Adoção homoafetiva: inexistência de impedimentos legais

Adoção homoafetiva: inexistência de impedimentos legais

A adoção por homossexuais ainda é motivo de polêmica, porém a legislação pátria não faz menção a orientação sexual do adotando. Assim, não existe qualquer razão legal para que uma pessoa não seja considerada apta a adotar em razão de sua opção sexual.

INTRODUÇÃO

Segundo a Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, caput, a família é a “base da sociedade”, possuindo ampla proteção do Estado.

Assumindo o papel de base da sociedade, conclui-se que não há como apresentar um conceito definitivo de família. Ao buscá-lo, nos deparamos com diversos aspectos que devem ser levados em conta, como afeto, educação, tradição, cultura, respeito e solidariedade.

Ao admitir que o principal aspecto a ser levado em conta é a percepção de que, prioritariamente, é o afeto e o amor que formam uma família, há de se falar no instituto da adoção.

A adoção é um ato jurídico onde uma pessoa cria um vínculo de filiação com outra, sem laços de sangue, que passa a ter a condição de filho. Ela enseja uma relação de parentesco civil entre o adotado e o adotante, constituindo um vínculo de parentesco em linha reta de 1° (primeiro) grau.

A adoção, na atualidade, é uma forma de proteger crianças e adolescentes em situação de risco, buscando sempre seu melhor interesse. Além disso, a adoção somente será possível se comprovado o benefício para o adotando.

Em nenhum momento, a legislação apontou como requisito a opção sexual do adotante.

1. REQUSITOS DA ADOÇÃO

Para que seja estabelecida a adoção, existem certos requisitos que devem ser atendidos.

Primeiramente, o adotante deve ser maior de idade, ou seja, deve ter o mínimo de 18 (dezoito) anos de idade, não importando seu estado civil. Se a adoção for feita por duas pessoas que não sejam marido e mulher ou companheiros, somente a primeira adoção será válida, a segunda é nula. No caso de casais separados ou divorciados, estes podem adotar conjuntamente, desde que o estágio de convivência com o adotado tenha se iniciado durante a sociedade conjugal.

Os tutores e os curadores não poderão adotar seus tutelados ou curatelados. Tal possibilidade só poderá ser reconhecida após prestarem contas de sua administração, com fiscalização do Ministério Público e decididas pelo juiz.

Marido e mulher não podem ser adotados pela mesma pessoa, pois passariam a ser irmãos; além disso, marido não pode adotar sua mulher, assim como a mulher não pode adotar seu marido, pois haveria casamento entre ascendente e descendente por parentesco civil, o que é vedado pela lei. Não existe a possibilidade de adoção entre irmãos, assim como avós não podem adotar seus netos, pois haveria confusão de parentesco.

Outro requisito a ser observado é a necessidade de que haja, pelo menos, 16 (dezesseis) anos de diferença de idade entre adotante e adotado; essa diferença de idade é necessária, pois que a adoção imita a natureza.

Quando o adotando for incapaz ou mesmo menor de 12 (doze) anos, seu representante legal deve sempre ser ouvido, devendo dar seu consentimento. No caso de adotando maior de 12 (doze) anos, este será ouvido pelo magistrado. Quando os pais biológicos forem desconhecidos ou destituídos do poder familiar, o Estado o representará. Até a publicação da sentença constitutiva de adoção, o consentimento é revogável.

O adotante poderá adotar quantos filhos desejar, não havendo um número máximo; a lei não se opõe a adoção de mais de um filho simultaneamente ou sucessivamente. Também não há qualquer empecilho em relação a existência ou não de filhos biológicos do adotante.

O ECA busca evitar a separação de grupos de irmãos para que não haja rompimento definitivo entre eles; salvo em casos de comprovados riscos ou situações justificáveis, os irmãos devem ser preferencialmente adotados pela mesma família substituta.

A legislação expressa a preferência de adotantes brasileiros sobre estrangeiros; a adoção por estrangeiros se dará quando não houverem interessados habilitados brasileiro.

A adoção é ato personalíssimo, sendo vedada a adoção por procuração.

O adotante deve ter idoneidade moral, deve ser capaz de oferecer um ambiente adequado para o adotando, saudável e familiar, onde seja possível seu desenvolvimento.

Para julgar os pedidos de adoção de menores de 18 (dezoito) anos, a Justiça da Infância e da Juventude exige a qualificação do requerente e de seu cônjuge ou companheiro, que deve expressar a aceitação, a indicação de eventual parentesco entre as partes, indicação do cartório onde foi inscrito o nascimento do adotante, e a declaração a respeito de possíveis bens, rendimentos ou direitos pertencentes ao adotando.

Assim, é requisito essencial da adoção o processo judicial, onde se levará em conta o efetivo benefício que pode ter o adotando.

2. ADOÇÃO POR HOMOSSEXUAIS

A adoção por homossexuais é uma questão bastante discutida. Há quem diga que pais homossexuais causariam problemas psicológicos em seus filhos, já que estes teriam como exemplo um comportamento “errado”. Baseado nesse ponto de vista, chega-se à conclusão que a criança não teria uma referência comportamental correta, e passaria a ter tendência ao homossexualismo. Ainda se levanta a possibilidade da criança ou adolescente sofrer preconceitos e ter vergonha de sua própria origem. Resumindo, a fundamentação se baseia única e exclusivamente no preconceito em relação a orientação sexual de uma pessoa, sem levar em conta posições legais ou científicas, e, principalmente a afetividade.

Em um país onde o catolicismo é predominante, a posição da Igreja Católica é ponto de partida para formação de opiniões. Por isso mesmo é que continua havendo resistência por parte da população em relação aos homossexuais e seus direitos.

Em nenhum momento o Estatuto da Criança e do Adolescente, assim como o Código Civil ou qualquer outra legislação pátria, faz menção a orientação sexual do adotando. Assim, não existe qualquer razão para que uma pessoa não seja considerada apta a adotar em razão de sua opção sexual.

O art. 43 do ECA deixa ensina que “a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”, ou seja, a adoção é um meio de dar afeto àqueles que não recebem, dar amor àqueles que foram abandonados. Assim, não existe razão para uma criança ou um adolescente serem privados da possibilidade de ter uma família única e exclusivamente pela orientação sexual de alguém. É muito mais vantajoso para o adotando viver em um lar estável, com pessoas dispostas a dar educação e afeto, do que viver em abrigos ou mesmo nas ruas.

O art. 5º da CF trouxe a máxima: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, o que deixa claro que qualquer tipo de distinção por opção sexual é inconstitucional. Qualquer pessoa tem direito a paternidade ou maternidade e a não observação desse direito fere claramente o princípio constitucional da igualdade. Ressalta-se novamente que não há qualquer legislação vigente impedindo que um homossexual exerça a paternidade ou a maternidade, podendo recorrer a adoção se assim preferir.

Em relação as dificuldades dos homossexuais em matéria de adoção, Aimbere Torres traz a seguinte posição:

A ideia de família concebida por nossos legisladores e aplicadores da lei sofre de um mal crônico – a forte influência do casal imaginário, do amor cortês entre um homem e uma mulher –, a qual tem servido de fundamento para não se acolher a pretensão à paternidade socioafetiva quando requerida por entidades familiares homoafetivas. Imperioso se faz despertá-los deste romanesco sonho quixotesco, retirar-lhes o véu da indiferença e lhes apresentar não só uma nova realidade social brasileira, mas de toda a humanidade, qual seja, o fato de que a convivência de crianças e adolescentes em lares de casais homoafetivos é uma realidade bastante frequente. (TORRES, 2009, p.112)

Assim, aqueles que rejeitam a adoção por homossexuais devem perceber que casais homoafetivos são cada vez mais comuns, e que as relações familiares continuam se baseando no amor e no afeto, independentemente de quem forma a família, se um casal heterossexual ou dois homossexuais; a capacidade de amar e ser amado é a mesma.

A principal questão a ser discutida é a inexistência de legislação que autorize ou rejeite a adoção conjunta por homossexuais.

Até então, o que geralmente ocorre é que um homossexual adota sozinho a criança ou o adolescente, ou seja, legalmente, o adotando será filho de um do casal.

O caput do art. 226 da CF traz: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Não há qualquer menção a respeito de quem compõe a unidade familiar, ou seja, qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade e estabilidade é considerada família.

A jurisprudência atual reconhece que a união homossexual é entidade familiar, possuindo caraterísticas de união estável. A própria CF autoriza o reconhecimento de outros tipos de famílias, não somente aquela formada por marido, mulher e filhos. Não há explícito em nenhum diploma a necessidade de diversidade de sexos para o reconhecimento de entidade familiar.

Salienta-se novamente que não há qualquer norma no país que impeçam a adoção por casais homossexuais, pois em nenhum momento foi estabelecida a necessidade de diversidade de sexos entre adotantes.

Ambiere Torres afirma ainda:

Destarte, partindo do pressuposto de que o tratamento a ser dado às uniões entre pessoas do mesmo sexo, que convivem de modo durável, sendo essa convivência pública, contínua e com o objetivo de constituir família, deve ser o mesmo que é atribuído em nosso ordenamento às uniões estáveis, resta concluir que é possível reconhecer a essas pessoas o direito de adotar em conjunto. (TORRES, 2009, p. 115)

Em relação a eventual comportamento diferenciado por parte do adotado por família homoafetiva, já foram realizados estudos que comprovaram que a felicidade e o comportamento do adotado são resultado da forma como a família vive e não em como ela é formada. Já foi cientificamente comprovado que pessoas criadas por pais de mesmo sexo são tão afetivas quanto aqueles criados por pais de sexos diferentes.

Existem artigos onde se analisam a influência da orientação sexual dos pais na identidade sexual, desenvolvimento pessoal e relacionamento social em crianças adotadas com idade de quatro a nove anos; os resultados mostraram que a autoestima e o desenvolvimento pessoal e social dessas crianças são os mesmos daquelas criadas por pais de sexos diferentes.

A sexualidade dos pais não interfere na personalidade dos filhos, como apontam estudos realizados na Califórnia desde 1970, onde os pesquisadores concluíram que o ajustamento das crianças filhas de pessoas do mesmo sexo é o mesmo de qualquer outra. Meninos são tão masculinos quanto os outros, assim como as meninas são tão femininas como quaisquer outras, sendo que não foi encontrada qualquer tendência que sugerisse que filhos de pais homossexuais sejam necessariamente homossexuais.

Logo, não existe qualquer motivo que indique problemas em crianças adotadas por homossexuais, mas, ao contrário, fica claro que elas alcançam os mesmos benefícios daquelas adotadas por casais heterossexuais.

Acreditar que uma criança pode vir a ter problemas psicológicos caso seja criada por pais homossexuais significa esquecer que uma criança abandonada pode ser vítima de violência e exploração sexual, pode passar fome e não ter qualquer futuro, o que faz com que uma criança, com certeza, tenha problemas psicológicos.

Existem decisões a favor da adoção por pessoa que mantém união homoafetiva. Como exemplo, pode ser exposta decisão do STJ, que reconheceu o direito de uma mulher adotar duas crianças já perfilhadas por sua companheira:

“Menores. Adoção. União homoafetiva. Cuida-se da possibilidade de pessoa que mantém união homoafetiva adotar duas crianças (irmãos biológicos) já perfilhadas por sua companheira. É certo que o art. 1.º da Lei n.º 12.010/2009 e o art. 43 do ECA deixam claro que todas as crianças e adolescentes têm a garantia do direito à convivência familiar e que a adoção fundada em motivos legítimos pode ser deferida somente quando presentes reais vantagens a eles. Anote-se, então, ser imprescindível, na adoção, a prevalência dos interesses dos menores sobre quaisquer outros, até porque se discute o próprio direito de filiação, com consequências que se estendem por toda a vida. Decorre daí que, também no campo da adoção na união homoafetiva, a qual, como realidade fenomênica, o Judiciário não pode desprezar, há que se verificar qual a melhor solução a privilegiar a proteção aos direitos da criança. Frise-se inexistir aqui expressa previsão legal a permitir também a inclusão, como adotante, do nome da companheira de igual sexo nos registros de nascimento das crianças, o que já é aceito em vários países, tais como a Inglaterra, País de Gales, Países Baixos, e em algumas províncias da Espanha, lacuna que não se mostra como óbice à proteção proporcionada pelo Estado aos direitos dos infantes. Contudo, estudos científicos de respeitadas instituições (a Academia Americana de Pediatria e as universidades de Virgínia e Valência) apontam não haver qualquer inconveniente na adoção por companheiros em união homoafetiva, pois o que realmente importa é a qualidade do vínculo e do afeto presente no meio familiar que ligam as crianças a seus cuidadores. Na específica hipótese, há consistente relatório social lavrado por assistente social favorável à adoção e conclusivo da estabilidade da família, pois é incontroverso existirem fortes vínculos afetivos entre a requerente e as crianças. Assim, impõe-se deferir a adoção lastreada nos estudos científicos que afastam a possibilidade de prejuízo de qualquer natureza às crianças, visto que criadas com amor, quanto mais se verificado cuidar de situação fática consolidada, de dupla maternidade desde os nascimentos, e se ambas as companheiras são responsáveis pela criação e educação dos menores, a elas competindo, solidariamente, a responsabilidade. Mediante o deferimento da adoção, ficam consolidados os direitos relativos a alimentos, sucessão, convívio com a requerente em caso de separação ou falecimento da companheira e a inclusão dos menores em convênios de saúde, no ensino básico e superior, em razão da qualificação da requerente, professora universitária. Frise-se, por último, que, segundo estatística do CNJ, ao consultar-se o Cadastro Nacional de Adoção, poucos são os casos de perfilhação de dois irmãos biológicos, pois há preferência por adotar apenas uma criança. Assim, por qualquer ângulo que se analise a questão, chega-se à conclusão de que, na hipótese, a adoção proporciona mais do que vantagens aos menores (art. 43 do ECA) e seu indeferimento resultaria verdadeiro prejuízo a eles” (STJ, REsp 889.852-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 27.04.2010).

Já existem países onde é adotada uma postura efetiva contra atos discriminatórios, como é o caso da Espanha, que suspendeu um juiz do Conselho do Poder Judicial por ter negado a um casal de mulheres homossexuais o direito de uma delas adotar a filha biológica da outra, alegando que iria prejudicar a menor e aumentaria a chance de que ela se tornasse homossexual.

O Estado francês foi condenado a pagamento de indenização por ter recusado o direito de adotar uma criança a uma homossexual. Juízes da Áustria, Bélgica, Dinamarca, Grécia, Holanda, Portugal, Reino Unido, Sérvia e Suécia votaram a favor da condenação, com fundamento na Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Apesar disso, no Brasil não houve qualquer punição a membro do Judiciário que tenha negado o direito de adoção a homossexuais sem qualquer fundamento pertinente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prática da adoção é, antes de mais nada, uma forma de ensinar àqueles que por diversas razões foram privados de um lar os princípios norteadores da sociedade. De outra forma, essas crianças e adolescentes cresceriam sem amor e perspectiva de futuro.

A adoção por homossexuais não é diferente daquela realizada por heterossexuais, visto que todos têm a capacidade de amar e ensinar valores a outras pessoas.

Assim, não há de se falar em impedimentos legais quanto ao adotante ser homossexual; o único impedimento encontrado é o preconceito de parte da sociedade.

REFERÊNCIAS

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

TORRES, Aimbere Francisco. Adoção nas relações homoparentais. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

Sobre o(a) autor(a)
Camila Agustini Scarlatti Ricci
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