Responsabilidade objetiva do Estado: teoria do risco administrativo

Responsabilidade objetiva do Estado: teoria do risco administrativo

Desde a promulgação da Carta Magna de 1946 o nosso sistema jurídico adotou a Teoria do Risco Administrativo para analisar os casos de responsabilidade por danos causados pelo Estado ou seus agentes.

Pode-se afirmar que a pessoa jurídica de direito público mais expressiva do nosso ordenamento jurídico é o Estado. A este foi incumbidas diversas responsabilidades, sendo o serviço público a mais importante destas.

Logo em contrapartida, para que seja possível ao Estado dar cabo a todas as suas inúmeras responsabilidades, atribuíram-se a este inúmeros poderes. Diante dessa farta e expressiva atribuição de responsabilidades (deveres) e poderes, pode-se afirmar que a pessoa jurídica que o Estado representa se destaca no ordenamento, não existindo nenhuma outra entidade neste “patamar”.

Sabe-se que diversos dos deveres que o Estado desempenha, seja um serviço público, ou até mesmo o “serviço” legislativo, possuem riscos de causar danos à sociedade, como o simples serviço público de transporte público, por exemplo.

O ordenamento jurídico brasileiro, quanto à responsabilidade civil, adotou o entendimento de que “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obriga-lo a repará-lo.”[1]

Neste momento, ao adentrarmos no âmbito do direito público, fica o seguinte questionamento: será que essa regra se aplica ao Estado da mesma maneira que se aplica às outras pessoas jurídicas?

A resposta é óbvia. Uma pessoa jurídica tão diferente de todas as outras, seja pela discrepância de atribuição dos deveres e poderes, seja pelos papéis desempenhados, precisa ser responsabilizada do modo diferenciado.

Dessa forma, surge a “responsabilidade extracontratual do Estado”, positivado no art. 37, § 6º da Constituição Federal:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Diante de tal norma, pode-se afirmar que o Estado tem obrigação de indenizar prejuízos causados por ação ou omissão de seus agentes, no exercício da função de agente público.

Desde a promulgação da Carta Magna de 1946 o nosso sistema jurídico adotou a Teoria do Risco Administrativo para analisar os casos de responsabilidade por danos causados pelo Estado ou seus agentes.

Tal teoria se baseia na responsabilidade objetiva, representando um importantíssimo marco histórico no ordenamento jurídico brasileiro, vez que desde a época dos Estados Absolutistas (onde o Estado era totalmente isento de qualquer tipo de responsabilização), passando pelas teorias que adotavam a responsabilidade subjetiva (dependendo da comprovação de dolo ou culpa do Estado, por parte do terceiro prejudicado), a responsabilização não era imputada de modo eficiente.

Com a adoção da responsabilidade objetiva, o cidadão (3º prejudicado) deixa de se situar em uma posição de fragilidade perante o Estado, pois agora a responsabilização independe da demonstração da culpa, e a simples demonstração de nexo causal entre a ação (ou omissão) do Estado e o prejuízo já é o suficiente para existir o direito de indenização.

Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles afirma que “o que a Constituição distingue é o dano causado pelos agentes da Administração (servidores) dos danos ocasionados por atos de terceiros ou por fenômenos da natureza. Observe-se que o art. 37, § 6º, só atribui responsabilidade objetiva à Administração pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causem a terceiros. Portanto o legislador constituinte só cobriu o risco administrativo da atuação ou inação dos servidores públicos; não responsabilizou objetivamente a Administração por atos predatórios de terceiros, nem por fenômenos naturais que causem danos aos particulares”. (Hely Lopes Meirelles, 'Direito Administrativo Brasileiro', Malheiros Ed., 21ª ed., 1996, p. 566).

Entretanto, cabe destacar que o Estado está isento de danos causados por atos de terceiros, força maior, culpa exclusiva da vítima ou caso fortuito, sendo este o entendimento predominante pelos Tribunais, veja-se:

Em face dessa fundamentação, não há que se pretender que, por haver o acórdão recorrido se referido à teoria do risco integral, tenha ofendido o disposto no artigo 37, § 6º, da Constituição que, pela doutrina dominante, acolheu a teoria do risco administrativo, que afasta a responsabilidade objetiva do Estado quando não há nexo de causalidade entre a ação ou a omissão deste e o dano, em virtude da culpa exclusiva da vítima ou da ocorrência de caso fortuito ou de força maior." (RE 238.453, voto do Min. Moreira Alves, DJ 19/12/02)

Ainda, para que o Estado não tenha que ficar no prejuízo caso o agente tenha cometido o ato (ação ou omissão) que causou dano ao terceiro com dolo ou culpa, é assegurado à aquele que possa entrar com ação de regresso contra este agente. Tal garantia também está disposta no art. 37, § 6º da Constituição Federal, conforme já demonstrado.

Por fim, a seguinte dúvida poderá surgir: “mas não seria mais prático denunciar o preposto à lide, em vez de o Estado entrar com uma ação de regresso?”

A resposta ainda não se encontra pacificada, mas em minha opinião o Estado não possui obrigação de denunciar seu preposto à lide, vez que se assim o fizesse a celeridade processual seria comprometida. Sobre este tema, existe uma questão de divergência quanto à necessidade da denunciação à lide do preposto causador do dano, por um lado afirma-se que deve-se denunciar à lide, prezando-se pela economia processual, mas por outro lado afirma-se o argumento utilizado por mim. Desta forma, não nos resta muito a fazer quanto à denunciação.

Fontes

RODRIGUES, Ricardo Ramos. A Responsabilidade Civil do Estado. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 94, nov 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10745>. Acesso em set 2015.

REIS, Elaine Rodrigues de Paulo. Responsabilidade Objetiva do Estado. In: DireitoNet. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2676/Responsabilidade-objetiva-do-Estado>. Acesso em set 2015.

ASSUNÇÃO, Matheus Carneiro. A responsabilidade civil do Estado na visão do STF e do STJ. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1677, 3 fev. 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10915>. Acesso em: 17 set. 2015.

GOMES, Rogério Zuel. Responsabilidade civil do Estado e a denunciação da lide ao funcionário público. In:Âmbito Jurídico, Rio Grande, IX, n. 35, dez 2006. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1405>. Acesso em set 2015.

MACHADO, Alexandre. Ação de regresso aplica teoria do risco administrativo. In: Revista Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2005-nov-04/acao_regresso_aplica_teoria_risco_administrativo>. Acesso em set 2015.

RE 238.453, voto do Min. Moreira Alves, DJ 19/12/02, STF. Pág. 18. Diposnível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=256132>

[1] Art. 927, Código Civil: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

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Matheus Guimarães
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