo de controvérsias em nossos tribunais. Neste estudo, colocaremos o tema, fundado na argumentação que entende ser inconstitucional o amplo poder normativo e regulador das agências.



Questões Constitucionais



Como visto, o poder conferido as agências reguladoras federais de expedir normas para regular o mercado das empresas que se submetem ao seu controle, encontra alguns entraves quanto a sua constitucionalidade.

Isto se deve pelos tradicionais conceitos de tripartição dos poderes, do princípio da legalidade e, da exclusividade de competência regulamentar do chefe do Poder Executivo. Temos como claro e indiscutível a ação exclusiva do Poder Legislativo, como sendo aquele autorizado pelo Poder Originário (do povo) [2], para criar leis que produzam efeitos no mundo jurídico. Ainda, acerca do princípio da legalidade, temos também como claro que apenas a lei pode instituir novas regras de comportamento. [3]

Porém, após tantas reformas e novos valores, supra aduzidos, que surgem na gama da reforma do Estado que vivemos, será que este entendimento clássico ainda é pacífico?


Tripartição dos Poderes

Os Poderes da União, elencados no artigo 2° da Constituição Federal, historicamente e classicamente provém da não cumulação do Poder sob uma só pessoa ou entidade, visando, desta forma, a repartição de competências, sendo cada setor detentor desse quinhão. Deste modo, cada Poder é responsável diretamente pelos seus atos, bem como exercem o papel de delimitador da atuação dos outros. Isto significa dizer que, repartindo as competências próprias de elaboração de leis, de sua aplicação prática, bem como do julgamento daqueles que as contrariam, os responsáveis desta atuação determinam o próprio alcance, sendo vedado ultrapassá-lo.

Contudo, essa visão clássica [4], assim como o próprio direito, não pode ser recebida de maneira estanque, ignorando a evolução da sociedade nacional. Da mesma forma se manifesta José Afonso da SILVA:

Hoje, o princípio não configura mais aquela rigidez de outrora. A ampliação das atividades do Estado contemporâneo impôs nova visão da teoria da separação de poderes e novas formas de relacionamento entre os órgãos legislativo e executivo e destes com o judiciário, tanto que atualmente se prefere falar em colaboração de poderes, que é característica do parlamentarismo, em que o governo depende da confiança do Parlamento (Câmara doa Deputados), enquanto, no presidencialismo, desenvolveram-se as técnicas da independência orgânica e harmonia dos poderes. [5]

Desta forma, temos como essencial a consideração que cada poder, Executivo, Legislativo e Judiciário, detenham atribuições claras. Contudo, observamos que, principalmente em virtude da evolução do Estado abordada no presente trabalho, o enfoque clássico da Tripartição dos Poderes deve ser revisto, pois ainda é insuficiente para o esclarecimento de nossas dúvidas acerca da constitucionalidade da atuação reguladora e normativa das agências reguladoras federais.

Da mesma forma expressa-se o professor Paulo Roberto Ferreira MOTTA:

(...) Uma vez que a natureza jurídica do Estado, com a tradicional e rígida separação dos Poderes, faz com que cada um dos mesmos possua seus ritmos temporais próprios, muitos deles completamente em dissintônia com as necessidades, sempre urgentes, dos agentes econômicos. Resta saber se estes motivos invocados estão, ou não, em acordo com a Constituição vigente. Mesmo depois da série de emendas sofridas pelo texto original, que, direta ou indiretamente, modificaram radicalmente o panorama jurídico-econômico do país, aproximando-o, cada vez mais, dos postulados da pós-modernidade, trazendo notável instabilidade legal, a questão da possibilidade do exercício de funções normativas pelas agências reguladoras continua em aberto. [6]

Partindo dessa premissa, vemos que a clássica idéia da Tripartição dos Poderes – que cada qual exerce, delimitadamente, a atribuição a qual foi conferida – como não mais considerável. Pois, partindo do conceito que, não havendo interferência nos limites da atuação dos outros dois Poderes, é válida a manifestação de outro.

Isto é, por exemplo, as normas editadas pelas agências reguladoras não devem ultrapassar os limites conferidos ao Poder Legislativo, em razão de serem dotados, através do sufrágio popular, da atribuição de gerar, extinguir e modificar direitos e deveres. Desta forma, voltamos ao ponto de que a atuação das agências limitam-se as suas especificidades técnicas e, da mesma forma, suas normas devem se enquadrar.

Quanto a intromissão do poder normativo das agências reguladores face o Poder Legislativo, adotamos a posição daqueles que entendem como norma sendo a regulamentação da lei. Desta forma, se há lei, advinda do Poder legislativo, que estabelece que as agências reguladoras federais podem fiscalizar, regular, intervir e até mesmo dirimir conflitos nos limites dos setores que atuam (poder normativo restrito), não observamos motivos para declarar a inconstitucionalidade dos atos normativos referentes á aplicação desta lei.

Conforme conclusão do capítulo anterior, a amplitude do caráter normativo das agências reguladoras deve ser visto com base na razoabilidade e limites inerentes aos princípios da Administração Pública. Desta forma, cabe, como estabelecido em lei, a atuação normativa que não ultrapassem a competência do judiciário (de revisão de tais atos), bem como legislativa (de criação, extinção ou modificação de leis).


Princípio da Legalidade

Estabelece o artigo 5°, II da Constituição Federal: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Desta forma, indaga-se acerca da possibilidade das agências reguladoras, entes da Administração Pública que editam normas e não leis, deterem competência normativa para criar, extinguir ou modificar direitos é constitucionalmente aceitável?

Como estamos tratando de um ente da Administração Pública, oportuno revermos o tratamento do respectivo princípio nesta esfera, de acordo com Helly Lopes MEIRELLES:

A legalidade, como princípio de administração (CF, 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.

A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei.

Na administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “poder fazer assim; para o administrador público significa “deve fazer assim”. [7]

No mesmo prisma Celso Antônio Bandeira de MELLO:

Assim, o princípio da legalidade é da completa submissão da administração ás leis. Esta deve tão somente obedece-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a que lhes compete no Direito Brasileiro. [8]

Assim visto, as normas editadas pelas agências reguladoras jamais poderão interferir no que a lei estabelece, isto porque a função da norma administrativa, por si só, é a de regular o que pré-estabelecido pela lei, ao contrário, ofenderia o princípio da legalidade.



Conclusão



A constitucionalidade da atuação das agências reguladoras, seja regulamentar ou normativa, ainda é muito discutida em nosso meio jurídico, há opiniões, como de Maria Sylvia DI PIETRO, que entendem que o fato dessas entidades não serem previstas constitucionalmente [9] importa no fato da atuação das agência reguladoras como inconstitucional, como segue:

A primeira indagação diz respeito aos fundamentos jurídicos-constitucionais para a delegação de função normativa às agências. As duas únicas agências que estão previstas na Constituição são a Anatel e a ANP, com a referência à expressão “órgão regulador” contida nos arts. 21, XI, e 177, 2°, III.

(...)

Repita-se, contudo, que a função reguladora só tem validade constitucional para as agências previstas na Constituição. Para as demais, ela não existe no termos em que foi definida. [10]

Ao contrário, há entendimentos como de Leila CUÉLLAR: “A atipicidade não permite sustentar a inconstitucionalidade das agências. Assim, a ausência de previsão constitucional expressa acerca da cada uma das agências que eventualmente fossem criadas não importa imediatamente a inconstitucionalidade dos entes reguladores.” [11]

A título conclusivo, acerca do que tanto se debate, resta-nos o direto entendimento: a atuação das agências reguladoras, como entidades recentes, deve ser encarada conforme o impacto social que sofrerão ao decorrer de sua existência. Seus fatores tratados como inconstitucionais ainda carecem do respectivo status perante o STF. Desta forma, resta-nos observar a discussão teórica sem embasamento prático de temas novos, isto é, apenas a partir do entendimento do Poder Judiciário, poderemos pôr e contrapor a abrangência constitucional do poder normativo e regulador das agências reguladoras federais, do contrário, a limitada consideração teórica acerca do tema jamais encontrará a realidade social.

No que pese o atual estágio de entendimento das agências reguladoras, entendemos como cabível a conclusão do professor Paulo Roberto Ferreira MOTTA:

Restariam então para as agências reguladoras, apenas e tão somente, não inovando a ordem jurídica, editar atos administrativos sobre matérias estritamente técnicas. Os stantards então estariam traçados nas leis. As leis criadoras das agências reguladoras estabelecem os bazilamentos gerais da regulação em matéria de telecomunicações, por exemplo, e restaria à agência reguladora, no exercício de sua função normativa a particularização da regra, provendo os pormenores para a sua concretização, preferencialmente nas questões técnicas. [12]



Referências Bibliográficas



CUÉLLAR, Leila. As agências reguladoras e seu poder normativo. São Paulo: Dialética, 2001.

JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo. Dialética, 2002.

Meirelles, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 1995.

MOTTA, Paulo Roberto Ferreira. Agências Reguladoras de serviços públicos. Curitiba, 2000. Dissertação (Mestrado em Direito) – Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.



[1] JUSTEN FILHO, op. cit., p. 343.

[2] Conforme estabelece o artigo 1°, parágrafo único da Constituição Federal de 1988.

[3] Conforme estabelece o artigo 5°, inciso II, da Constituição Federal de 1988.

[4] Definida e divulgada por Montesquieu.

[5] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 113.

[6] MOTTA, op. cit., p.164.

[7] MEIRELLES , op. cit., p. 356.

[8] MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 289.

[9] Com exceção da ANP e ANATEL.

[10] DI PIETRO, Parcerias na ..., p. 146-147

[11] CUÉLLAR, op. cit., p. 136.

[12] MOTTA, op. cit., p. 182.
Sobre o(a) autor(a)
Phillip Gil França
Advogado, Especialista em Direito Administrativo, Mestrando em Direito do Estado pela PUC/RS
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