Competência concorrente em matéria educacional

Competência concorrente em matéria educacional

Análise da educação como matéria de competência concorrente à luz da Constituição Federal de 1988.

A competência concorrente referente à Educação também merece de nós uma especial reflexão e tomada de posição. A Constituição Federal vigente, no seu artigo 24, inciso IX, determina que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar, concorrentemente, sobre educação, cultura, ensino e desporto.

Na nossa compreensão, o primeiro momento do cumprimento deste preceito constitucional, dentro de uma perspectiva legal e superestrutural, ou seja, antes de sua eficácia como norma jurídica, está na Seção I (Da Educação), Seção II (da Cultura), Seção III (do Desporto), capítulo III do Título VIII relativo à Ordem Social da própria Constituição Federal de 1988.

O que se reza no texto constitucional se cumpre, metalingüisticamente (ou se apelarmos para um outro neologismo falaríamos em metaconstitucionalidade) no próprio texto constitucional.

O que se observa, no entanto, é a omissão na Constituição de uma seção relativa ao ensino stricto senso (faz sentido uma vez que tecnicamente não é matéria para o constituinte, e sim, para o legislador ordinário).

O ensino (ensino escolar, formal e sistematizado) é tratado lato sensu sob o signo da Educação (ensino mais geral ou abrangente, isto é, social, que envolve a família e a sociedade de modo mais amplo) , com intenções genéricas de traçar as bases e diretrizes da educação nacional.

Certamente, dá-se tal fenômeno jurídico (e não restrito ao setor educacional) porque, no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais, ou seja, principiológicas (Artigo 24, §1o), sem que nesta normatividade geral e principiológica haja um procedimento centralizador, de exclusividade e com a conseqüente exclusão das demais entidades federativas no que refere ao preceito concorrente.

Assim, o constituinte determina que "A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados" (Artigo 24, § 2o) e nos demais parágrafos desfaz qualquer tendência à exclusividade, ao determinar que "Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender as suas peculiaridades" (Artigo 24, § 3o) e ainda que "A superveniência da lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário" (Artigo 24, § 4o). A expressão normas gerais é nuclear para a compreensão dos parágrafos do artigo 24.

Queremos dizer, de outro modo: as normas gerais da União se expressam na própria Constituição Federal, o que pode justificar, entre outras coisas, o detalhamento e o descritivismo do texto constitucional.

Insistimos ainda: a nosso ver, as seções I, II e III do capítulo III, no Título VIII, da Constituição Federal, são a primeira manifestação concreta e superestrutural de sua competência concorrente . Há um nível de metalinguagem no preceito constitucional que, uma vez manifesto naquelas seções, produz uma espécie de metanormatividade (ou de metaconstitucionalidade como propomos antes). Isto é, as seções contêm as normas gerais a que se referem os parágrafos do artigo 24.

Estas normas jurídicas, ali expostas, são elementos constitucionais sócio-ideológicos que dão eficácia, no próprio texto constitucional, aos elementos orgânicos contidos no artigo 24 e, por isso, serão, fartamente, reproduzidos e adaptados nos textos constitucionais dos Estados-Membros, municipais e o Distrito Federal. Decerto, o equilíbrio federativo passa pela unidade ou harmonia de competências expressas na Constituição Federal. É a Lei Maior que contém as bases constitucionais da educação para as entidades federativas.


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Voltaremos ao assunto.

Sobre o(a) autor(a)
Vicente Martins
Professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA), de Sobral, Estado do Ceará, Brasil. Pós-doutorado em Linguística pela UFBA.
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