A delação premiada como método de combate ao crime organizado

A delação premiada como método de combate ao crime organizado

A delação premiada deve ser estudada pela sua importância, quer por ser historicamente aceita pela humanidade, quer por se encontrar positivada nos ordenamentos jurídicos de diversos países; e no caso do Brasil, por estar dispersa em diversos diplomas legais.

1. Introdução

A crescente onda de criminalidade não é fato novo, pois, vem enraizada na própria essência do ser humano. E, modernamente, o Estado busca diversas formas de minimizar o impacto negativo que essa criminalidade causa em seus cidadãos de forma a conseguir chegar à verdadeira paz social.

Ocorre que o Estado, quer por falência de suas instituições, quer pela efetividade evolutiva das organizações criminosas, não consegue descobrir e incriminar de forma satisfatória os delinquentes que se associam para subverter a ordem social. Mas, mesmo com todas as limitações, o Estado sempre está na busca de soluções para promover o bem de todos.

E um dos meios que o Estado encontrou para tentar conter a expansão da criminalidade organizada é o instituto da delação premiada

1.1. Conceito de Delação Premiada

Conforme Damásio de Jesus, “delação é a incriminação de terceiro, realizada por um suspeito, investigado, indiciado ou réu, no bojo de seu interrogatório (ou em outro ato).”

Segundo De Plácido e Silva, delação significa:

Originado de delatio, de deferre (na sua acepção de denunciar, delatar, acusar, deferir), é aplicado na linguagem forense mais propriamente para designar a denúncia de um delito, praticado por uma pessoa, sem que o denunciante (delator) se mostre parte interessada diretamente na sua repressão, feita perante autoridade judiciária ou policial, a quem compete a iniciativa de promover a verificação da denúncia e a punição do criminoso. [...]

Desse modo, mais propriamente, emprega-se o vocábulo delação para indicar a denúncia ou acusação que é feita por uma das próprias pessoas que participam da conspiração, revelando uma traição aos próprios companheiros

Mas a delação pura e simples é a situação em que uma pessoa chega perante a autoridade judiciária ou policial e narra um fato criminoso nos exatos termos em que o delito ocorreu sem ter interesse algum processual, ou melhor, sem esperar um benefício imediato por sua conduta.

Invocando novamente Damásio de Jesus, que define delação premiada como “[...] aquela incentivada pelo legislador, que premia o delator, concedendo-lhe benefícios (redução de pena, perdão judicial, aplicação de regime penitenciário brando etc.)

A delação premiada consiste no fato de o criminoso voluntariamente assumir a sua culpa, entregando os demais comparsas da conduta delituosa à autoridade judiciária ou policial, obtendo assim o delator os benefícios previstos pelo instituto. E nesse sentido se posiciona Nucci:

Quando se realiza o interrogatório de um co-réu [sic] e este, além de admitir a prática do fato criminoso de qual está sendo acusado, vai além e envolve outra pessoa, atribuindo-lhe algum tipo de conduta criminosa, referente à mesma imputação, ocorre a delação.

A exigência para que o delator também tenha participado da mesma conduta delituosa atribuída aos seus comparsas delatados é necessária na delação premiada, pois, caso aquele não tenha participado não passará de mera testemunha ou informante que presenciou fatos criminosos, onde, em tese, por não tomar parte, o delator já não teria imputação penal por atos praticados por terceiros.

A colaboração do delator deve ser efetiva, onde as informações prestadas sejam eficientes para o desmantelamento e elucidação da trama criminosa. Como colaboração efetiva deve ser incluída a declaração de culpa do delator para a obtenção dos benefícios da delação, já que ele, ao negar os fatos que o são imputados, não estará auxiliando efetivamente com a investigação e o esclarecimento da infração penal.

2. Delação Premiada na Legislação Brasileira

No Brasil a delação premiada, apesar de possuir previsão legislativa desde o século XVII nas Ordenações Filipinas, deixou de existir em 1830, revogada pelo Código Criminal do Império, só retornando ao ordenamento jurídico pátrio 160 anos depois, a partir do ano de 1990, com a instituição da lei nº 8.072/90 (Lei de crimes hediondos) que prevê a concessão de prêmio ao réu-delator.

Além da citada lei, o ordenamento comporta o instituto da delação premiada em normas dispersas, notadamente as seguintes: Decreto-Lei nº 2.848/40 (Código Penal Brasileiro), Lei nº 7.492/86 (Lei de crimes do colarinho branco), Lei nº 8.137/90 (Lei de crimes contra ordem tributária), Lei nº 9.034/95 (Lei de prevenção ao crime organizado), Lei nº 9.613/98 (Lei contra a lavagem de dinheiro), Lei nº 9.807/99 (Lei de proteção à testemunha e à vítima de crime) e Lei nº 11.343/06 (Lei antitóxico), que revogou a Lei nº 10.409/02 (que será igualmente analisada por advir do mesmo instituto jurídico da norma que a revogou e pelo cuidado de se verificar como versava antes e como ficou o texto revogador) e recentemente pela Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. 

Consta afirmar que as referidas normas com portam mecanismos distintos para que o delator se beneficie do prêmio, portanto não há um padrão no tratamento do instituto da delação premiada. De sorte que a intenção do legislador pátrio de reprimir a criminalidade surgiu eivada de imperfeições nas regras que asseguram a delação premiada, em princípio pela falta de harmonia entre os regramentos acima citados

3. Delação Premiada Como Método de Combate ao Crime Organizado

O uso do instituto da delação premiada frente às organizações criminosas é de suma importância para o Estado, pois é através da colaboração processual do réu que o poder judiciário terá a possibilidade de obstruir as barreiras criadas pela criminalidade organizada.

Nota-se que a premiação dada ao colaborador é muitas vezes até irrisória se comparada às informações que podem ser obtidas através dele, informações estas quase que impossíveis de se conseguir com simples investigação criminal.

Estamos frente ao um modus operandi sofisticado, quando falamos em organizações criminosas, desta maneira afere-se que as armas que as autoridades investigantes possuem são incomparáveis a todo o aparato tecnológico que a criminalidade organizada tem acesso.

E quando se fala em uma delação, não é a entrega de qualquer informação pelo réu-colaborador, tem que ser informações eficazes, que tenham o poder de fazer com que o poder público chegue ao centro destas empresas de ilícitos.

Nos dias de hoje, a maior dificuldade em se chegar aos denominados “peixes grandes” ou “chefões da criminalidade”, em uma acepção mais vulgar, repousa no fato de ter muitos funcionários do próprio poder público, que em tese tem a obrigação de servir ao Estado, transgredindo, delinquindo, dando acesso, apoio a estes criminosos. E é por isso que muitas vezes sem a colaboração de algum membro destas organizações criminosas, não há como se punir os seus integrantes, pois há um acesso muito restrito aos nomes de seus chefes, aos segmentos aos quais estão envolvidas, devido ao chamado Código de Honra a que os integrantes destas facções estão sujeitos.

Mesmo com todas as vantagens que o uso do instituto da delação premiada pode trazer a investigação criminal, a sua aplicação não é aceita pacificamente, recebendo duras críticas, as mesmas destinadas também ao direito penal do inimigo, principalmente relacionadas a ética tão prezada pelo Estado e ainda tratando a colaboração do réu como uma traição, traição esta repugnada pelo direito penal liberal. Porém, deve se levar em consideração, que no caso específico frente às ações delitivas destas organizações criminosas, o Estado ocupa o pólo de hiposuficiente, figura inversa ao que acontece em situações normais.

Portanto, as razões para o uso efetivo da delação premiada frente à criminalidade organizada, são principalmente de ordem prática, sendo que entre elas merecem serem destacadas: a impossibilidade de se valer de outras provas previstas nas investigações em geral, por não terem a eficácia desejada, uma vez que os integrantes das facções criminosas estão sujeitos ao Código de Honra e a grande necessidade de desmantelar a criminalidade organizada que hoje tem descomunal parcela na violência em que se vive, e que deixa a sociedade amedrontada e acuada, como se fossem os cidadãos de bem os verdadeiros criminosos.

4. Conclusão

Conforme demonstrado, o instituto da delação premiada já vem sendo utilizado há muito tempo pelos poderes dominantes e pelos Estados sem grandes mudanças em sua conceituação e em sua aplicação

Dessa forma, podemos concluir que o instituto da delação premiada, enraizado na sociedade, é imbuído de uma moralidade suspeita por trazer contido o espírito da traição, onde diversos pensadores afirmam que esse instituto não deve ser utilizado pelas autoridades judiciárias.

Bibliografia

CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes de Pádua. Delação Premiada. Revista Jurídica Consulex. 15 de setembro de 2014, Ano IX, nº 208, p. 25.

Delação premiada: análise de sua constitucionalidade / William Rodrigues Gonçalves Estrêla. Taguatinga – DF: [S.n.], 2010.

JESUS, Damásio Evangelista de. Estágio atual da “delação premiada” no Direito Penal brasileiro. Disponível em: <http//jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7551>. Acesso em: 1º jun. 2010.

NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova no processo penal. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. 

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Marcos Antonio
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