Breves considerações a respeito do Penhor e figuras assemelhadas no direito bancário

Breves considerações a respeito do Penhor e figuras assemelhadas no direito bancário

Trata das garantias firmadas em contratos bancários, especificamente penhor e suas figuras assemelhadas. Discute a legalidade de cláusula que possibilita a retirada pela instituição financeira de todos os recursos existentes em contas do devedor, ainda que não vinculadas à operação.

I - Introdução

As operações realizadas pelas instituições financeiras para a concessão de crédito às pessoas físicas e jurídicas são fundamentais ao desenvolvimento econômico e social do país. Trata-se de atividade relevante e viabilizadora do progresso da nação em âmbito interno e externo.

Esta percepção se aprofunda quando se têm em conta os esforços voltados ao fomento das atividades empresárias, com participação de bancos de desenvolvimento estatais e programas específicos de obtenção de crédito em patamares atrativos aos investimentos dos setores produtivos e de serviços.

Neste cenário, como já escrito, a atividade bancária se revela imprescindível à possibilidade de acesso pelos tomadores de recursos, pelo que, deve ser revestida de segurança e de garantias para que todo o sistema funcione sem maiores percalços. Aliás, é de matriz infraconstitucional[1] a tipificação penal para gestão temerária de instituição financeira, bem como há normas regulamentadoras editadas pelo Conselho Monetário Nacional[2] impondo a estas a constituição de garantias suficientes para suas operações.

Para o atingimento deste fim, o ordenamento jurídico pátrio dispõe de diversos mecanismos para a constituição de garantias, quais sejam, dentre outros, a fiança, aval, penhor, hipoteca, anticrese, alienação fiduciária e cessão fiduciária de direitos creditórios.

Grosso modo, a distinção possível de se fazer é aquela que divide as garantias em pessoais (fiança e aval) e reais. Dentre as reais há ainda a possibilidade de dividi-las em direitos reais de garantia (hipoteca penhor e anticrese) e direitos reais em garantia (alienação fiduciária em garantia e cessão fiduciária de direitos creditórios)[3].

Este artigo pretende cuidar de uma das formas de constituição de garantia, qual seja, o penhor, especificamente o penhor de direitos e títulos de crédito, bem como traçar os limites impostos pelo referido instituto quando aplicados nos contratos bancários.

II - Penhor: definição e características

O penhor pode ser definido como “um direito real que consiste na transferência efetiva de uma coisa móvel ou mobilizável, suscetível de alienação, realizada pelo devedor ou por terceiro ao credor, a fim de garantir o pagamento de débito” [4].

A definição citada se assemelha ao disposto no artigo 1431 do Código Civil:

Art. 1.431. Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível de alienação.

Em leitura estrita, a exceção à transferência efetiva da posse apenas ocorreria, segundo parágrafo único do artigo 1431 do C.C, nos casos de penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, ou seja, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que tem o dever de guarda e conservação. Contudo, a interpretação mais assente é no sentido de que os bens equiparados a móveis[5] pelo Código Civil vigente, por não serem corpóreos, a transferência não pode ser exigida.

Valendo-se das lições da já citada Professora Maria Helena Diniz, trata-se o penhor de direito real, acessório, sobre bem alienável de propriedade do devedor. [6]Importante salientar que é direito real uno e indivisível, “mesmo que a obrigação garantida ou a coisa onerada seja divisível. A amortização não libera parcialmente o bem empenhado, salvo se o contrário se estipulou no título ou na quitação; o ônus real permanecerá indivisível até que se pague o débito por inteiro.”

Assim, em linhas bastante gerais, estão apresentados os contornos do penhor, salientando que o objeto deste texto está voltado a uma das espécies de penhor, espécie esta constituída por meio de convenção entre as partes (autonomia da vontade).

III - Penhor de direitos e títulos de crédito

O arcabouço legal do penhor de direitos e títulos de crédito está previsto nos artigos 1451 a 1460 do Código Civil.

O penhor de direitos é constituído mediante instrumento público ou particular, registrado no Registro de Títulos e Documentos (artigo 1452/C.C). A ausência do registro torna ineficaz o penhor perante terceiros.

 Já o penhor dos títulos de crédito constitui-se[7] “mediante instrumento público ou particular ou endosso pignoratício (modalidade especial de endosso pelo qual o endossante fica vinculado a outra obrigação, conferindo ao endossatário o direito de retenção) e só produzirá efeitos jurídicos com a tradição do título ao credor, pois a transferência do direito opera-se com a entrega do título ao credor” (artigo 1458/C.C).

Estabelece, ainda, o artigo 1.453 do Código Civil:

Art. 1.453. O penhor de crédito não tem eficácia senão quando notificado ao devedor; por notificado tem-se o devedor que, em instrumento público ou particular, declarar-se ciente da existência do penhor.

Para o desenvolvimento do tema proposto, importa-nos, também, o conteúdo inserto nos artigos 1.455 e 1.459 do Código Civil:

Art. 1.455. Deverá o credor pignoratício cobrar o crédito empenhado, assim que se torne exigível. Se este consistir numa prestação pecuniária, depositará a importância recebida, de acordo com o devedor pignoratício, ou onde o juiz determinar; se consistir na entrega da coisa, nesta se sub-rogará o penhor.

Parágrafo único. Estando vencido o crédito pignoratício, tem o credor direito a reter, da quantia recebida, o que lhe é devido, restituindo o restante ao devedor; ou a excutir a coisa a ele entregue.

Art. 1.459. Ao credor, em penhor de título de crédito, compete o direito de:

I - conservar a posse do título e recuperá-la de quem quer que o detenha;

II - usar dos meios judiciais convenientes para assegurar os seus direitos, e os do credor do título empenhado;

III - fazer intimar ao devedor do título que não pague ao seu credor, enquanto durar o penhor;

IV - receber a importância consubstanciada no título e os respectivos juros, se exigíveis, restituindo o título ao devedor, quando este solver a obrigação.

A relevância existe porquanto é muito comum o penhor de direitos e títulos de crédito no Direito Bancário, “dada à liquidez da garantia, apta ela mesma a se transformar automaticamente em dinheiro que possa ser usado pelo credor para se pagar” [8]

O credor, nos termos dos artigos 1459 c.c 1455 do Código Civil, tem o direito de cobrar e receber os créditos, usando o dinheiro para se pagar, caso a dívida já esteja vencida. Não estando vencida a dívida, o valor deverá ser entregue ao devedor, desde que este reforce a garantia. Não realizado o reforço, nos termos do artigo 1425, I, do Código Civil, dar-se-á o vencimento antecipado da dívida.

Estreitando ainda mais o tema e, daqui para frente, escorado na excelente obra do Professor Eduardo Salomão Neto, trataremos do penhor de recursos em conta bancária, que é uma forma de penhor de direitos, posto que o contrato de depósito bancário transfere a propriedade ao depositário ( instituição financeira), sendo certo que o titular da conta não tem a propriedade do dinheiro para dar em penhor, mas só seu direito de crédito[9].

Deste modo, chegamos ao cerne da questão, que se dá exatamente no momento que o penhor destes direitos de crédito, na maioria das vezes configurados em cobranças de créditos comerciais dados em garantia, desaparece em razão do pagamento, transformando-se em dinheiro, que só poderá permanecer vinculado ao credor por meio de depósito em conta fiduciária, ficando à disposição deste em caso de não pagamento da dívida.

Veja que se trata de figura mais gravosa ao devedor, vez que este não reconstitui/reforça a garantia por meio de novos títulos com vencimento futuro, mas destina o adimplemento dos títulos, convertidos em espécie, à manutenção da garantia.

Por fim, mas no mesmo diapasão, temos a figura muito comum no meio bancário, que é o da conta vinculada, prevista na Resolução do CMN nº 2.525, de 30 de julho de 1998, cujo artigo 1º e parágrafo único possuem a seguinte redação:

Art. 1º Facultar às instituições financeiras a manutenção de contas vinculadas às suas operações de crédito, em nome dos clientes, não movimentáveis por esses e remuneradas com os mesmos encargos incidentes em cada operação.

Parágrafo único. As contas vinculadas referidas neste artigo devem ter por finalidade exclusiva a constituição de garantia da operação de crédito específica.

Depreende-se, por tanto, que assim como a conta fiduciária, a conta vinculada é objetivamente restrita a garantir a operação bancária que a constituiu, não havendo se falar em movimentação pelos seus titulares/devedores. A conta vinculada, aliás, pode receber depósitos de parte do valor da operação de crédito. O devedor inadimplente em uma das parcelas da operação bancária deverá restabelecer a integralidade da garantia depositada na conta vinculada se parte deste valor foi utilizado para a amortização da referida parcela em atraso.

E perceptível, portanto, e plenamente possível, que numa mesma operação bancária existam diversas garantias, tais como alienação fiduciária, fiança, penhor, conta vinculada etc., pelo que, o resgate de recursos pela instituição financeira deve ser interpretado restritivamente, o que afasta a existência de contratos estabelecendo que no caso de inadimplemento, todos os ativos existentes nas contas – vinculadas ou não – de titularidade do devedor estarão sujeitos à amortização do saldo devedor existente em operação específica.

Entende-se, s.m.j., que cláusula com este conteúdo seja plenamente anulável, porquanto gera enorme desequilíbrio entre as partes contratantes. Os meios de constituição de garantias pelas instituições financeiras são amplos, plurais e idôneos ao fim a que se destinam. Atribuir à instituição financeira “carta branca” para retirar recursos de contas não vinculadas para satisfação de operação inadimplida esvazia as formas legais de garantia, tornando-as inócuas. Ademais, afigura-se, a nosso sentir, exercício arbitrário das próprias razões a apropriação de recursos (direito de crédito) desvinculados de qualquer operação e de titularidade legítima do devedor.

Conclusão

Acredita-se restar demonstrado a existência de diversas formas de constituição de garantias para as operações bancárias. Da mesma maneira, dentre estas, o penhor, em suas diversas formas, mostrou-se eficaz ao fim a que se destina.

No âmbito específico das operações bancárias (embora não se possa considerar as contas vinculadas como forma de implementação prática de penhor de dinheiro, pois os recursos nelas existentes, em razão do depósito bancário, passam a ser de propriedade da instituição financeira, o que naturalmente não ocorre com o penhor, em muito a este se assemelha) concluiu-se, considerando os fartos meios de constituição de garantias, a impossibilidade e, portanto, a ilegalidade de cláusula contratual que preveja o direito da instituição financeira se apoderar de recursos existentes em contas não vinculadasà operação financeira realizada, seja porque há as garantias previamente constituídas, seja porque não é dado aos particulares o direito de invadir o patrimônio do devedor fora dos limites razoavelmente contratados.

Bibliografia

COELHO, Fábio Ulhoa. A Trava Bancária. Revista do Advogado n. 105. São Paulo: AASP, 2009.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol.4. 18 ed. São Paulo: Saraiva.  2002.

SALOMÃO NETO, Eduardo. Direito Bancário, 2.ed. São Paulo: Atlas, 2014.

[1] Lei 7.492/86, artigo 4º, parágrafo único.

[2] Resoluções CMN 1559/88, 394/76 e 4271/2013.

[3] Segundo Fábio Ulhoa Coelho, “os direitos reais de garantia consistem na atribuição ao credor de uma garantia real sobre bem que continua a ser de propriedade do devedor, mesmo após a constituição da obrigação garantida. São três as garantias reais desta espécie: hipoteca, penhor e anticrese. Já nos direitos reais em garantia, a garantia real recai sobre bem originariamente do devedor, mas que passa à propriedade do credor – propriedade resolúvel, desconstituída com o adimplemento da obrigação garantida. São duas: alienação fiduciária em garantia e cessão fiduciária de direitos creditórios.

[4] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol.4. 18 ed. São Paulo: Saraiva.  2002, p.432.

[5] Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais:

I - as energias que tenham valor econômico;

II - os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes;

III - os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.

[6]DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol.4. 18 ed. São Paulo: Saraiva.  2002, p.434.

[7] Idem, p.453.

[8] SALOMÃO NETO, Eduardo. Direito Bancário, 2.ed . São Paulo:Atlas, 2014, p. 437.

[9] Idem, p.438.

Sobre o(a) autor(a)
Jorge Luiz Dantas
Advogado especializado em direito bancário. Atua no contencioso cível e consultivo.
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