Introdução contextualizada ao Direito do Consumidor

Introdução contextualizada ao Direito do Consumidor

O Direito do Consumidor promove o desenvolvimento da nação, assegurando a geração de renda e viabilizando os princípios constitucionais, nos quais se funda a ordem econômica.

Como explica Cláudia Lima Marques, o Direito do Consumidor se trata de uma “disciplina transversal entre o direito privado e o direito público, que visa proteger um sujeito de direitos, o consumidor, em todas as suas relações jurídicas frente ao fornecedor, um profissional, empresário ou comerciante” (BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2010, p. 29).

Portanto, o grande personagem do Direito do Consumidor, é o consumidor. Tal ramo do direito se enreda e se molda ao redor desse conceito.

Em que pese se poder localizar traços do Direito do Consumidor, v.g., na Lei Sherman, ou seja, a Lei Antitruste Norte-Americana, de 1890; esse ramo do Direito tem seu desenvolvimento adstrito a movimentos consumeristas de 1960, ainda na sociedade Norte-Americana, e se identifica sobremaneira com a sociedade de massa, conformação econômica de grande parte do mundo globalizado.

De outro giro, o Direito do Consumidor diz respeito a um saber crítico sobre os conceitos em que se apoiam o Direito Privado, tendo em consideração, como já referido, à pessoa do consumidor, em uma concepção de sociedade de massa, pós-moderna, hipercomplexa e desigual.

Dentro desse contexto, portanto, o Direito do Consumidor visa equalizar relações jurídicas marcadas pelo traço da desigualdade.

Ao se pensar em produção em série, onde existe uma standartização de toda produção industrial, a partir de modelos pré-concebidos (em gabinetes refrigerados a ar de portentosos agentes econômicos) e repetidamente replicados, com o objetivo de reduzir custos, e mais vender, não há mais como se pensar em pacta sunt servanda, nos moldes como fora concebido no Direito Civil clássico.

Ainda mais, quanto tal standartização estende-se ao campo dos contratos. A complexidade cada vez mais acentuada das corporações comerciais obriga à uniformização da figura do contrato. Progressivamente, alcança-se o ponto de ruptura com a figura tradicional do contrato, construído coletivamente pelas partes contratantes. É quando surge “a figura das condições gerais dos contratos e dos contratos de adesão, que restringem a vontade de um dos contratantes apenas à decisão de celebrar ou não o ajuste, mas sem nenhuma relevância para definição do seu conteúdo” (MIRAGEM, 2013, p. 39).

Nesse sentido, se a desigualdade entre fornecedores e consumidores é evidente. Tal desigualdade poderá se dar de várias formas. Assim, seja pela ausência de acesso e compreensão das informações sobre os aspectos de uma relação jurídica, em que o consumidor participe; seja, por outro lado, pela sua ausência ou sua reduzida capacidade econômica. Por tal razão, o Direito do Consumidor tem como característica essencial a consideração do fenômeno da vulnerabilidade do consumidor (que em última análise vai se voltar à celebração da dignidade da pessoa humana).

Portanto, o Direito do Consumidor apresenta-se como ramo do Direito Privado mais aquilatado socialmente. Sua sintonia com o fenômeno social é mais refinada, ao considerar, em sua arquitetura normativa, a existência de uma desigualdade fática, a qual se mostra presente nos meandros da sociedade contemporânea, distinta da sociedade industrial dos séculos XVIII e XIX, que viu nascer as primeiras codificações civis.

A superação do paradigma individualista, que caracterizava o Direito Privado, deu seus primeiros passos a partir do Direito do Consumidor, que, nesse desiderato, volta-se ao objetivo de recompor a desigualdade fática entre fornecedor e consumidor, por uma desigualdade jurídica, a fim de se alcançar uma igualdade material, de matriz Aristotélica, e não somente formal, como anteriormente se pretendeu com as demais codificações civis.

Portanto, sem Direito do Consumidor, e todo o supedâneo normativo que o lastreia, não há como se conceber autonomia privada ao consumidor. E, sem tal premissa, a figura do contrato, e o papel do Direito, a partir da instrumentalização de geração de riqueza, cai completamente por terra.

De outro giro, a liberdade, por si só, não se mostra suficiente para garantir a igualdade. Sabidamente os mais fortes se tornam opressores. Desse modo, não só se justifica, como se exige a intervenção do Estado.

Ainda nesse passo, o chamado direito pós-moderno emerge, caracterizado por uma maior intervenção do Estado nas relações particulares, portanto.

Do mesmo modo, em tal acepção jurídica (Direito do Consumidor), inserem-se vários temas, que, anteriormente, eram adstritos, unicamente, ao Direito Público ou ao Direito Privado. A inserção de tais temas no Direito do Consumidor provoca uma redefinição de conceitos e funções do Direito, até então aplicado.

Tal é a resposta do Direito do Consumidor a uma sociedade marcada pela realidade atual, chamada de pós-moderna, onde o revisionismo de todas as ideias que marcavam a modernidade se apresenta, todos os dias, às nossas retinas.

O Direito do Consumidor, portanto, é a expressão mais bem acabada desse movimento, no mundo jurídico.

Assim, dentro desse novo paradigma, o Direito do Consumidor presta-se a equacionar um novo enquadramento jurídico de institutos tradicionais, como a figura do contrato, da responsabilidade civil e da prescrição, v.g.

Nesse pormenor, quanto aos contratos, sua tradicional acepção é modificada por uma nova abordagem, inaugurada pelo Direito do Consumidor. Assim, o conceito de função social aplica-se com as devidas qualificações à liberdade de contratar.

Desse modo, a liberdade passa a sofrer restrições, pela ampliação da ideia de ordem pública, levando, no fundo, ao chamado dirigismo contratual, isto é, o estabelecimento de determinados parâmetros, aos quais a liberdade contratual deve se conformar.

Desse modo, a figura da boa-fé objetiva emerge, traduzida em conduta esperada das partes na execução do contrato, a partir do paradigma da lealdade; visando, em última análise, ao equilíbrio entre as partes contratantes.

Por tal premissa, o Código de Defesa do Consumidor tem como um de seus vértices interpretativos, o princípio da boa fé objetiva. Fácil é localizar, ao longo de seu texto, exemplos que comprovam essa afirmação.

Nesse sentido, note o art. 9º desse diploma legal. Tal disposição normativa determina que o fornecedor de produtos ou serviços tem o dever de informar o consumidor quanto ao perigo e à nocividade do produto ou serviço que introduz no mercado de consumo[1].

Assim, v.g., o descumprimento de tal dever, por parte do fornecedor, irá levar à sua responsabilização, responsabilidade essa objetiva, com fundamento nos arts. 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor[2].

Por todas essas razões, claro se afigura a impossibilidade de se prescindir do Direito do Consumidor. Todos somos consumidores! E, como consumidores que somos, indefesos e sedentos por novidades, imersos em uma sociedade de consumo, com relações econômicas conduzidas por grandes corporações, que se valendo de técnicas publicitárias minuciosamente planejadas, nos pegam pela mão, e como o coelho de Alice, nos apresentam a um mundo de volúpia consumista, que por nossa letárgica apatia, devora-nos, dia a dia, o bom senso e a racionalidade, pura e simplesmente. Em síntese: somos conduzidos por nossos desejos de felicidade take it or leave it a plagas cada vez mais distantes da realidade.

Desse modo, o estudo do Código de Defesa do Consumidor aponta uma saída da Caverna do mito de Platão. Ao nos fornecer elementos de reflexão sobre a dialética entre consumidores e fornecedores, em todas as suas nuances, inclusive com identificação de cada um dos papeis desse drama, dá-nos um vislumbre de bom senso.

Sem querer valer-se de reducionismos e lugares comuns, fato é que o Direito do Consumidor funciona e funcionou como arauto de muitas das mudanças paradigmáticas que nos é apresentado pelo Direito de feição pós-moderna.

A ressignificação de institutos consagrados pela tradição jurídica teve seu berço na promulgação do Código de Defesa do Consumidor. No Brasil, tal diploma normativo significou um marco para a evolução social do país, cujos efeitos são sentidos até os dias atuais e com projeção a perde de vista, em tempos vindouros.

O apelo universal do Direito do Consumidor, estampado pela figura do consumidor, obriga todo nós a nos debruçarmos sobre seu estudo. Trata-se, antes de um Código, de um manual de sobrevivência, em sociedade complexa, massificada, e extremamente perigosa aos incautos e puros de coração.

Finalmente, ao buscar a harmonização entre consumidores e fornecedores, ressignificando, v.g., a figura do contrato, o Direito do Consumidor promove o desenvolvimento da nação, assegurando a geração de renda e viabilizando os princípios constitucionais, nos quais se funda a ordem econômica.

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 2010.

MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 4ª ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 2013.

NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 9º ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor. 3º ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2014.

[1] Note nesse sentido, que não é qualquer informação. A informação deverá ser precisa quanto à essência, quantidade e qualidade do produto ou serviço em questão, conforme disposição do art. 31 do Código de Defesa do Consumidor.

[2] Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Sobre o(a) autor(a)
Alexandre Gazetta Simões
Mestre em Teoria do Direito e do Estado pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília (UNIVEM). Pós-graduado, com especialização em Gestão de Cidades (UNOPEC); Direito Constitucional (UNISUL); Direito Constitucional (FAESO)...
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