Negócios jurídicos processuais e o contratualismo no novo Código de Processo Civil

Negócios jurídicos processuais e o contratualismo no novo Código de Processo Civil

O juiz terá o papel de fiscalizar eventuais abusividades entre as partes, principalmente quando houver uma situação de disparidade, como no contrato de adesão., conforme previsto no paragrafo único do artigo 190 do NCPC.

1 INTRODUÇÃO

Faz-se necessário o estudo deste relevante tema por conta da nova sistemática do código de processo civil que é a celeridade processual, tendo como escopo básico a agilidade de andamentos, para atender uma demanda maior, antigamente em acordo com a teoria do positivismo, a vontade das partes era quase imperceptível, não sendo possível pactuação de regras processuais, como calendário, produção de provas, mas ao analisar o antigo CPC, pode-se concluir que havia resquícios de acordo entre partes como, na cláusula de eleição de foro, ou escolha do mediador ou conciliador, em contrapartida a esse novo instituto, surgiram posições contrarias, onde afirmam ser uma ofensa a diversos princípios, e de que os atos devem resultar da lei e não da vontade.

O tema se encontra em tão evidencia que se reflete até no direito penal, estando presente em diversas fases da operação lava jato, o acordo de delação premiada, apenas precisa de uma homologação do Juiz, livrando o indiciado de suposta pena mais grave, também há posicionamento contrario afirmando de se tratar de ofensa ao principio da obrigatoriedade da ação penal.

Podemos dizer que há um novo pensamento contratualista, onde se tem liberdade para dispor sobre a estrutura processual, não há mais no processo uma condução inquisitiva do juiz, e sim liberdade entre as partes, buscando esclarecer o que é o negocio jurídico, Se faz necessária a distinção do que é, fato jurídico, e atos jurídicos, para assim poder chegar a uma definição e explanação sobre o negocio jurídico processual, e a existência do contratualismo  entre partes , usando metodologia de pesquisas em doutrinas e artigos jurídicos, e enunciados que esclarecem possíveis interpretações descrita nos artigos 190 e 191 do código de processo civil.  

2 NEGÓCIO JURÍDICO

No código civil de 1916 a expressão negócio jurídico, não era empregada no sentido comum, como uma operação ou transação comercial, mas sim como uma subdivisão de atos jurídicos lícitos, no antigo regimento o ato jurídico era visto de forma genérica, sem subdivisão de espécies, entre elas o negócio jurídico, por conta de se ter surgido na Alemanha e alguns países da Europa.

Um primeiro conceito deste instituto surgi-o, no CÓDIGO CIVIL ALEMÃO, (BGT)[1] “ Negócio jurídico é um ato, ou uma pluralidade de atos entre si relacionados, quer sejam de uma ou de várias pessoas, que tem por fim produzir efeitos jurídicos, modificações nas relações jurídicas no âmbito do direito privado”

Preleciona ainda o ilustríssimo Miguel Reale [2]“Negócio Jurídico é aquela espécie de ato jurídico que, além de se originar de um ato de vontade, implica a declaração expressa da vontade, instauradora de uma relação entre dois ou mais sujeitos tendo em vista um objetivo protegido pelo ordenamento jurídico. Tais atos, que culminam numa relação intersubjetiva, não se confundem com atos jurídicos em sentido estrito, nos quais não há acordo de vontade, como, por exemplo, sé da nos atos chamados matérias, como os da ocupação ou posse de um terreno, a edificação de uma casa no terreno, apossado, um contrato de compra e venda, ao contrário, tem sua forma especifica de um negócio jurídico...”  

2.1 Atos Jurídicos

Há uma dessemelhança entre ato jurídico e negócio jurídico, pois nos dois casos há uma manifestação de vontade, com a produção de efeitos previstos em lei. Os negócios jurídicos podem ser identificados, definido ou qualificado como um ato de autonomia privada, tendo como característica importante a vontade declarada, existem doutrinadores que consideram o negócio jurídico, como uma norma negocial, sempre elaborada pelos sujeitos de direito, neste instituto existe uma liberdade negocial maior em relação aos atos jurídicos.

No ato jurídico em sentido estrito, a vontade não se destina à escolha da categoria jurídica. Manifestada ou declarada a vontade, produz-se o efeito preestabelecido em lei, que se realiza necessariamente, sem que a vontade possa modificá-lo, ampliá-lo, restringi-lo ou evitá-lo. Quando alguém, por exemplo, estabelece sua residência com ânimo definitivo, constitui-se o domicílio. Eis aí um ato jurídico. Mesmo que o sujeito não queira, ali será seu domicílio, com toda a eficácia jurídica relativa ao domicílio. De igual modo, são atos jurídicos o reconhecimento de filiação não decorrente de casamento, a interpelação para constituir o devedor em mora, a confissão e a interrupção da prescrição. No ato jurídico, o sujeito de direito não tem liberdade para escolher a categoria jurídica, nem variar ou excluir qualquer efeito jurídico a ser produzido.

MARCOS BERNARDES DE MELLO[3], preceitua e esclarece: “é o fato jurídico cujo elemento nuclear do suporte fáctico consiste em manifestação ou declaração consciente de vontade, em relação à qual o sistema jurídico faculta às pessoas, dentro de limites predeterminados e de amplitude vária, o poder de escolha de categoria jurídica e de estruturação do conteúdo eficacial das relações jurídicas respectivas, quanto ao seu surgimento, permanência e intensidade no mundo jurídico.”

3.0 NEGÓCIOS JURIDICOS PROCESSUAIS

Em seu trabalho atual, FREDIE DIDIER[4], nos conceitua o plano dos negócios jurídicos processuais: “é o fato jurídico voluntário em cujo suporte fático confere-se ao sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer, dentro dos limites do próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais”.

Com o advento do novo Código de Processo Civil, buscou-se a liberdade entre as partes claramente, nessa nova sistemática o juiz passa de um membro obrigatório do processo, para um membro eventual, sempre fiscalizando eventuais exageros, podemos usar como exemplo os meios parciais de solução de conflito, a conciliação e arbitragem, antes institutos facultativos, hoje obrigatórios para o prosseguimento do processo, salvo se as partes renunciarem.

O descrito nos artigo 190 do Código de Processo Civil descreve o entendimento atual:

Art. 190 Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Parágrafo único.  De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

Os presentes artigos relatam de forma expressa a clausula geral de negócios jurídicos, tanto nos procedimentos e situações processuais diversas como a fixação de um calendário. Para tanto se deve preencher a série de requisitos elencadas no presente artigo, iniciando pelo tipo de direito a ser “Negociado”, o legislador foi extremamente feliz em não confundir direito indisponível com direito que não admita autocomposição, porque mesmo nos processos que versam sobre direito indisponível é cabível a autocomposição. Naturalmente, nesse caso a autocomposição não tem como objeto o direito material, mas sim as formas de exercício desse direito, tais como os modos e momentos de cumprimento da obrigação. Em razão dessa importante distinção, é admitida a convenção processual no processo coletivo, ainda que os direitos difusos e coletivos sejam indisponíveis e o autor da ação seja o Ministério Público.

As partes devem ser plenamente capazes, nesse sentido há contradições majoritárias sobre o arquétipo de capacidade, por que uma parte defende tratar-se de capacidade material, de forma que os relativamente ou absolutamente incapazes, mesmo que assistidos ou representados, não podem celebrar negócio jurídico. Outra corrente doutrinária entende que a capacidade exigida é tão somente a processual, de forma que havendo representação processual os incapazes poderão celebrar o negócio jurídico. 

A convenção deve limitar-se aos ônus, poderes, faculdades e deveres processuais das partes, extraindo essa parte do artigo podemos perceber que o legislador, deixou definido que as partes não poderão transgredir direitos conferidos ao juiz, sendo esse inalterável, uma observação a ser feita é de que os acordos processuais poderão ocorrer antes e depois do processo, não tendo um prazo a ser realizado, ou seja, pode ser prévio ou incidental, assim como a clausula de eleição de foro.

3.1 Principio do autorregramento da vontade

Assim como os negócios jurídicos o princípio do autorregramento da vontade, e uma das grandes novidades do novo código, nele há uma clara demonstração de que as partes podem muito mais dentro do procedimento processual, de acordo com um dos principais dogmas da constituição, o princípio da liberdade.

Para contextualizar melhor explica AFONSO DA SILVA[5]: “O princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo visa, enfim, à obtenção de um ambiente processual em que o direito fundamental de autorregular-se possa ser exercido pelas partes sem restrições irrazoáveis ou injustificadas”

Para corroborar com este entendimento, temos o princípio da cooperação descrito no artigo 6º do NCPC, também é uma demonstração clara de valorização da vontade no processo. Por isso como vem sendo mostrado há uma contratualização processual entre as partes.

3.2 negócios jurídicos típicos

Se refere aos negócios jurídicos, tipificados em lei, que implica em liberdade de celebração, onde desde a vigência do código anterior já estava presente, podemos citar como exemplo:

 a) modificação do réu na nomeação à autoria (arts. 65 e 66);

 b) sucessão do alienante ou cedente pelo adquirente ou cessionário da coisa litigiosa (art. 42, § 1º);

 c) acordo de eleição de foro (art. 111);

 d) prorrogação da competência territorial por inércia do réu (art. 114);

 e) desistência do recurso (art. 158; art. 500, III);

 f) convenções sobre prazos dilatórios (art. 181);

Nota-se que a maioria dos direitos e atos processuais que podem ser modificados, são omissivos, ou comissivos, onde podem ser bilaterais, unilaterais ou plurilaterais.

3.3 negócios jurídicos atípicos e seus limites

Diferente dos negócios jurídicos típicos, não há uma tipificação na lei, podendo as partes ter uma liberdade maior, existem consequências desta liberdade, onde alguns doutrinadores estudam o limite em que as partes podem chegar, nos Enunciados do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) que se referem ao negócio jurídico processual do art. 190 do NCPC, esclarecem alguns pontos controvertidos.

Enunciado n. 20 do FPPC: Não são admissíveis os seguintes negócios bilaterais, dentre outros: acordo para modificação da competência absoluta, acordo para supressão da primeira instância.

Enunciado n. 135 do FPPC: A indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual.

2.2 Licitude do objeto: O objeto deve ser lícito. Não é possível, por exemplo, negócio jurídico processual por meio do qual seja ajustado o cabimento de prova ilícita (p. ex., prova de fé).

2.3 Limites processuais impostos a negócios jurídicos processuais típicos não podem ser afastados nos atípicos. Exemplos: foro de eleição e convenção acerca da repartição da carga probatória

2.4. Inadmissível celebração de negócio jurídico processual em relação a matéria de reserva legal. Exemplos: criação de recursos ou alargamento das hipóteses de admissibilidade recursal.

Enunciado n. 115 do FPPC: O negócio jurídico celebrado nos termos do art. 190 obriga herdeiros e sucessores.

Dentro desses entendimentos também há a interpretação de limites, tal como:

Enunciado 405. Os negócios jurídicos processuais devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

Enunciado 406. Os negócios jurídicos processuais benéficos e a renúncia a direitos processuais interpretam-se estritamente.

Enunciado 407. Nos negócios processuais, as partes e o juiz são obrigados a guardar nas tratativas, na conclusão e na execução do negócio o princípio da boa-fé.

Enunciado 408. Quando houver no contrato de adesão negócio jurídico processual com previsões ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.

Enunciado n. 20 do FPPC: Não são admissíveis os seguintes negócios bilaterais, dentre outros: acordo para modificação da competência absoluta, acordo para supressão da primeira instância.

Nesses casos, assim como os demais, o juiz terá o papel de fiscalizar eventuais abusividades entre as partes, principalmente quando houver uma situação de disparidade, como no contrato de adesão., conforme previsto no paragrafo único do art.190.

4 Conclusão

Ao analisar este novo instituto o legislador pretende dar uma liberdade maior das partes dentro do processo, visando a celeridade processual de acordo com o novo pensamento do CPC, está claro de que ainda é preciso a complementação  do texto de lei através de sumulas, lembrando de que o fórum de processualistas civis da Bahia, trouxe vários esclarecimentos importantes, como  por exemplo  o ministério publico poderá propor negócios jurídicos, quando se tratar de autocomposição, assim como a fazenda pública, afirmam ainda que os civilmente incapazes podem celebrar negocio jurídico podendo transigir judicialmente, não precisa necessariamente da presença de advogado.

Como afirmado acima, caberá ao juiz controlar as abusividades de cada parte, a fim de garantir a aplicação segura deste instituto, para o correto principio da celeridade processual, visando à finalidade primordial do novo código de processo civil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

CENTRO UNIVERSITÁRIO “ANTONIO EUFRÁSIO DE TOLEDO”. Normalização de apresentação de monografias e trabalhos de conclusão de curso. 2007 – Presidente Prudente, 2007, 110p.

Acerca dos negócios processuais no novo CPC e do gerenciamento processual, v. HUMBERTO THEODORO JUNIOR, DIERLE NUNES, ALEXANDRE MELO FRANCO BAHIA e FLÁVIO QUINAUS PEDRON. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 257.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. 1° Ed. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 353.

DIDIER JR, Fredie. Princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo civil, in Negócios Processuais, Coleção Grandes Temas do Novo CPC. Coord. Antonio do Passo Cabral e Pedro Henrique Nogueira. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, p. 19.

CUNHA, Leonardo Carneiro. Negócios jurídicos processuais no processo civil brasileiro, in Negócios Processuais, Coleção Grandes Temas do Novo CPC. Coord. Antonio do Passo Cabral e Pedro Henrique Nogueira. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, p. 49.

BUENO, Cassio Scarpinella. Novo código de processo civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.

[1] Derecho Civil parte general, p.421

[2] Lições, Cit., p. 206-207.

[3] Teoria do fato jurídico: plano da existência. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 225.

[4] DIDIER Jr., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais. 2ªed.

[5] Sobre o exame das limitações infraconstitucionais aos direitos fundamentais, SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais – conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010; NOVAIS

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