A prova emprestada no Novo CPC

A prova emprestada no Novo CPC

Não é toda e qualquer transferência de elementos probatórios produzidos em um processo e transferidos para outro que se enquadra dentro daquilo que se costuma conceituar de prova emprestada.

1. Introdução

O presente trabalho abordará a respeito da Prova Emprestada, no âmbito das provas cíveis do Novo Código de Processo Civil, o qual dedica especificamente o seu artigo 372, para abordar sobre a matéria.

Antes considerada como Prova Atípica pelo Código de Processo Civil de 1973, na nova Legislação que entrará em vigor em 2016, a Prova Emprestada, passou a ser considerada como Prova Típica, passando a ter previsão e descrição em Lei, conforme já mencionado.

Assim, o Novo Código, condiciona a Prova Emprestada em respeito do Princípio do Contraditório, ou seja, as partes devem ser ouvidas, devem ter o direito de manifestarem-se sobre a utilização da prova advinda de outro processo.

Dessa forma, o estudo abordará a evolução da utilização da prova emprestada e sua aplicação de acordo com o Novo CPC, analisando o entendimento dos Tribunais sobre o tema e realizando uma breve análise do que pode vir a acarretar a partir da vigência da nova Legislação Processual Civil.

2. A Prova Emprestada

2.1. Conceito

Prova emprestada é aquela que, não obstante ter sido produzida em outro processo, é deste transferida para demanda distinta, a fim de produzir nesta os efeitos de onde não é originária.

Nesse sentido leciona a doutrina de Moacyr Amaral Santos:

“Muito comum é o oferecimento em um processo de provas produzidas em outro. São depoimentos de testemunhas, de litigantes, são exames, traslados, por certidão, de uns autos para outros, com o fim de fazer prova. Tais são as chamadas provas emprestadas, denominação consagrada entre os escritores e pelos tribunais do país. É a prova que “já foi feita juridicamente, mas em outra causa, da qual se extrai para aplicá-la à causa em questão”, define Benthan.[1]

Entende-se assim, como o material probatório produzido num processo e conduzido a outro, situação que gera infindáveis discussões no âmbito jurídico, eis que, segundo alguns doutrinadores, a utilização vulneraria os princípios do contraditório, devido processo legal, bem como feriria os princípios do juiz natural, da oralidade e imediação.

Assim leciona Fredie Didier Jr sobre a matéria: “Prova emprestada é a prova de um fato, produzida em um processo, seja por documentos, testemunhas, confissão, depoimento pessoal ou exame pericial, que é trasladada para outro processo, por meio de certidão extraída daquele”.[2]

A prova produzida ingressa em outro processo sob a forma documental, cuja força probatória será valorada pelo juiz, que não está adstrito a dar-lhe idêntico valor ao que teve nos autos em que foi produzida.

Não se deve olvidar sobre a conveniência do traslado de provas de um processo a outro, de tal sorte, que há o prestígio dos princípios da celeridade bem como da economia processual, a fim de se evitar repetição desnecessária de atos processuais já esgotados com o aproveitamento de provas pretéritas. Imperiosa, entretanto, quando tais provas diante das circunstâncias fáticas não puderem ser colhidas no atual processo e, forem indispensáveis.

2.2. A Prova Emprestada no Código de Processo Civil de 73

No Código de Processo Civil de 1973, a prova emprestada, conforme já referido é considerada como prova atípica, sendo admitida, entretanto, como meio probatório de utilização moralmente legítimo.

Com efeito, segundo estabelece o art. 332 do CPC[3], o convencimento do juiz pode ser construído a partir de prova produzida e transportada de outra demanda.

A previsão contida no dispositivo acima não sofreu qualquer influência em razão do Código Civil trazer, em seu art. 212, os meios de prova admissíveis pelo ordenamento jurídico pátrio. Com efeito, a enumeração lá contida, da mesma forma que acontecia com a legislação civil revogada, é tida como apenas exemplificativa e não taxativa.

A razão de ser do art. 332 do CPC é de garantir a utilização de todo instrumento probatório, ainda que não encontre previsão na legislação processual, mas que, segundo a lição de Antonio Carlos de Araujo Cintra, “seja idôneo para demonstrar ou para apurar a veracidade de alegações de fatos relevantes para a justa decisão da causa.”4

Importante consignar, que a admissão de meios probatórios atípicos (como os indícios, presunções e a própria prova emprestada) foi uma inovação trazida pelo CPC de 1973 em relação ao seu antecessor, que não possuía disposição semelhante.

Nesse ponto, muito bem destaca Humberto Theodoro Júnior, a lei processual civil atual, neste ponto, “mostrou-se consentâneo com as tendências que dominam a ciência processual de nossos dias, onde, acima do formalismo, prevalece o anseio da justiça ideal, lastreada na busca da verdade material, na medida do possível.”[4]

No entanto, não é toda e qualquer transferência de elementos probatórios produzidos em um processo e transferidos para outro que se enquadra dentro daquilo que se costuma conceituar de prova emprestada; é o caso, por exemplo, da prova obtida no juízo deprecado, conforme bem destaca Eduardo Cambi:

“Assim, não integra a noção de prova emprestada a prova produzida no juízo deprecado, porque este juízo é um prolongamento de primeiro (v.g., a testemunha, não residente no juízo em que se processa a demanda, por não estar obrigada a sair da sua residência, presta depoimento no foro onde mora e seu depoimento é considerado como se fosse prestado perante o juiz da causa)”.[5]

Através de atos processuais desta espécie cria-se “um intercâmbio e uma colaboração entre dois juízos para que o processo tenha seu devido andamento”[6] sem que isso se consubstancie em situação que envolva a utilização da prova emprestada.

Atualmente, à luz do vigente CPC de 73, a Doutrina e os Tribunais tem admitido a Prova Emprestada, desde que respeitado o princípio do contraditório.

Dessa forma, havendo identidade de relação fática e tratando-se das mesmas partes é possível ao Magistrado, utilizar-se da Prova Emprestada, que tenha sido produzida em outro processo o que é comumente visto, nos casos de prova pericial ou ainda, de provas orais.

O Magistrado nesses casos, não fica adstrito a aceitar a prova que tenha sido produzida em outro processo, o que, todavia, tendo a ser recomendável, tendo em vista o princípio da economia processual, sem esquecer, entretanto, de atentar ao princípio do contraditório.

Dessa forma, verifica-se que apesar do CPC de 73 não dispor expressamente sobre a legalidade da prova transladada de outro feito, com a evolução natural do nosso direito, a mesma foi sendo aceita em muitos casos e aplicada, sempre em consonância com os princípios constitucionais da nossa Constituição Federal.

2.3. A Prova Emprestada no Novo CPC

De acordo com o Novo CPC, a Prova Emprestada deixou de ser considerada como prova atípica, para ser introduzida como prova típica, encontrando previsão legal em seu artigo 372.

Nesse sentido, colaciona-se o dispositivo supramencionado:

Art. 372. O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.

Verifica-se pelo dispositivo acima, que o Novo CPC, condiciona a prova emprestada ao princípio do contraditório, ou seja, as partes devem ser ouvidas, devem ter o direito de se manifestar sobre a prova emprestada. A parte prejudicada pela prova deve ser ouvida também, a fim de que verifique a sua concordância com a utilização ou não desta.

Segundo o entendimento do STJ, as partes de ambos processos, tanto o da origem como o de destino da prova emprestada, não precisam ser necessariamente as mesmas, para a sua utilização.

Todavia, consoante os recentes julgados do nosso Tribunal de Justiça, para a admissibilidade da prova emprestada, é necessário que, dentre outros fatores, haja identidade de partes entre o processo que pretende ela ser utilizada, sob pena de ofensa ao princípio do contraditório. Assim, verifica-se que o nosso TJRS, já vem aplicando o dispositivo constante no artigo 372 do Novo CPC, que passará a ter vigência a partir de 2016:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. COBERTURA DE SINAL DE TELEFONIA. PERÍCIA. PROVA EMPRESTADA. Das circunstâncias segundo as quais inexiste identidade de partes entre a demanda originária e a demanda atual, não se justifica o deferimento de prova pericial emprestada em respeito aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. (Agravo de Instrumento nº 70065363004, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 04/08/2015)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROVA EMPRESTADA. PROCESSO SEM PARTICIPAÇÃO DO RECORRENTE. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO CONTRADITÓRIO. Para que seja admitida a prova emprestada, é necessário que, dentre outros fatores, haja identidade de partes entre o processo em que se pretende seja ela utilizada e aquele no qual foi ela produzida, sob pena de ofensa ao princípio do contraditório. Não aceitando o Estado a utilização do laudo pericial produzido no outro processo, do qual não participa, não é possível sua utilização como prova emprestada. Precedentes desta Corte. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70066166612, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Almir Porto da Rocha Filho, Julgado em 07/10/2015)

Nesse sentido, importante frisar o ensinamento de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery que lecionam acerca da Prova Emprestada ao dizer que: “a condição mais importante para que se dê validade e eficácia à prova emprestada é sua sujeição às pessoas dos litigantes, cuja consequência primordial é a obediência ao contraditório. Vê-se, portanto, que a prova emprestada do processo realizado entre terceiros é res inter alios e não produz nenhum efeito senão para aquelas partes”.[7]

Tal entendimento, apenas foi introduzido em nossa legislação, pois já havia sendo há muito tempo admitido e aplicado por nosso Tribunais.

Atualmente, mesmo na vigência do Código de 73, a doutrina e os Tribunais, consoante já exposto, admitem a prova emprestada, desde que respeitado o princípio do contraditório. No Novo Código, tal entendimento encontra uma disposição expressa, o que poderá ensejar futuramente, em uma maior quantidade de casos, em que utilizando-se a prova transladada de outro feito, serão julgados de forma mais célere.

Ademais, à primeira vista, o empréstimo da prova do processo penal, por exemplo, para o processo civil, poderá também se aceito, eis que a disposição contida no artigo 372, apenas dispõe a respeito da prova produzida em “outro processo”, não fazendo distinção entre as esferas civil e penal.

Dessa forma, verifica-se que com o Novo Código houve um avanço, uma positivação da possibilidade de se admitir a prova emprestada.

3. Conclusão

De todo exposto, verifica-se que o Novo CPC trouxe um avanço no tocante a prova emprestada, antes considerada como ilícita pela Legislação de 73.

Ocorre que com o passar dos anos e com a evolução do nosso Direito, verifica-se que a possibilidade de transladar uma prova advinda de outro processo, atendendo principalmente os princípios constitucionais do contraditório e, principalmente a economia processual, tornou-se mais do que eficaz.

Assim, acredita-se que na prática, com o advento do Novo Código, aplicando-se de forma mais frequente, acarretará em um processo mais célere, pois dispensaria como nos casos de prova pericial, uma nova perícia e todos os procedimentos que a envolvem e que acabam por dificultar o regular andamento do feito.

Por fim, acredito que não deve apenas ser observado o contraditório, conforme prevê a disposição contida no artigo 372 do CPC/15, devendo o Magistrado observar as demais garantias constitucionais, dentre elas a proibição de prova ilícita.

Referências

SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 2 ed. São Paulo: Max Limonad, 1952. p. 293.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2006, p.523.

JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. vol. I. 47 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 481.

CAMBI, Eduardo. Ob. cit. p. 53.

JÚNIOR, Humberto Theodoro. Ob. cit. p. 292.

[1]  SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 2 ed. São Paulo: Max Limonad, 1952. p. 293.

[2]  DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2006, p.523.

[3] Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.

[4]  JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. vol. I. 47 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 481.

[5] CAMBI, Eduardo. Ob. cit. p. 53.

[6] JÚNIOR, Humberto Theodoro. Ob. cit. p. 292.

[7]  NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 11ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 632

Sobre o(a) autor(a)
Caroline Ribas Sergio
Caroline Ribas Sérgio é advogada, natural de Porto Alegre, inscrita na OAB/RS sob n.º 88.212. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) em 2011. É especialista em Direito Processual...
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