Aspectos civis do sequestro de menores

Aspectos civis do sequestro de menores

Trata da subtração de crianças para países de onde um dos pais é natural, caracterizando o sequestro no ambito do direito internacional.

A Regulamentação Brasileira

De acordo com a Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), em seu artigo 7º, o domicílio é a regra clássica para se dirimir quaisquer conflitos de competência, também sendo aplicáveis ao direito de família quanto ao direito internacional privado.

Os mecanismos processuais brasileiros são comuns a todas as causa de conflitos internacionais. Utiliza-se da cooperação com outros sistemas através de carta rogatória ou da homologação de uma sentença, independente se direito civil, comercial ou de família.

Até a adesão do Brasil junto às Organizações Internacionais, a questão dos aspectos civis do seqüestro de crianças não possuía nenhuma legislação específica.

Quando uma criança era seqüestrada por um de seus pais e levada a país diverso de sua moradia, cabia ao outro pai ou mãe ingressar na justiça estrangeira sem nenhuma garantia ou apoio das autoridades brasileiras. Em sentido contrario, quando a criança vinha para o Brasil, a decisão estrangeira de sua restituição deveria ser homologada pelo STF, que geralmente negava a execução do pedido, visto, à época, ser fácil adquirir guarda provisória.

Hoje, após a Convenção da Haia, o pedido de restituição é feito de forma direta ao juiz de 1º grau, solicitando auxílio ou assistência direta.

Convenções Internacionais

O Brasil aderiu à Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Seqüestro de Menores em 2004, que é a mais importante Convenção sobre os direitos das crianças e faz parte da Convenção Interamericana sobre Restituição de Menores.

No intuito de proteger os interesses da criança que se encontra nesse tipo de situação, vítima de uma desavença entre seus pais ou familiares, foi concluída, em 1980, a Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças. Mesmo não sendo perfeita, a Convenção é uma das melhores alternativas à autodefesa que costumava imperar nos casos da espécie, trazendo conseqüências perigosas e prejudiciais à criança, muitas vezes mantida longe de atividades sociais, impossibilitada de criar vínculos de amizade e culturais, matriculada em escolas variadas e com utilização de nomes fictícios. Um tratado multilateral como a Convenção da Haia de 1980 insere os Estados em um regime internacional de localização e avaliação da real situação da criança, que deverá ser restituída ao Estado de residência habitual [2].

Apesar de concluída em 1980, a Convenção só foi internalizada no Direito Brasileiro por meio de Decreto 3.413, de 14 de abril de 2000. Destaca-se, ainda, além do longo prazo entre a conclusão da Convenção e sua promulgação no Brasil, uma questão de hermenêutica a ser enfrentada no objeto material da convenção, qual seja, a guarda e o direito de visita a menores. Por dificuldade técnica, o termo "abduction", do título em inglês, foi traduzido como seqüestro, na versão oficial brasileira. Dessa forma, há que se compreender que a Convenção, apesar de usar o termo seqüestro, pretende regular a transferência ou retenção irregular de crianças, tratando da questão da guarda de menores, conforme especificado no seu art. 1º, verbis:

"Art. 1º. A presente Convenção tem por objetivo:

a) assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente;

b) fazer respeitar de maneira efetiva nos outros Estados Contratantes os direitos de guarda e de visita existentes num Estado Contratante."

Dessa forma, a Convenção faz valer além das fronteiras nacionais o regramento jurídico sobre a guarda e direito de visitas a respeito do menor. O transpor de fronteira não pode servir para tornar inalcançável uma pessoa à justiça (justiça aqui entendida como universal). É como se o Poder Judiciário de um Estado desenvolvesse tentáculos para, com a cooperação de outro Estado, alcançar aquilo que se evadiu da justiça.

Na prática o pai ou a mãe, sabendo que o seu ex-cônjuge foi para outro Estado, comunica o fato à autoridade central de seu país que, ao ser provocada, realiza um juízo prévio de admissibilidade de aplicação da Convenção, encampa a pretensão daquele que fez o pedido de proteção, e transforma em pretensão do Estado. Após, encaminha o pedido de restituição para o país onde se encontra a criança. Não é o pai, a mãe ou outra pessoa que faz o pedido, mas o Estado provocado. É Estado pedindo para Estado – cooperação inter-estatal.

As hipóteses previstas na Convenção são casos de cooperação judiciária internacional, visto que a autoridade central do país requerido precisará, para cumprir a medida solicitada, de um mandado judicial para busca, apreensão e restituição do menor. No caso do Brasil, a Autoridade Central Brasileira - Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República - não pode provocar diretamente o Estado, fazendo-o por meio da Advocacia Geral da União. Nesses casos, a União está a encampar as pretensões do Estado estrangeiro – Estado requerente – e o faz por conta do seu dever constitucional de cumprir e fazer cumprir as obrigações internacionais impostas ao Estado brasileiro. Ao Estado brasileiro interessa prestar a cooperação a que está obrigado no direito internacional, fazer valer a competência e a autoridade do Estado estrangeiro em cuja jurisdição deve ser discutida toda e qualquer questão relativa à guarda e ao direito de visita de menor.

Destaque-se que a questão não é de direito de família, mas de cooperação internacional entre Estados. Para a União, pouco importa com quem o menor vai ficar. O direito da criança é de ter a sua guarda regulada no país de residência habitual. A ação proposta não é cautelar, mas de conhecimento (juízo de cognição plena, incompatível com a tutela jurisdicional em sede cautelar) sob a forma de assistência direta.

Transferência ou retenção do ilícito de menores

Quando identificada a transferência ou retenção ilícita da criança deve-se seguir o disposto no artigo seguinte, emanado da Convenção de Haia:

“Art. 3º. A transferência ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando:

a) tenha havido violação a direito de guarda atribuído a pessoa ou a instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual imediatamente antes de sua transferência ou da sua retenção; e

b) esse direito estivesse sendo exercido de maneira efetiva, individual ou em conjuntamente, no momento da transferência ou da retenção, ou devesse está-lo sendo se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.

O inciso "b" acima transcrito demonstra que ocorre a ilicitude mesmo quando a pessoa que está no exterior não possui a guarda do menor, mas exercia o direito de forma afetiva no momento da transferência, privando a criança desse convívio.”

"Art. 8º. Qualquer pessoa, instituição ou organismo que julgue que uma criança tenha sido transferida ou retirada em violação a um direito de guarda pode participar o fato à Autoridade Central do Estado de residência habitual da criança ou à Autoridade Central de qualquer outro Estado Contratante, para que lhe seja prestada assistência para assegurar o retorno da criança.

"Art. 16. Depois de terem sido informadas da transferência ou retenção ilícitas de uma criança nos termos do Artigo 3º, as autoridades judiciais ou administrativas do Estado Contratante para onde a criança tenha sido levada ou onde esteja retida não poderão tomar decisões sobre o fundo do direito de guarda sem que fique determinado não estarem reunidas as condições previstas na presente Convenção para o retorno da criança ou sem que haja transcorrido um período razoável de tempo sem que seja apresentado pedido de aplicação da presente Convenção."

Nesse artigo, fica claro o elemento de conexão, é nele que está inserida a norma de direito internacional privado. Não é competente o juiz brasileiro para decidir guarda, o juiz competente é o juiz do país de residência habitual da criança – a regra de conexão é essa e o elemento de conexão está implícito. É disposição de direito internacional privado solucionadora de conflito de jurisdição. Pergunta-se: qual o foro competente para processar e julgar uma demanda sobre guarda de menores que foram transferidos ilicitamente? Foro do país de residência habitual do menor.

Aspectos Processuais da Convenção

A Convenção estabelece uma ação, iniciada com um pedido de restituição da criança, que deverá ser muito bem instruída e deverá conter até exceções, a fim de se chegar a uma ordem de retorno ou seu indeferimento.

O princípio do contraditório deve ser respeitado para se analisar as exceções em caso de pedido de retorno (previstas nos art. 12, 13 e 17 da Convenção).

O pedido deve conter:

a) informação sobre a identidade do requerente, da criança e da pessoa a quem se atribui a transferência ou a retenção da criança;

b) caso possível, a data de nascimento da criança;

c) os motivos em que o requerente se baseia para exigir o retorno da criança;

d) todas as informações disponíveis relativas à localização da criança e à identidade da pessoa com a qual presumivelmente se encontra a criança.

O pedido pode ser acompanhado ou complementado por:

e) cópia autenticada de qualquer decisão ou acordo considerado relevante;

f) atestado ou declaração emitidos pela Autoridade Central, ou por qualquer outra entidade competente do Estado de residência habitual, ou por uma pessoa qualificada, relativa à legislação desse Estado na matéria;

g) qualquer outro documento considerado relevante.

Esta Convenção fixa os requisitos do pedido de retorno da criança, e também os critérios para adoção de medidas urgentes para o restabelecimento do status quo da criança, ou seja, deve-se estabelecer a residência habitual da criança como o seu domicílio.

Ela determina regras de acesso a justiça e a assistência judiciária.Não há imposição de caução ou depósito para o pedido, além de dispensar a legalização de documentos oriundos de Estados signatários.

Conclusão

A partir dessa breve analise, podemos tecer algumas considerações sobre as ações de busca, apreensão e restituição de menor, atualmente propostas pela Advocacia-Geral da União no intuito de prestar a cooperação a que está obrigado o Estado brasileiro por ser contratante da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças:

a) não se trata de pedido de antecipação de tutela ou medida acautelatória, mas, como já exposto, de pedido de cooperação judiciária internacional entre Estados sob a forma de assistência direta, com juízo de cognição plena e cujo resultado esperado é a restituição do menor a Autoridade Central do país onde tem sua residência habitual; e

b) não pode ser analisada no Brasil a questão da guarda dos menores envolvidos, pois o Poder Judiciário Brasileiro não é competente para tal, conforme previsão no art. 16 da citada Convenção. O fato de poder ter sido ajuizada uma ação em uma Vara de Família no Brasil é uma tentativa desesperada de dar uma roupagem de aparente licitude a uma manobra que desrespeitou a norma conflitual que trata das questões de guarda e de direito de visita, não sendo de forma alguma impeditivo para restituição do menor, tendo em vista ser essa ação de guarda totalmente descabida.

Pelo exposto, fica demonstrado que o instituto da Assistência Direta (ou Cooperação Judiciária Internacional), no Brasil, é uma nova forma de a União demonstrar que o país está inserido em um contexto de justiça mundial, buscando uma justiça além fronteiras, ampla, onde quer que se encontrem as partes envolvidas. E para que tal missão seja desempenhada a contento, faz-se necessário que o Poder Judiciário Federal assuma também de forma plena o seu papel, vislumbrando que a questão não se cinge ao Direito de Família, mas extrapola os ramos do Direito Civil Interno para alcançar status de Cooperação Inter-Estatal, verdadeira face globalizada do Direito.

Referências bibliográficas

ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. São Paulo: Saraiva, 1993.

ARAÚJO, Nadia de. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. Rio de Janeiro: Renovar,2006.

Sobre o(a) autor(a)
Roberta de Albuquerque Nóbrega
Estudante de Direito
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