Novo CPC: como fica a gratuidade de justiça?

Novo CPC: como fica a gratuidade de justiça?

A nova lei adjetiva civil na Seção IV do Capítulo II, especificamente nos seus artigos 98 a 102 trata do tema, derrogando a Lei 1.060 de 05/02/1950. Trata-se de importante enfrentamento do legislador a questão, que tanta importância tem no dia-a-dia forense.

Introdução

No próximo mês de março de 2016, entra em vigor a Lei Ordinária Federal 13.105 de 16/03/2015, que institui o Novo Código de Processo Civil (NCPC) brasileiro.

A nova lei adjetiva civil na Seção IV do Capítulo II, especificamente nos seus artigos 98 a 102 trata do tema, derrogando a Lei 1.060 de 05/02/1950. Trata-se de importante enfrentamento do legislador a questão, que tanta importância tem no dia-a-dia forense.

Tem-se que as alterações realizadas sintetizam aquilo que a jurisprudência consolidou ao longo dos anos, razão pela qual, ousa-se afirmar que o novo código é um substrato, uma essência, do que já se aplicava ao tema.

Pessoa Jurídica, o fim da celeuma

Em que pese a jurisprudência atual admitir a concessão dos benefícios da justiça gratuita às pessoas jurídicas que demonstrassem necessidade, nos termos do que passou a prever a Súmula 481 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, não era incomum nos depararmos com indeferimentos pelo simples fato de ser pessoa jurídica com fins lucrativos (STJ, REsp 300113, 5ª Turma).

Agora a questão encontra-se explicitada no texto legal do NCPC. Vejamos: “art. 98.  A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei”.

Neste contexto, a condição para o deferimento da gratuidade da justiça não está em ser pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, mas sim naquele com insuficiência de recursos para custear o processo.

Parece-nos que a previsão do art. 98 do NCPC coaduna-se com o princípio insculpido no art. 5º, LXXVII da Constituição Cidadã: “LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Já que se o Texto Constitucional não faz restrição quanto a condição de pessoa física ou jurídica, não poderia a lei ou o intérprete fazê-lo. E quando se fala em pessoa jurídica, entende-se extensível às figuras equiparadas, como é o caso dos condomínios.

Portanto, sem qualquer margem para debates, as pessoas jurídicas, sem restrição de possuir ou não finalidade lucrativa, passam a ser efetivas destinatárias da benesse legal.

A condição de necessitado: presunção ou prova?

A presunção de veracidade da declaração de insuficiência de recursos se dará apenas em relação às pessoas físicas, nos termos do §3º do art. 99 do NCPC.

O que nos leva ao raciocínio que a o deferimento às pessoas jurídicas dependerá de prova da efetiva insuficiência e não apenas de alegação.

Mas não é tão simples a questão relativa a presunção destinada às pessoas físicas, porquanto se nos autos existirem elementos, poderá, antes de indeferir os benefícios assinalar prazo para que a parte comprove a necessidade, conforme art. 99, §2º.

Portanto, será o cenário processual observado pelo magistrado que viabilizará o acolhimento da presunção ou fará nascer a determinação para efetiva comprovação. Vejamos por exemplo, se uma pessoa física formula pedido de gratuidade judiciária em uma ação contra uma montadora de veículos por conta de problemas em automóvel zero quilómetro adquirido, o contexto não permite levar a efeito a presunção legal, impondo-se que a parte comprove a efetiva necessidade.

Por outro lado, quando o cenário processual é singelo e não permite analisar a situação econômica do postulante, a presunção se impõe, não existindo margem para exigir a comprovação, ruindo assim alguns entendimentos que exigiam prova e não simples declaração (ex.: STJ, AgRg no REsp 1146879, 4ª Turma). Mas frise-se que é somente o cenário processual que poderá afastar a presunção e fazer com que seja exigida a efetiva comprovação.

No tocante as pessoas jurídicas, como aliás já previa a Súmula 481 do E. STJ, a demonstração de efetiva necessidade é providência obrigatória, não havendo que se falar em presunção. E aqui, caberá ao postulante no momento do pedido comprovar, por exemplo, através de balanços, extratos bancários, imposto de renda ou afins, a efetiva necessidade, cabendo ao julgador a análise segundo seu convencimento motivado.

Advogado Particular

Aqui entendemos que lei foi muito feliz, porquanto de uma vez por todas encerra o debate. Em que pese os Tribunais assentarem que a parte estar patrocinada por advogado particular não seria óbice aos benefícios, os que militam sabem que inúmeros eram os indeferimentos com base no entendimento de que “a parte postula através de advogado particular, logo não faz jus ao benefício”.

Note-se que o § 4o do art. 99 do NCPC assim prevê: “a assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça”.

Ora, de fato não parecia admissível condicionar o deferimento da gratuidade judiciária ao patrocínio pela Defensoria Pública ou convênios, porquanto a parte tem o direito à livre escolha do profissional que defenderá seus interesses, daí a relevância da previsão expressa no NCPC.

O Pedido

Por força do caput do art. 99, os benefícios podem ser pedidos na petição inicial, na contestação, na petição de terceiro no processo ou em recurso. Mas como o §3º do art. 99 do NCPC fala em “alegação”, entende-se “declaração de pobreza” tão utilizada, parece desnecessária. Note-se que o art. 4º da Lei 1.060/50 já falava em simples afirmação.

Todavia, considerando que a eventual revogação decorrente de má-fé implica em multa de até o décuplo dos valores devidos e eventual responsabilidade penal (art. 299 do Código Penal), entende-se que o causídico necessita de poderes especiais no instrumento de mandato para formular o pedido, ou por cautela, deverá solicitar que seu constituinte firme a necessária declaração.

A Ferramenta da Impugnação

Segundo redação do art. 100 do NCPC, “deferido o pedido, a parte contrária poderá oferecer impugnação na contestação, na réplica, nas contrarrazões de recurso ou, nos casos de pedido superveniente ou formulado por terceiro, por meio de petição simples, a ser apresentada no prazo de 15 (quinze) dias, nos autos do próprio processo, sem suspensão de seu curso”.

Aqui temos uma importante inovação legislativa.

Note-se que o art. 4º, §2º da Lei 1.060/50 previa a oferta de impugnação em autos apartados, enquanto que o NCPC fala em impugnação no próprio corpo da contestação, réplica, contrarrazões e afins, inclusive por petição simples.

Certamente tal alteração racionaliza o uso da ferramenta da impugnação, que pode, por exemplo, virar um tópico em contestação, dispensando-se o incidente.

Isto impacta também no recurso contra a decisão que manter ou revogar os benefícios, porquanto antes era atacada pela via da apelação (art. 17 da Lei 1.060/50), enquanto que no NCPC é de regra, via agravo de instrumento, sendo apelação somente em caso de decisão acerca do tema na sentença (art. 101 NCPC).

Contudo, os mais desavisados devem observar que o prazo para impugnação é de 15 dias, consoante art. 100. Portanto, não ofertada impugnação neste prazo, opera-se a preclusão consumativa, embora aqui cabem ressalvas:

O NCPC permite o pedido dos benefícios no curso da ação (§1º do art. 99), logo, por consequência lógica o prazo de 15 dias para impugnação será, neste caso, a partir do deferimento. Outrossim, como o §3º do art. 98 permite a revogação do benefício quando o credor demonstrar, em até cinco anos, que desapareceu a insuficiência de recursos, conclui-se naturalmente que cabe impugnação posterior ao prazo de 15 dias, mas tão somente para fatos novos. Mas note-se, em regra, a impugnação deve ser dar em 15 dias, e se ofertada fora deste prazo, deve referir-se a fatos novos, jamais pretéritos, porquanto esta seria a razão da lei atual fixar prazo certo, ao contrário do que previa a Lei 1.060/50 em seu art. 7º.

Execução da Sucumbência, um desserviço do NCPC

A mesma lei adjetiva civil que reconhece a natureza alimentar dos honorários (art. 85, §14 NCPC), prevê que o vencido que for beneficiário da gratuidade judiciária terá a execução das verbas sucumbenciais suspensas por até cinco anos (art. 98, §3º NCPC). Assim também previa a Lei 1.060/50 (art. 12).

Assim como critica-se alguns julgadores que deturpavam o deferimento ou indeferimento da gratuidade judiciária, há de ressalvar que alguns advogados, data venia, não parecem inocentes, porquanto é infelizmente comum a postulação dos benefícios da gratuidade judiciária para pessoas que nitidamente não fariam jus aos mesmos, banalizando o instituto.

A concessão dos benefícios às pessoas que não são efetivamente necessitadas, além de onerar indevidamente o Judiciário e muitas vezes atrasar o fim dos litígios (p.ex.: casos que exigem perícia), acaba por estimular aventuras jurídicas. E nem de longe se diga que a oneração indevida do Judiciário é apenas um problema do Estado, porquanto não é, já que reflete diretamente no resultado final dos serviços prestados aos jurisdicionados.

E o beneficiário da gratuidade muitas vezes postula em juízo com a ideia do “se ganhar ótimo, se perder tudo bem”, porquanto inexistirão ônus sucumbenciais. Com isso, teses despidas embasamento eficaz são lamentavelmente uma realidade no mundo jurídico.

Por isso, esperava-se que dada a natureza alimentar da sucumbência, a benesse da gratuidade de justiça não fosse abarca-la pela nova lei. Triste engano, porquanto nada mudou e as aventuras seguem possíveis.

Nesta seara, espera-se dos advogados um rigoroso padrão ético para postular benefícios apenas para quem efetivamente é necessitado, sem banalizar o instituto, bem como se espera dos magistrados que em cenário de capacidade econômica da parte vislumbrado naturalmente pelos fatos narrados ou documentos juntados, que o indeferimento aconteça (art. 99, §2º NCPC).

Há uma Esperança

Em que pese a crítica formulada no tocante a suspensão da execução sucumbência, entende-se que ainda há uma esperança, para adequada proporcionalidade entre o princípio constitucional de acesso à justiça e o deferimento da gratuidade de justiça aos reais necessitados.

Está insculpida no art. 98, §5º do NCPC a seguinte previsão: “a gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento”. Assim, entende-se que o pedido e o deferimento devem se dar de acordo com o cenário de impossibilidade econômica, deferindo-se integralmente a benesse, ou em percentual adequado ao caso concreto.

Vejamos, o exemplo de um cenário muito comum: aquela pessoa física que comprou um carro zero quilômetro e agora intenta ação contra a montadora ou a concessionária por um motivo qualquer. O advogado postula os benefícios à parte autora e tal pedido é revestido de presunção e em tese deveria ser deferido de plano (art. 99, §3º NCPC), mas o magistrado ao observar o cenário vislumbra que aquisição do veículo é incompatível com a condição de necessitado e determina a efetiva comprovação (art. 99, §2º NCPC). Então a parte requerente comprova pela via documental que o veículo foi comprado para trabalho e que está com sua conta bancária com saldo negativo, sem efetivas condições de pagar as custas. No Estado de São Paulo, as custas iniciais seriam: 1% do valor da causa (observado o mínimo fixado em Lei, que no caso da discussão sobre um veículo, revela-se alta) referente a DARE 2306 + 2% do salário mínimo nacional referente a DARE 3049, além da diligência do oficial de justiça R$ 70,65 (ou seja, 3 UFESP’s por ato). Talvez, 1% sobre o valor do carro (caso seja esta a discussão da lide) revele-se impossível da parte custear no exemplo dado. Portanto, ao invés de deferir integralmente os benefícios da gratuidade judiciária, o magistrado poderá deferi-lo parcialmente, para abarcar somente a taxa judiciária (1% do valor da causa), mantendo a obrigação de pagar a taxa de mandato (2% do salário-mínimo = R$ 17,60), as diligências do oficial de justiça (R$ 70,65) e demais valores que surgirem, pois, a taxa judiciária é a única, no caso exemplificado, de real impossibilidade de pagamento.

Este deferimento parcial dos benefícios da gratuidade judiciária de que trata o art. 98, §5º do NCPC, revela-se uma ferramenta equânime para satisfazer o direito constitucional da parte de acesso à justiça, e equilibrar a contraprestação necessária.

E por isso, espera-se que o deferimento parcial, ou “GRATUIDADE JUDICIÁRIA PARCIAL” seja um mecanismo utilizado sempre que necessário, para trazer este esperado equilíbrio aos litigantes e ao Judiciário. Todavia, frise-se que o deferimento parcial há de estabelecer com clareza os atos processuais abarcados pela gratuidade, sob pena de presumir que todos estão inclusos.

Outra ferramenta importante do NCPC é o parcelamento das despesas processuais, porquanto as vezes a impossibilidade é de saldar à vista a integralidade das custas iniciais, não sendo o caso de efetiva isenção. Portanto, teremos a figura da “GRATUIDADE JUDICIÁRIA DIFERIDA”, com base no art. 98, §6º do NCPC, segundo a qual, o magistrado não isentaria do pagamento, mas sim permitiria o pagamento das custas iniciais em parcelas.

Conclusão

O tema comportaria maiores discussões, todavia não se pretendia com o presente artigo esgotá-lo, mas apenas trazer uma reflexão sobre o novo cenário jurídico que espera os operadores do direito com a vigência do Novo Código de Processo Civil – NCPC.

Torcemos, portanto, que haja adequada serenidade e preparo dos operadores, para que a gratuidade de justiça de que trata a nova lei adjetiva civil, seja uma ferramenta de acesso aos efetivos necessitados, barrando-se eventuais aventuras jurídicas protegidas sob o manto da graciosidade, e freando eventuais decisões de deferimento ou indeferimento despidas de coerência com o cenário jurídico.

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Rodrigo Rodrigues Nascimento
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