A onda dos danos morais

A onda dos danos morais

O que realmente configura o dano moral? Nesta coluna analisamos a banalização das ações que visam a reparação por dano moral.

Dano é toda e qualquer lesão que atinga algum bem jurídico, podendo esta lesão ser patrimonial (em um carro, por exemplo) ou extrapatrimonial (a honra, por exemplo). O dano extrapatrimonial também é denominado como dano moral pelo fato do lesado ser atingido como ser humano, como pessoa, pois neste caso não é o seu patrimônio que é atingido e sim a sua personalidade, a sua honra, a sua dignidade, que por sua vez trará dor, tristeza, vexame e outros constrangimentos, entretanto apesar desta distinção, ambos são passíveis de indenização.

O dano, independente se patrimonial ou moral, para restar caracterizado e ter sua reparação exigida apresenta a necessidade de que estejam presentes os seus dois elementos, ou seja, o dano deverá ser atual (aquele que existe no momento da ação de responsabilidade) e certo, não podendo fundar-se em hipóteses, e sim em fatos concretos.

A proteção ao dano moral está prevista pela Constituição Federal que, em seu artigo 1°, inciso III, e em seu artigo 5°, incisos V e X, dispõe sobre a proteção à dignidade da pessoa humana e garante a reparação pelo dano moral eventualmente sofrido, devendo o quantum da indenização ser arbitrado pelo magistrado, posto que nossa legislação não estabeleceu qualquer forma de tarifação desta espécie de dano.

O objetivo da reparação do dano moral é compensar o lesado a fim de diminuir o sofrimento decorrente do desrespeito à sua dignidade como pessoa e punir a pessoa responsável por esse sofrimento, desestimulando esta pratica lesiva contra a dignidade da pessoa humana.

A industrialização do dano moral

A dificuldade em quantificar em dinheiro os danos morais, a ausência de uma tarifação estipulada pela lei para sua reparação aliada com a dificuldade que os magistrados têm para estabelecer o quantum necessário para restaurar uma lesão à dignidade da pessoa humana, faz com que a maioria das condenações sob esse título atinjam cifras milionárias.

E muitos desses processos, ao serem ajuizados, lhe são atribuídos baixos valores, porém são pleiteadas quantias exorbitantes, o que na prática faz com que no caso de derrota sejam pagas quantias baixas a título de custas processuais e honorários advocatícios, permitindo que ocorra o ajuizamento de ações fundamentadas em alegações absurdas, com o único fim de ganhar dinheiro. E, com isso, surge a chamada "indústria do dano moral".

A "indústria do dano moral" se caracteriza pelo grande número de ações de indenização em decorrência de dano moral que estão sendo ajuizadas com o único fim de ganhar dinheiro. As pessoas, que se sentem estimuladas pela facilidade no ajuizamento da ação e pelas quantias exorbitantes das condenações, simulam ter sua honra, sua dignidade lesionada somente para ter algum lucro financeiro, pois veem nestes tipos de processo uma forma de enriquecer, banalizando o valioso instituto que garante a reparação das ofensas reais à dignidade.

Vejamos algumas situações que, apesar de pleiteadas, não configuraram o dano moral:

- Extravio de bagagem, pois a simples sensação de desconforto, de aborrecimento, causado pela perda ou extravio de bagagem durante uma viagem, não constitui dano moral, suscetível de constituir objeto de reparação (RSTJ 471/15);

- Mero exercício do direito de defesa em juízo (Bol. AASP 2140/9);

- Representação feita contra advogado à OAB (RT 707/148);

- Revista pessoal em empregados da empresa para evitar furtos (RT 772/157);

- Venda indevida de jóia penhorada, pois deferimento de tal pretensão implicaria em admitir que todo fato lesivo provoca necessariamente, per se, danos morais (RT 747/445);

- Sedução de mulher maior, funcionária pública, de boa formação escolar, com promessa de casamento (Ap. Cív. 64.998-1 – Araraquara – Apte.: A.A.G. – Apda.: M.G.G. – Rel. Des. Nery Almada – j. 31.10.85 – TJSP).

Algumas situações que configuram o dano moral

Os pressupostos da responsabilidade, ou seja, os pressupostos do dever de indenizar são: a culpa ou o dolo do agente, salvo nos casos de responsabilidade objetiva, a relação de causalidade (entre o fato e o dano) e o dano em si (lesão ao bem jurídico).

Em regra, estando presente estes pressupostos somados aos elementos do dano existirá a obrigação de indenizar, porém ressalta-se que no caso do dano moral a prova destes pressupostos é um pouco mais difícil do que nos casos de dano patrimonial, mas não é impossível.

Enfim, vejamos algumas situações em que o dano moral está configurado:

- Inscrição feita em cadastro de proteção ao crédito sem a devida comunicação, prevista no artigo 142, §3°, do Código de Defesa do Consumidor (Ag. Reg. no Ag 818738/SP - Min. Rel. Sidnei Beneti - STJ);

- Morte de soldado - responsabilidade civil do Estado (REsp 1087841/RO - Min. Rel. Humberto Martins - STJ);

- Recusa indevida à cobertura médica pelo plano de saúde (Ag. Reg. no REsp 944410/RN - Min. Rel. Sidnei Beneti - STJ);

- Preso sofrera danos morais em razão da superlotação na carceragem, na qual encontravam-se mais de cem presos, onde caberia aproximadamente doze (REsp 870673/MS - Min. Rel. Luiz Fux - STJ).

Conclusão

Por fim, podemos concluir que a dignidade da pessoa humana está devidamente amparada por nossa legislação, inclusive encontra-se listada no rol de direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal e que sua reparação, além de prevista na lei, se faz necessária ao passo que tenta confortar o lesado, em face da lesão à sua dignidade, e punir o autor, para que este não mais pratique atos dessa natureza.

Dessa forma, se faz necessária a discussão entre todos os operadores do direito sobre as causas da banalização das ações de indenização por dano moral, fazendo com que este instituto seja utilizado com dignidade e, de fato, como forma de reparação e punição pelas ofensas à moral da pessoa humana, e não como meio de enriquecer-se ilicitamente.

Referências bibliográficas

CAHALI, Youssef Said. Dano moral. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.

GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume III: responsabilidade civil. 4ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das obrigações: parte especial, tomo II: responsabilidade civil. 4ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. (Coleção sinopses jurídicas; v. 6)

JUS NAVEGANDI - Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3540, acessado em 05 de fevereiro de 2009.

Superior Tribunal de Justiça - Disponível em http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp, acessado em 05 de fevereiro de 2009.

Sobre o(a) autor(a)
Rafael Henrique Gonçalves Martines
Cursa o 5° ano da Faculdade de Direito de Sorocaba (FADI). É redator no DireitoNet desde julho de 2007 e visa ingressar na carreira de Delegado de Polícia.
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