A ação monitória contra a Fazenda Pública

A ação monitória contra a Fazenda Pública

Conflito de Turmas no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao examinar o cabimento ou não do procedimento monitório contra a Fazenda Pública.

É ou não cabível o procedimento monitório contra a Fazenda Pública Federal, Estadual ou Municipal?

A Corte Mineira entra em conflito ao examinar a possibilidade ou não de se utilizar da Ação Monitória contra a Fazenda Pública.

Há divergências no Tribunal de Justiça Mineiro sobre a questão.

A Terceira Câmara Cível do TJMG julgou perfeitamente cabível ação monitória contra a Fazenda Pública, se o débito é comprovado mediante notas de empenho.

Ao comentarmos essa decisão, naquele momento, apontamos as razões que justificaram esse entendimento de que não há, nessa hipótese, impropriedade da referida ação, a seguir:

1º) a necessidade de expedição de precatório não representa óbice à opção pela via monitória, pois o título executivo por intermédio dela obtido é antecedente à sua execução;

2º) apresentados os embargos, o processo passa a seguir o rito ordinário, com todas as garantias inerentes a esse procedimento, inclusive o contraditório;

3º) o argumento de que as sentenças contra a Administração Pública estão sujeitas à remessa de ofício não afasta a aplicação dos arts. 1.102 a 1.102c do CPC (que disciplinam a ação monitória), pois o que a monitória objetiva é apressar a formação do título executivo, e, mesmo que admitida a aplicação do art. 475, II, do CPC, ganhar-se-á em rapidez com a cognição sumária, e, mesmo que não embargada a pretensão, há de ser observada a norma do art. 475 do CPC (reexame necessário);

4º) o processo monitório exige prova pré-constituída, sendo do autor o ônus de colacionar o documento a instruir sua pretensão, ficando, com isso, relevada a incidência do art. 320 do CPC (revelia); e, finalmente,

5º) é relativa a indisponibilidade do direito da Fazenda Pública, não ficando ela impedida de cumprir voluntariamente o mandado de pagamento ou de se sujeitar à execução fundada no título executivo obtido pela via monitória.

E acrescenta mais um motivo para a utilização da monitória, nesse caso, como se não bastassem os anteriormente citados, ao revelar que "o procedimento monitório até favorece a Fazenda Pública, pois dispensa o pagamento de honorários advocatícios, caso se efetue o pagamento voluntariamente".

Agora, em posição diametralmente oposta, a Quarta Câmara Cível do mesmo TJMG, em Acórdão publicado no Diário do Judiciário de 08 de junho, diz ser incabível o procedimento monitório contra a Fazenda Pública, seja federal, estadual ou municipal, em face do disposto no artigo 730 do Código de Processo Civil, que estabelece regra especial para a execução por quantia certa movida contra a Fazenda Pública, não sendo possível a expedição de ordem de pagamento contra a mesma, nem a penhora de seus bens, devendo haver processo de conhecimento puro com sentença em duplo grau de jurisdição para pagamento por meio de ofício requisitório e por meio de dotação orçamentária.

O Relator, Des. Bady Curi, em seu voto, assevera que seguiu entendimento perfilhado pela doutrina e transcreveu trecho de José Rogério Cruz e Tucci, em seu livro, intitulado Ação Monitória, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995, p. 66, ao afirmar que:

"A ação monitória, diante dessa orientação, seria então o remédio indicado para que o credor, portador de título extrajudicial, pudesse obter, em espaço temporal abreviado, título judicial contra a Fazenda, não fosse o disposto no art. 730 do Código de Processo Civil.

É que o procedimento traçado para a execução por quantia certa contra a Fazenda Pública não se amolda, de modo algum, às particularidades que conotam o da ação ora examinada. Destarte, seria realmente impraticável admitir-se a emissão de uma ordem de pagamento, exarada no bojo do procedimento monitório, dirigida à Fazenda Pública. Basta atentar-se para a regra do inciso II do apontado dispositivo, impositiva do pagamento da ordem de apresentação do precatório, para concluir-se pela inadmissibilidade da ação monitória em face da Fazenda Pública. A inadequação desse meio processual, no caso de crédito de quantia certa, resulta flagrante:

O mesmo entendimento é verificado no magistério de Ernane Fidelis do Santos, em seu livro Novos Perfis do Processo Civil Brasileiro:

"Ao se omitir na apresentação de embargos, o devedor provoca a criação de título, o que equivale dizer que tal ato tem efeitos análogos ao reconhecimento de pedido no processo de conhecimento. Em conseqüência, pessoas jurídicas de direito público, cujos representantes não tenham poder de transacionar, não podem figurar no pólo passivo da relação processual no procedimento monitório, devendo dizer o mesmo com relação aos incapazes não autorizados" (Novos Perfis do Processo Civil Brasileiro, Del Rey Editora, Belo Horizonte, 1996, p.47).

Por fim, o douto processualista Humberto Theodoro Júnior, a respeito de ação monitória contra a Fazenda Pública, observa que:

"Admite-se, na Itália, o manejo do procedimento injuntivo contra a Administração Pública, como, por exemplo, na pretensão de repetição de indébito tributário.

Pensamos que a orientação em tela não pode ser transplantada para o Direito Brasileiro, em face das características de nosso regime de execução contra a Fazenda Pública, que pressupõe precatório com base em sentença condenatória (CF, art. 100), o que não existiria, no caso de ação monitória não embargada. Além do mais, a Fazenda Pública tem a garantia do duplo grau de jurisdição obrigatório, a ser aplicado em qualquer sentença que lhe seja adversa (CPC, art. 475, II) e a revelia não produz contra ela o efeito de confissão aplicável ao comum dos demandados (art. 320, inc. II). Com todos esses mecanismos de tutela processual conferidos ao Poder Público, quando demandado em juízo de acertamento, torna-se realmente inviável entre nós, a aplicação da ação monitória contra a Administração Pública. Seu único efeito, diante da impossibilidade de penhora sobre o patrimônio público, seria o de dispensar o processo de conhecimento para reconhecer-se por preclusão o direito do autor, independentemente de sentença. Acontece que a Fazenda não se sujeita a precatório sem prévia sentença, e contra ela não prevalece a confissão ficta deduzida da revelia. Assim, nada se aproveitaria do procedimento monitório, na espécie. Forçosamente, o processo teria de prosseguir, de forma ordinária, até a sentença de condenação" (As Inovações no Código de Processo Civil, 6ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 80-81).

O Desembargador - Relator, fundamentando o seu entendimento, ao considerar incabível o procedimento monitório contra a Fazenda Pública, referiu-se a julgados de outros Tribunais Estaduais que reconhecem essa inadmissibilidade, por não ser possível a expedição de ordem de pagamento contra a mesma e nem a penhora de seus bens, devendo, pois, haver processo de conhecimento puro, com sentença em duplo grau de jurisdição e execução, nos moldes do art. 100 da Constituição Federal e do art. 730 do CPC.

Convém lembrar aqui que esse julgamento da Douta Quarta Câmara não foi tranqüilo, visto que houve voto vencido, da lavra do Des. Almeida Melo argüindo que:

"Não se deve confundir ação monitória com execução. Esta leva rito especial, no caso da Fazenda Pública. Mas a ação monitória não é incompatível com esse rito especial. Outrossim, expedido o mandado para pagamento da Fazenda Pública, da falta de pagamento segue a execução no procedimento específico. Não existe também incompatibilidade entre o duplo grau de jurisdição e a expedição do mandado, bastando que se aguarde o duplo grau".

É de se reconhecer que há forte tendência da Doutrina e da Jurisprudência no sentido de se excluir da mira da Ação Monitória a Fazenda Pública, em decorrência de algumas peculiaridades da mencionada ação que é um procedimento simplificado para que o portador de um título extrajudicial obtenha, em curto espaço de tempo, um título judicial.

A tendência, portanto, é a de se considerar a Ação Monitória meio processual inadequado para a obtenção do título judicial contra a Fazenda Pública, federal, estadual e municipal.

Sobre o(a) autor(a)
Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas
Advogado tributarista, com escritório em Belo Horizonte-MG. Assessor jurídico da ACMINAS - ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE MINAS. Sócio do CUNHA PEREIRA & ABREU CHAGAS - Advogados Associados, em Belo Horizonte-MG.
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