Eficácia das normas constitucionais

Eficácia das normas constitucionais

Trata-se de análise de forma detalhada da eficácia das normas constitucionais. Será feito um paralelo entre a eficácia jurídica e social das normas constitucionais, e, posteriormente, uma abordagem da forma como a doutrina classifica essas normas, com exemplos de citações legais e jurisprudenciais.

I – INTRODUÇÃO

No presente texto será analisada de forma detalhada a eficácia das normas constitucionais.

Com efeito, será estabelecido um paralelo entre a eficácia jurídica e social das normas constitucionais.

Por fim, abordaremos a forma como a doutrina classifica as normas constitucionais quanto à sua eficácia, trazendo à baila, para enriquecimento do texto, exemplos jurisprudenciais acerca do tema.

Com esse trabalho, esperamos elucidar ao leitor a eficácia das normas constitucionais, sem, contudo, esgotar o tema, notadamente, considerando sua amplitude.

II – DA EFICÁCIA JURÍDICA E SOCIAL DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

Inicialmente, é importante ponderar que a questão da eficácia das normas constitucionais é muito debatida pela doutrina pátria.

Com efeito, costuma-se ponderar que todas as normas constitucionais apresentam eficácia, porém, algumas detêm eficácia jurídica e social, enquanto outras têm apenas eficácia jurídica.

Na lição de Michel Temer, em sua obra Elementos de direito constitucional[1]:

“...eficácia social se verifica na hipótese de a norma vigente, isto é, com potencialidade para regular determinadas relações, ser efetivamente aplicada a casos concretos. Eficácia jurídica, por sua vez, significa que a norma está apta a produzir efeitos na ocorrência de relações concretas; mas já produz efeitos jurídicos na medida em que a sua simples edição resulta na revogação de todas as normas anteriores que com ela conflitam.”

Destarte, em consonância com as lições da doutrina pátria, é indubitável que inexiste norma constitucional despida de eficácia, já que, por si só, ela terá o condão não apenas de revogar normas anteriores que com ela sejam incompatíveis, mas também de impedir o ingresso no ordenamento jurídico de quaisquer normas que com ela colidam.

Assim, é certo que a eficácia da norma constitucional não depende apenas de suas condições fáticas de atuar.

Isso porque, as condições fáticas de atuação da norma guardam relação, apenas, com sua eficácia social (sociológica), e não com sua eficácia jurídica (sintática).

É possível concluir, pois, pelas ponderações acima, que muitas normas constitucionais, notadamente as programáticas, resultarão na modificação da realidade social, mas, por outro lado, é certo que sua positivação, sem dúvida alguma, terá decorrido da verificação da necessidade de mudanças no âmago da sociedade (sendo, pois, a norma constitucional reflexo da situação fática existente).

III – DA CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIAIS NO TOCANTE À SUA EFICÁCIA

Importante destacar que a doutrina costuma classificar as normas constitucionais segundo a sua eficácia, ou seja, segundo sua aptidão de produzir efeitos jurídicos.

Nesse sentido, vale ponderar que a classificação mais adotada, que é, inclusive, adotada pelo Colendo Supremo Tribunal Federal em sua jurisprudência, é a estabelecida pelo Professor José Afonso da Silva.

Com efeito, segundo o renomado doutrinador, as normas constitucionais têm eficácia plena, contida ou limitada, conforme será doravante demonstrado.

III.1 – DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA PLENA

As normas constitucionais de eficácia plena, são aquelas que são imediatamente aplicáveis, ou seja, não dependem de uma normatividade futura que venha regulamentá-la, atribuindo-lhe eficácia.

São, pois, normas que já contém em si todos os elementos necessários para sua plena aplicação, sendo despiciendo que uma lei infraconstitucional a regulamente.

Nesse sentido, o doutrinador Pedro Lenza[2] explica que:

“Normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral são aquelas normas da Constituição que, no momento em que esta entra em vigor, estão aptas a produzir todos os seus efeitos, independentemente de norma integrativa infraconstitucional (situação esta que pode ser observada, também, na hipótese do art. 5º, § 3º). Como regra geral, criam órgãos ou atribuem aos entes federativos competências. Não têm a necessidade de ser integradas.”

Portanto, tais normas constitucionais são autoaplicáveis, independentemente de regulamentação por uma lei infraconstitucional.

Trazemos à baila, como exemplo de norma constitucional de eficácia plena, o artigo 132, “caput”, da Carta Magna.

Da mesma forma, podemos citar como exemplo de normas constitucionais de eficácia plena os seguintes artigos da Carta da República: art. 1º, art 2º, art. 14, art. 15, art. 44, art. 45, art. 77, etc..

Por fim, trazemos à baila ementa de acórdão do Colendo Supremo Tribunal Federal em que é expressamente mencionada norma constitucional de eficácia plena:

“ADI 3965/MG – Minas Gerais; Relator(a): Ministra Cármen Lúcia

Julgamento: 07/03/2012; Órgão Julgador: Tribunal Pleno

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ORGANIZAÇÃO E ESTRUTURA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. LEIS DELEGADAS N. 112 E 117, AMBAS DE 2007. 1. Lei Delegada n. 112/2007, art. 26, inc. I, alínea h: Defensoria Pública de Minas Gerais órgão integrante do Poder Executivo mineiro. 2. Lei Delegada n. 117/2007, art. 10; expressão “e a Defensoria Pública”, instituição subordinada ao Governador do Estado de Minas Gerais, integrando a Secretaria de Estado de Defesa Social. 3. O art. 134, § 2º, da Constituição da República, é norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata. 4. A Defensoria Pública dos Estados tem autonomia funcional e administrativa, incabível relação de subordinação a qualquer Secretaria de Estado. Precedente. 5. ADI julgada procedente.” (grifamos)

Resta, pois, demostrado que as normas constitucionais de eficácia plena são aquelas que já contêm em si todos os elementos necessários para sua aplicação, independendo, assim, de norma regulamentadora.

III.2 – DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA CONTIDA

Por outro lado, as normas constitucionais de eficácia contida são aquelas que, nada obstante produzam seus efeitos desde logo, independentemente de regulamentação, podem, por expressa disposição constitucional, ter sua eficácia restringida por outras normas, constitucionais ou infraconstitucionais.

Portanto, tais normas constitucionais têm total eficácia por si, contudo, por expressa disposição constitucional, podem, eventualmente, sofres restrições por outras normas.

Citamos como exemplo de norma constitucional de eficácia contida o artigo 5º, XIII, da Constituição Federal.

Ou seja, o dispositivo constitucional supramencionado, que estabelece o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, tem aplicabilidade independentemente de norma infraconstitucional.

Todavia, eventual norma infraconstitucional pode estabelecer determinadas qualificações para o exercício do trabalho, ofício ou profissão (como é o caso da aprovação no exame de ordem para o exercício da advocacia, nos termos da Lei 8.906/1994), limitando, assim, a abrangência da norma constitucional.

Podemos citar também como exemplos de normas constitucionais de eficácia contida os seguintes dispositivos da Carta Magna: art. 5º, incisos VII, VIII, XXV, XXXIII, art. 15, inciso IV, art. 37, inciso I, etc.

Relacionamos abaixo a ementa do seguinte julgado em que menciona-se expressamente norma constitucional de eficácia contida:

“Tribunal Superior do Trabalho – TST - Recurso de Revista nº 1924798219955045555 - Órgão Julgador: 1ª Turma; Julgamento: 02/02/2000. Ementa: “AVISO PRÉVIO PROPORCIONAL AO TEMPO DE SERVIÇO. ARTIGO 7º, XXI, DACONSTITUIÇÃO FEDERAL. O aviso prévio proporcional ao tempo de serviço do empregado depende de lei ordinária regulamentadora em que se tracem os critérios por que se deve nortear o intérprete para fixá-lo. O artigo 7º, inciso XXI, da Constituição da República ao inscrever "nos termos da lei", não se revela auto-aplicável, tratando-se de norma constitucional de eficácia contida. Recurso conhecido e provido.” (grifamos)

Resta, pois, demonstrado que a norma constitucional de eficácia contida, embora não dependa de lei regulamentadora para ser aplicada, pode ter sua abrangência reduzida por outra norma.

III.3 – DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA LIMITADA

Finalmente, cumpre-nos tratar das características das normas constitucionais de eficácia limitada.

As normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que dependem de uma regulamentação e integração por meio de normas infraconstitucionais.

E, para exemplificar, segue ementa de julgado proferido pelo Colendo Supremo Tribunal Federal:

“Embargante: Jorge Orlando Cuellar Noguera / Embargado: Universidade Federal de Santa Maria / RE nº 342459 ED/RS – Rio Grande do Sul; Relator: Ministro Cezar Peluso. EMENTA: RECURSO. Embargos de declaração. Caráter infringente. Embargos recebidos como agravo. Professor estrangeiro. Contratação. Pretensão de acesso ao Regime Jurídico Único. Vedação por força do art. 37, I, da Constituição Federal. EC nº 19/88, que acrescentou os §§ 1º e 2º, ao art. 207, da Carta da República. Eficácia limitada, porque dependentes de normatividade ulterior Jurisprudência assentada. Ausência de razões novas. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Nega-se provimento a agravo regimental tendente a impugnar, sem razões novas, decisão fundada em jurisprudência assente na Corte.” (grifamos)

Importante ponderar, ademais, tal como visto no tópico II do presente trabalho, que essas normas constitucionais limitadas não são totalmente despidas de eficácia.

Ou seja, elas podem até não ter, momentaneamente eficácia social, porém, sempre terão o condão de revogar as normas do sistema jurídico que com ela colidam, além de impedir o ingresso no ordenamento de normas incompatíveis com seus preceitos.

Aliás, mais do que isso, conforme explica Pedro Lenza[3], citando lição do mestre José Afonso da Silva:

“Nesse sentido, José Afonso da Silva, em sede conclusiva, observa que referidas normas têm, ao menos, eficácia jurídica imediata, direta e vinculante já que: a) estabelecem um dever para o legislador ordinário; b) condicionam a legislação futura, com a consequência de serem inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem; c) informam a concepção do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenação jurídica, mediante a atribuição de fins sociais, proteção dos valores da justiça social e revelação dos componentes do bem comum; d) constituem sentido teleológico para a interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas; e) condicionam a atividade discricionária da Administração e do Judiciário; f) criam situações jurídicas subjetivas, de vantagem ou desvantagem. Todas elas – em momento seguinte conclui o mestre – possuem eficácia ab-rogativa da legislação precedente incompatível (Geraldo Ataliba diria ‘paralisante da eficácia destas leis’, sem ab-rogá-las – nosso acréscimo) e criam situações subjetivas simples e de interesse legítimo, bem como direito subjetivo negativo. Todas, enfim, geram situações subjetivas de vínculo”

Resta, pois, demonstrado, pela citação acima, que essas normas constitucionais não têm a eficácia tão limitada como se pode pensar.

E, essas normas constitucionais de eficácia limitada, são dividas pela doutrina em: (i) normas constitucionais de princípio institutivo (ou organizativo) e (ii) normas de princípio programático.

As normas constitucionais de princípio institutivo ou organizativo, contém apenas comandos de estruturação geral da instituição de determinado órgão, entidade ou instituição, de forma que a efetiva criação, organização ou estruturação, por expressa disposição constitucional, deve ser feita por normas infraconstitucionais.

Citamos o § 2º do artigo 18 da Carta Maior, como um exemplo de norma constitucional de eficácia limitada de princípio institutivo.

Mencionamos, ademais, outros exemplos de normas constitucionais de eficácia limitada de princípio institutivo: art. 33, art. 90, § 2º, art. 109, inciso VI, etc., todos da Constituição Federal.

Já as normas constitucionais de eficácia limitada de princípio programático, são aquelas que estabelecem programas a serem implementados pelo Estado, objetivando a realização de fins sociais, como o direito à saúde, educação, cultura, etc..

Destarte, citamos como exemplo de norma constitucional de eficácia limitada programática o artigo 196 da Carta Magna.

Outros exemplos de norma constitucional de eficácia limitada programática são encontrados nos seguintes artigos da Carta da República: art. 6º, art. 205, art. 227, etc..

IV – CONCLUSÃO

Esperamos ter analisado, a contento, de forma sintética, ou seja, sem a pretensão de esgotar a matéria, a eficácia das normas constitucionais.

Para tanto, foi estabelecido uma paralelo entre a eficácia jurídica e social das normas constitucionais, com a conclusão de que todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia, ainda que apenas jurídica.

Ademais, no decorrer do trabalho esperamos ter abordado de foram satisfatória a forma como a doutrina classifica as normas constitucionais quanto à sua eficácia, o que foi feito, inclusive, com a transcrição de jurisprudência acerca do assunto.

Por fim, esperamos ter elucidado ao leitor a eficácia das normas constitucionais, enriquecendo seus conhecimentos acerca do tema.

Notas

[1] TEMER, Michel. Elementos do direito constitucional. 14ª Ed. revista e ampliada, Malheiros, 1998, pg. 23.

[2] PEDRO, Lenza. Direito Constitucional Esquematizado. 15ª Ed. revista atualizada e ampliada, Editora Saraiva, 2011, pg. 199.

[3] PEDRO, Lenza. Obra citada, pg. 202

Sobre o(a) autor(a)
Rafael Camargo Trida
Rafael Camargo Trida, Procurador do Estado de São Paulo. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET (2010). Especialista em Direito do Estado pela Escola Superior da Procuradoria...
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