União Estável e Casamento: breve estudo comparativo

União Estável e Casamento: breve estudo comparativo

Com respaldo no nosso ordenamento jurídico, este artigo faz um breve estudo dos institutos da União Estável e do Casamento, principalmente no que tange às diferenças e semelhanças.

1. INTRODUÇÃO

A família, no Brasil, teve suas origens espelhando-se a família romana. O Decreto nº 181, de 24 de Janeiro de 1890, estabeleceu o casamento civil no Brasil, observando-se, quase que exclusivamente, o cunho religioso influente em todo Segundo Império. Catolicismo e casamento eram intrinsecamente ligados, pois, foi entregue à Igreja o poder legal sobre o matrimônio, assumindo esta a responsabilidade de combater e aniquilar qualquer união que não fosse legitimada pelo clero.

Vê-se, assim, que a família tradicional consagrada pela Igreja era um elemento de “ordem”, enquanto que uniões irregulares – que ocorriam com freqüência e desde o Brasil Colônia – eram vistas como um elemento de “desordem”.

Paralelamente ao casamento e de mesma ordem de origem, a união estável abarcava algumas uniões irregulares ou ilegítimas e era entendida como concubinato não-adulterino, ou seja, a união entre aqueles indivíduos que não estão impedidos de casar e que querem formar família, mas que não seja por meio do casamento. Embora a união estável existisse sob o aspecto do concubinato não-adulterino, só foi consolidada e aceita no nosso ordenamento jurídico com o advento do Código Civil de 2002, sendo que a Lei 8971 de 1994 já havia procurado regulá-la, concedendo os primeiros direitos aos companheiros, como a partilha dos bens adquiridos com colaboração mútua e um limitado direito de herança.

O presente artigo tratará, portanto, da análise comparativa dos dois institutos mencionados, dando ênfase ao caráter constitutivo da família, não entrando no mérito dos direitos sucessórios ou da filiação.

2. CASAMENTO

Segundo Oliveira (2006), o casamento, de um modo geral, é uma união socialmente aprovada entre pessoas físicas que tenham como propósito constituir família, mediante comunhão de vida. A aprovação do casamento pelo Estado é chamada de casamento civil. Com o reconhecimento de uma comunidade religiosa, o casamento passa a ser conhecido como casamento religioso.

O preceito religioso da indissolubilidade do casamento levou à imposição, por intermédio do Estado, do casamento cristão como uma necessidade social. O casamento traz no seu conceito histórico uma vinculação fortemente religiosa, por isso conservadora. Maria Helena Diniz, diz ser impossível desvincular a união de duas pessoas, com o objetivo de constituírem uma família, da idéia do sacramento e da religiosidade, e continua:

“O casamento é o vínculo jurídico entre o homem e a mulher que visa o auxílio mútuo material e espiritual, de modo que haja uma integração físio-psíquica e a constituição de uma família legítima”. Eis uma definição mais moderna: “(...) é a união de um homem e uma mulher, reconhecida pelo Direito e investida de certas condições jurídicas” (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 5ª Ed. V. 5, Direito de Família. São Paulo Saraiva, 1989)

O Código Civil, a partir do art. 1511, regulamenta o casamento, considerando-o monogâmico, exigindo lealdade, realizado por um homem e uma mulher com idade mínima de 18 (dezoito) anos. O casamento é condição jurídica para existência de certos direitos e, no sentido social, pode ser entendido como uma manifestação de vontade conjunta, subordinada a inúmeros pré-requisitos e a uma cerimônia civil que, cumpridas certas formalidades, substancia e legitima uma união de pessoas. Há, também, certas restrições - impedimentos contidos no art. 1521 - o que, na seara atual, dá margem para formação de outros tipos de família que não a advinda através do casamento.

3. UNIÃO ESTÁVEL

Hodiernamente, a união estável se assemelha ao casamento civil, sendo a ela aplicadas quase todas as normas do Direito de Família. Em razão da adequação à nova realidade, os casais, cada vez com mais freqüência, passaram a constituir famílias através da simples união, sem o formalismo exigido no casamento.

Segundo Azevedo (2000), união estável é a convivência não-adulterina, nem incestuosa, duradoura, pública e contínua de um homem e de uma mulher sem vínculo matrimonial, convivendo como se casados fossem, sob o mesmo teto ou não, constituindo, assim, sua família de fato. A Constituição Federal de 1988 reconheceu a união estável como entidade familiar, facilitando a sua conversão em casamento, mas não definiu quais seriam os direitos assegurados, o que foi feito pelo legislador infraconstitucional (Leis 8.971/94, 9.278/96, anteriormente, Código Civil, arts. 1.723 a 1.727 e súmula 380 do STF).

A lei dos companheiros (8971/94) garantiu, entre outros, o direito a alimentos e sucessão, estabelecendo como requisito temporal o prazo de cinco anos de relacionamento, ou a existência de filho em comum, e exigindo que as pessoas fossem desimpedidas. Em seguida veio a lei dos conviventes (9278/96), confundindo a questão, já que passou a haver uma presunção de esforço comum para os bens adquiridos na constância da união, os quais, por esse motivo, pertenciam ao casal. Esta lei não mais considerou o lapso temporal da união e calou-se, ainda, quanto à necessidade de desimpedimento das pessoas, favorecendo os que estavam na condição de amantes.

Está disciplinado no art. 1.726, dispondo que “a união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil”. A Lei 9.278/96 contentava-se com o requerimento de conversão formulado diretamente ao oficial do registro, independentemente de intervenção judicial.

Segundo Pablo Stolze (2007), se a pessoa é casada e tem um relacionamento com outra, há concubinato impuro e não união estável. Mas, se a pessoa é casada e a terceira pessoa não sabe disso, há união estável putativa.

Não exige a lei específica (Lei nº 9728/96) a coabitação como requisito essencial para caracterizar a união estável. Na realidade, a convivência sob o mesmo teto pode ser um dos fundamentos a demonstrar a relação comum, mas a sua ausência não afasta, de imediato, a existência da união estável. Diante das alterações dos costumes, além das profundas mudanças pelas quais tem passado a sociedade, não é raro encontrar cônjuges ou companheiros residindo em locais diferentes. O que se mostra indispensável, portanto, é que a união se revista de estabilidade, ou seja, que haja aparência de casamento.

4. DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS DO CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL

De forma rápida e clara, no que tange às semelhanças, deve-se observar a união estável da mesma forma que se observa um casamento em regime de Comunhão Parcial de Bens, pois esta união gera todos os efeitos deste regime.

As demais condições previstas para a realização do casamento se verificam também como necessárias à configuração da união estável, tais como a capacidade civil, ou os impedimentos constantes do artigo 1.521, I a V e VII, por exemplo.

Nesse sentido, cumpre assinalar que pelo novo Código Civil o cônjuge passa a ser herdeiro, concorrendo com os descendentes e ascendentes, salvo se casado com o falecido no regime de comunhão universal, ou no de separação de bens, conforme o artigo 1.829, inciso I. Se o cônjuge concorrer com descendentes em comum com o falecido, caber-lhe-á quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança. Concorrendo, porém, com ascendente em primeiro grau, conforme estatui o artigo 1.837, ao cônjuge tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau. Se, por outro lado, o falecido não deixar descendentes ou ascendentes, a herança caberá por inteiro ao cônjuge sobrevivente.

A diferença crucial é, quando da dissolução da união, que não foi feita pela sessão solene de casamento, deve um Juiz de Direito reconhecer por meio de provas que realmente esta houve. Deve o juiz declarar em sua sentença a provável data desta união, assim fixando o ponto inicial de um ficto casamento, e, a partir daquele ponto fazer valer o regime de Comunhão Parcial de Bens.

A dissolução através de acordo mútuo dos companheiros não requer a realização de instrumento escrito, já que toda a relação foi calcada em fatos.

Resumindo, na dissolução de união, caso não haja um acordo entre os coabitantes, quem, por poder e dever, dirá qual é o direito de cada coabitante será o Juiz.

Se não houver acordo entre as partes, o autor Washington de Barros Monteiro (2004) ainda explica que é possível o ingresso de ação ordinária para a declaração do término da relação, bem como a decisão de questões controvertidas, como a guarda dos filhos, por exemplo.

A tabela abaixo ilustra essa relação:

Regime de bens

Procedimento para reconhecimento

Principal benefício

Em caso de separação

Provas para ser reconhecido

União Estável

Apenas Comunhão Parcial de Bens.

O casal deve propor uma ação em juízo, provar a união e ter uma sentença a seu favor.

Ter seu Direito reconhecido.

Deve propor primeiramente um processo para reconhecimento da união e apenas em caso de reconhecimento pleitear seus direitos.

Processo judicial com sentença favorável com todas as provas que comprove a união.

Casamento

-Comunhão Parcial de Bens

- Separação de Bens

- Participação Final nos Aquestos

- Comunhão Universal de Bens

Apenas celebrar o casamento sem nenhum processo.

Ter seus direitos reconhecidos sem precisar de processo judicial.

Com a certidão de casamento em mãos, basta propor uma ação de divórcio em juízo.

Apenas celebração do casamento.

5. CONCLUSÃO

Para concluir, não se pode negar que avanços – resultados da evolução social – foram registrados no que diz respeito à união estável em detrimento do casamento. Prender-se a formalismos é caminhar em sentido contrário à sociedade, com todas as suas complexidades.

É fato que o Princípio da Monogamia, juntamente com o da Lealdade, ainda é o norteador das relações familiares. Analisando a fundo os dois institutos estudados, percebe-se que o casamento absorve a união estável, no sentido de que os companheiros desta aspiram àquele instituto. Caminha-se, pois, à conversão.

Assim como Pontes de Miranda, em seu tempo, já dizia que:

“As definições de casamento têm, como se vê, a natureza incerta e temporária de todas as coisas sociais. O seu fim deve ser o de caracterizar o seu tempo, e nada mais. Tempo e lugar. Não há conceito a priori de casamento que valha para todos os tempos e para todos os povos”.(PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. Parte especial. Tomo VII: Direito de Personalidade. Direito de Família: Direito matrimonial (Existência e Validade do Casamento). 3. ed. reimp. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971. p. 209.)

É assim, também, que se deve ver o Direito se amoldar para abarcar novas realidades, em função dos princípios da igualdade material e da dignidade da pessoa humana. Não há regra que seja absoluta para todos os tempos e para todos os povos.

Assim, a expectativa da sociedade é de que a função da família continue perene e fundamental, sejam quais forem os arranjos que se verifiquem.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Álvaro Villaça. União Estável. Revista do Advogado n° 58, AASP, São Paulo, março/2000.

BAUMANN, Marcos Vinícius. Breves Considerações Acerca da União Estável. 2006. Disponível em: < http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2491/Uniao-Estavel> Acesso em 12 mai 2012.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 5ª Ed. V. 5, Direito de Família. São Paulo Saraiva, 1989.

D’OLIVEIRA, Paulo Ricardo. Uma Perspectiva da União Estável e do Casamento na Constituição Federal. Direito&Justiça, Porto Alegre, v.33, n.1, p 40-63, Junho 2007.

MELO, Nehemias Domingos de. União Estável: Conceito, Alimentos e Dissolução. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a.3, nº 133. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=696> Acesso em: 12 mai 2012.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito de Família, vol 2, 37ª ed., São Paulo, Saraiva, 2004.

OLIVEIRA, Dalva Trindade de Souza. União Estável Paralela ao Casamento ou Famílias Simultâneas. Salvador/BA, 2006.

PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. Parte especial. Tomo VII: Direito de Personalidade. Direito de Família: Direito matrimonial (Existência e Validade do Casamento). 3. ed. reimp. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971. p. 209.

STOLZE, Pablo. Aula ministrada no curso Luiz Flávio Gomes, 2007.

Sobre o(a) autor(a)
Susana Angélica de Melo Braga
Advogada. Bacharela formada pela Universidade Católica de Pernambuco.
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