Morosidade do judiciário: culpa exclusiva da lei e do advogado?

Morosidade do judiciário: culpa exclusiva da lei e do advogado?

Desde o fim de 2006, o Governo Federal, motivado pela necessidade de tornar o processo judicial mais rápido no Brasil, vem, através do Poder Legislativo, alterando sensivelmente todo o ordenamento processual. Contudo, tal mudança vem sendo feita de forma racional, hábil a atingir o seu objetivo?

I – INTRODUÇÃO

Desde o fim de 2006, o Governo Federal, motivado pela necessidade de tornar o processo judicial mais rápido no Brasil, vem, através do Poder Legislativo, alterando sensivelmente todo o ordenamento processual (inclusive já se discute um novo ordenamento processual civil no Senado Federal); contudo, tal mudança vem sendo feita de forma racional, hábil a atingir o seu objetivo?

Tendo em vista a lei brasileira proibir a “justiça pelas próprias mãos”, o Poder Público monopoliza a forma de resolução de conflitos entre as pessoas (físicas e jurídicas), atividade esta exercida pelo Poder Judiciário (exceção é feita aos tribunais arbitrais, onde a questão é resolvida fora do Poder Judiciário, e tal decisão tem a mesma força de uma sentença).

O processo judicial é pautado por leis que determinam a forma pela qual ele deve tramitar (leis de caráter processual).

Tais normas devem respeitar determinados princípios, sendo que alguns deles encontram-se elencados na Constituição da República. Atualmente, dois destes princípios dão causa a inúmeras discussões doutrinárias, quais sejam: os princípios da celeridade e o da segurança jurídica.

II – DOS PRINCÍPCIOS PROCESSUAIS DA CELERIDADE E DA SEGURANÇA JURÍDICA

Importante salientar que dentre os princípios que norteiam (ou deveriam nortear) o legislador, inexiste hierarquia, cabendo a ele ter sensibilidade e sabedoria para poder equacioná-los quando da formatação de um novo texto legal.Sobre os princípios mencionados, o primeiro (que atualmente encontra-se previsto na lei maior), diz respeito à necessidade de que o processo judicial termine em tempo razoável, entregando a quem de direito, aquilo que intenta com o processo.

Mas pode-se quantificar em dias, semanas, meses ou anos, um prazo máximo de tramitação do processo? Sobre este questionamento, vale colacionar o que escreveu Alencar Frederico: “No entanto, não é fácil determinar o exato alcance e sentido da expressão ‘razoável duração do processo’.

A doutrina aponta três critérios utilizados pela Corte Européia do direito do Homem para avaliar se a duração de determinado processo foi razoável ou não, sendo eles: a) a complexidade do assunto; c) o comportamento dos litigantes; c) a atuação do órgão jurisdicional. Entendemos que não pode haver fixação do prazo razoável, pois cada caso concreto tem suas próprias circunstâncias e particularidades que devem ser observadas, sendo impossível, e até mesmo irracional, estabelecer (determinar) um prazo limite de duração de um processo.

Porém, pode-se dizer que a ‘duração razoável do processo’ é o tempo suficiente para que haja uma adequada, segura, eficiente e efetiva entrega da prestação jurisdicional, sendo capaz de precatar todos os danos derivados da lentidão. Em outras palavras, é o tempo giusto ed éaquo para que a prestação jurisdicional tenha a eficácia almejada.”Tal entendimento encontra reflexo junto ao Supremo Tribunal Federal.

“(...) o excesso de prazo não resulta de simples operação aritmética. Complexidade do processo, retardamento justificado, atos procrastinatórios da defesa e número de réus envolvidos são fatores que, analisados em conjunto ou separadamente, indicam ser, ou não, razoável o prazo para o encerramento da instrução criminal. Excesso de prazo causado, em parte, pelo não comparecimento do advogado de defesa na Sessão do Tribunal do Júri, o que deu causa a que o Juiz nomeasse defensor público e determinasse a expedição de ofício à OAB comunicando a ausência injustificada do advogado.” (HC 97.461, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 12-5-09, 2ª Turma, DJE de 1º-7-09)

”Se o retardamento na finalização do processo se dá por responsabilidade exclusiva do próprio Poder Judiciário, caracterizada está a ofensa constitucional.“O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário – não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu – traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei.” (HC 85.237, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-3-05, Plenário, DJ de 29-4-05).

No mesmo sentido: HC 93.639, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 16-12-08, 2ª Turma, DJE de 14-8-09; HC 95.634, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 2-6-09, 2ª Turma, DJE de 19-6-09; HC 95.492, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 10-3-09, 2ª Turma, DJE de 8-5-09; HC 87.164, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 4-4-06, 2ª Turma, DJ de 29-9-06.

”Justiça feita a destempo, deixa de ser decisão justa. Para tal, pode-se tomar como exemplo uma ação em que o autor pretende receber indenização por conta de um acidente do trabalho; contudo, antes do recebimento da justa quantia, vem a falecer. Será que o princípio da celeridade processual foi respeitado (repita-se, norma constitucional)? Vale dizer que tal situação se repete com infeliz frequência nos fóruns do país.

“Tendo em conta a peculiaridade do caso, a Turma desproveu recurso extraordinário no qual pleiteada a desconstituição de acórdão do TRF da 3ª Região e a conseqüente remessa do feito à comarca em que localizado o imóvel objeto de ação de usucapião. (...) Inicialmente, ressaltou-se que a aludida ação de usucapião fora ajuizada há mais de 40 anos e, desde então, o Estado, ministrando a prestação jurisdicional requerida, apreciara o mérito da demanda 2 vezes. A primeira sentença, proferida pelo Juízo da Comarca do Guarujá, em 1967, julgara procedente a demanda. A segunda, pelo Juízo Federal da 7ª Vara da Seção Judiciária de São Paulo, em 1975, também considerara procedente o pleito. A seguir, registrou-se que a EC 45/2004, em resposta à morosidade da justiça, consagrou o princípio da celeridade processual como postulado fundamental (CF, art. 5º, LXXVIII). Asseverou-se que, na situação dos autos, haveria, de um lado, as regras que garantem ao jurisdicionado segurança jurídica e, de outro, a afirmação constitucional da necessariamente rápida e, ao menos razoável, prestação jurisdicional. Ademais, aduziu-se que hipóteses de exceção não deveriam ficar à margem do ordenamento, sendo por este capturadas, e concluiu-se que a preservação dos princípios imporia a transgressão das regras. Tendo isso em conta, as regras de competência – cuja última razão se encontra na distribuição do exercício da jurisdição, segundo alguns critérios, aos órgãos do Poder Judiciário –, não poderiam prevalecer 43 anos após a propositura da ação. Concluiu-se que assim deveria ser em virtude da efetiva entrega da prestação jurisdicional – que já se dera – e à luz da garantia constitucional à razoável duração do processo. Precedente citado: HC 94.916/RS (DJE de 10.10.2008).” (RE 433.512, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 26-5-09, 2ª Turma, Informativo 548)

Assim, pode-se afirmar que inexiste, matematicamente falando, uma quantidade de dias, meses, anos, décadas, para balizar o cumprimento da ordem constitucional; ela deverá ser analisada caso a caso, especialmente, levando-se em conta as características de cada processos e suas principais intercorrências.Por outro lado, além de ser rápido, o processo judicial deve ser seguro, e processo seguro é aquele que, antes de tudo, garante às partes que integram a relação processual o exercício da ampla defesa (da mesma forma, garantia constitucional).

A vedação de que a parte produza determinada prova (perícia, oitiva de testemunha, expedição de ofício, etc.), claro, desde que pertinente e útil para que o julgador possa resolver o conflito de forma justa e correta (livre convencimento do julgador, nos termos dos artigos 130 e 131 do CPC), sob o argumento de que o processo irá se prolongar em demasia, e por conta disso, violará o princípio da celeridade, é ofender tanto o já mencionado princípio constitucional da ampla defesa, como o de que o processo judicial deve ser seguro.

“A razoável duração do processo (...), logicamente, deve ser harmonizada com outros princípios e valores constitucionalmente adotados no Direito brasileiro, não podendo ser considerada de maneira isolada e descontextualizada do caso relacionado à lide penal que se instaurou a partir da prática dos ilícitos..” (HC 95.045, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 9-9-08, 2ª Turma, DJE de 26-9-08). No mesmo sentido: HC 92.293, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 02-12-08, 2ª Turma, DJE de 17-04-09; HC 91.118, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 2-10-07, 1ª Turma, DJ de 14-12-07.”

III – DA CELERIDADE E DA SEGURANÇA JURÍDICA NO ATUAL CPC

O legislador, ao formatar o atual Código de Processo Civil (que teve como nascedouro o famoso grupo de estudos encabeçado pelo Prof. Alfredo Buzaid, que contou com a presença do sapientíssimo Prof. Sérgio Luiz Monteiro Salles, que antes de tudo, sempre fez questão de ensinar a sistemática da atual legislação aos seus alunos), primou pela garantia de um processo seguro.

Pode-se exemplificar tal segurança, com a taxatividade recursal (conduta festejada na época pela doutrina, diga-se de passagem, vez que sepultou a positivação do princípio da fungibilidade recursal, este, utilizado atualmente, contudo, em situações muito especiais).

Assim, se o CPC de 1973 primou pela segurança jurídica, pode-se concluir que o Maestro Buzaid e seus colegas de estudos se esqueceram da necessária celeridade? A meu ver, o princípio da celeridade não foi colocado de lado, pois sua garantia está mais atrelada à estrutura do Poder Judiciário, do que a dispositivos legais que tratem deste assunto.

IV – DA RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE PROCESSOS JUDICIAIS

Na década de 70 (quando da edição do atual Código de Processo Civil), além de uma população mais reduzida em relação à atual (90 milhões, e em 2007 próxima dos 190 milhões), o cidadão não tinha acesso ao Poder Judiciário como nos dias atuais. Por conta de recentes modificações, novos direitos foram concedidos à população, sem prejuízo da maior facilidade de reclamá-los perante o Poder Judiciário. Atualmente é disponibilizado ao cidadão a possibilidade de se valer da tutela jurisdicional, mesmo sem a presença de advogado, desde que preencha as condições elencadas nas Lei 9099/95 e 10.259/01 (juizados especiais), ou ainda perante a Justiça Especializada do Trabalho.

O Código de Defesa do Consumidor, ao consagrar a figura da responsabilidade objetiva do fornecedor, senão ainda, a possibilidade do julgador inverter o ônus da prova em determinadas situações, deu vazão a várias demandas que se encontravam estancadas na sociedade pois, sem ter como provar, mesmo tendo razão, o consumidor não intentava pretensão judicial, em razão da provável derrota.

Da mesma forma, não deve ser colocada de lado também a própria evolução social pois, com o passar do tempo, a sociedade tem mais acesso à informação, educação, cultura, etc., tornado-se mais instruída e conhecedora de seus direitos e, por conta disso, procura o Poder Judiciário com mais freqüência, deixando de relevar abusos rotineiramente praticados, que não eram reclamados por meio de processo judicial.

Antigamente a população não contava, por exemplo, com órgãos de defesa dos direitos do consumidor como o PROCON ou o IDEC, sem prejuízo ainda, na enorme velocidade em que a informação “corre o mundo” com a popularização da “internet”. Nos dias de hoje, se alguma nova tese jurídica é acolhida em algum tribunal, e esta tem o poder de representar uma avalanche de processos (vez que acomete grande parte da população), quase que em tempo real já é noticiada por sites, blogs, redes sociais como Orkut, Facebook, etc.

Pode-se concluir, sem medo de cometer algum despautério, que a população brasileira cresceu, quer no aspecto quantitativo (que por si só já aumenta o número de demandas), quer no de evolução intelectual, e uma consequência natural desta evolução é o aumento do número de processos judiciais.

Assim, com base no discutido nos três parágrafos acima, que a população brasileira era ignorante? A meu ver não, as dificuldades de procurar o Judiciário (territoriais e legais), a não discussão de forma ampla de deveres estatais (segurança, saúde, educação, etc.) sempre impediram que vários tipos de demandas fossem levadas ao órgão julgador.

Com o aumento da população, que, como dito, naturalmente potencializa o número de processos judiciais, era (infelizmente não é) dever do Estado aparelhar o Poder Judiciário na mesma proporção, para que tivesse a capacidade de gerir a demanda de litígios existentes. Entendo que aparelhar o Poder Judiciário se traduz em contratar novos servidores públicos (inclusive juízes de direito), treiná-los com rotina, incentivá-los a dar seguimento em seus estudos (especializações, mestrados, etc.), aquisição de novas tecnologias (infelizmente a máquina de escrever ainda faz parte do acervo público em alguns cartórios judiciais), sem prejuízo ainda, de implementos à disposição dos servidores (novos computadores, impressoras, mesas, cadeiras, etc.).

Para que um processo possa tramitar, deve existir um número mínimo de pessoas para que seja respeitado o princípio processual constitucional da celeridade. Não são raras as vezes em que processos “adormecem” nas prateleiras dos fóruns por meses aguardando a juntada de petições, documentos, a elaboração de ofícios, mandados, publicação das decisões junto ao diário oficial, etc. Vale dizer, tais procedimentos são cumpridos por seres humanos, e sem estes componentes, o princípio constitucional da celeridade nunca será atingido.

a mesma forma, é tão rotina quanto, o fato de processos com juízes e desembargadores aguardando julgamento por um tempo demasiado. Tal julgamento não pode se dar de forma mecânica (semelhante a uma linha de produção), não se trata de uma pilha de papéis agrupados, mas sim, trata-se da liberdade do indivíduo, do sonho de vida que pode ter sido obstado por alguém, dentre tantos outros exemplos que poderiam ilustrar estes rabiscos.

Abrem-se parênteses para trazer à baila a discussão nacional que deu causa ao aumento do número de vereadores nos municípios: “O Congresso Nacional promulgou nesta quarta-feira a emenda constitucional que aumenta em mais de 7,7 mil o número de vagas de vereadores no País. A proposta teve a votação concluída nesta terça-feira na Câmara dos Deputados após quase cinco anos de tramitação. O texto foi proposto depois que Tribunal Superior Eleitoral (TSE) extinguiu 8,5 mil vagas nas câmaras municipais.”

Vale dizer que o número de assentos junto ao Poder Legislativo Municipal guarda relação com o número de habitantes do Município, ou seja, quanto maior a população, maior o número de vereadores.Assim, com o aumento da população (que gera aumento na arrecadação de tributos) é dever do Estado, em todas as esferas, aprimorar o atendimento à população, na mesma proporção.

V – DO VOLUME DE PROCESSOS E DA CAPACIDADE DE JULGAMENTO

Voltando ao tema central, é claro que inexiste um número de juízes suficientes para dar vazão a demanda de processos; contudo, no âmbito do STJ, o legislador criou o julgamento de recursos repetitivos (Lei nº 11.672, de 2008), que a meu ver, é tentar “cuidar do doente” não pela origem da doença, mas tratar exclusivamente das consequências da moléstia.

Notícia vinculada junto ao sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo informa que no ano de 2009 foram distribuídas 5.435.136, tendo sido proferidas 5.392.889, culminando num “déficit” de 42.247 processos sem julgamento (ao menos na primeira instância). No ano de 2006 foram distribuídas 5.633.525, tendo sido publicadas 3.360.037 sentenças. Em 2000 foram 4.441.840 novos processos, sendo que destes, 2.662.982 foram resolvidos pelo juízo singular. Detalhe que merece ser mencionado, em relação ao grande número de processos julgados no ano de 2009, diz respeito ao “Meta 2”.

Era dever do julgador (1ª. e 2ª. instância), identificar e julgar até o final de 2009, todos os processos distribuídos até o dia 31.12.2005 que ainda não haviam sido finalizados.Já no ano de 2008, foram distribuídas 6.153.640 (número superior ao ano de 2009, ao certo pelo término do prazo prescricional para o cidadão reclamar judicialmente os “expurgos inflacionários”), sendo que 3.888.614 sentenças foram elaboradas (restando 2.265.026 de feitos sem decisão).

É de se notar que, ano a ano, o volume de processos que são distribuídos é maior, se comparado aos que são sentenciados, ou seja, ao final de cada ano, existe um “déficit” que se acumula.

Tal diferença tem como culpa os recursos existentes? Senão, a utilização do recurso de agravo processado na modalidade de instrumento? Ou ainda, os advogados que “insistem sempre em recorrer”? Ou será que esta diferença se dá pela incapacidade operacional do Poder Judiciário (no caso o Paulista, creio, não muito diferente da maioria dos demais) em dar vazão ao volume recebido (falta de pessoas para dar andamento, processar e julgar), semelhante a um rio que, somente transborda, quando o volume de águas encontra-se além da sua capacidade de vazão.A Justiça paulista conta com cerca de 2.000 juízes atuando na primeira instância.

Como acima mencionado, no ano de 2009 foram distribuídas 5.435.136 de novas ações (sem contar aquelas que já tramitam e que haviam sido distribuídas nos anos anteriores sem que tenham sido sentenciadas), culminando na média de 2.717 processos por magistrado. Será que é possível (para não dizer humano) uma só pessoa processar (se valendo da celeridade), este número de processos (repita-se, não foram considerados os processos que já estavam tramitando antes de 2009) com necessária atenção e acuidade?

E qual a consequência? Processos em que servidores sem a investidura da jurisdicionalidade (característica recebida pelo magistrado, quando empossado) proferem decisões interlocutórias e sentenças, estas que são (ou deveriam ser) supervisionadas pelo magistrado (creio que esta informação não cause espanto a advogados, juízes, promotores, procuradores públicos, delegados, defensores públicos, etc.).

Superficialmente, pelas informações colhidas junto ao sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, e que foram acima colacionadas, pode-se concluir que ano a ano é distribuído um número de processos bem superior à capacidade de julgamento. Outro detalhe importante a ser cogitado, diz respeito aos processos extintos sem resolução de mérito; contudo, com o provimento do recurso de apelação, retornam a primeira instância para o devido processamento.

Nestes casos, com o retorno do processo, o trabalho do cartório é duplicado, visto que o processo foi distribuído, contestado pela parte contrária (na maioria das vezes) e, todavia no afã de “baixar o volume”, a norma processual foi desrespeitada com a sentença de extinção, irregularidade esta sanada, senão pela 2ª. instância, pela instância especial. Ocorre que tais números não são aferidos, e a conseqüência lógica é o atraso no julgamento dos demais processos, em razão da “tramitação em duplicidade” de alguns outros.Sem que exista um número satisfatório de pessoas, os processos continuarão “dormindo em berço esplêndido” junto às prateleiras dos fóruns e tribunais do país, aumentando de forma vertiginosa o número de feitos que aguardam julgamento.

VI – DA NECESSIDADE DE APARELHAR O PODER JUDICIÁRIO ANTES DE REFORMAR A NORMA PROCESSUAL

Não se vê a preocupação do Poder Público na gestão desta atividade (diferente da “luta” para aumento do número de cadeiras junto às Câmaras de Vereadores), visto que cabe ao Tribunal de cada Estado gerir seu orçamento, e ao juiz diretor de cada Comarca, gerenciar os valores recebidos, no que diz respeito às despesas do fórum que se encontram sob sua responsabilidade, e, salvo engano, não se aprende nos bancos da faculdade de direito a matéria “administração de empresas”. Não se vê, da mesma forma, procedimentos para incrementar, senão potencializar o trabalho dos servidores públicos, com programas de incentivo, programas de produtividade, estudos acerca de suas habilidades para determinados trabalhos.

Ou seja, ninguém se preocupa se o servidor público tem habilidade, conhecimento e capacidade para exercer a atividade na qual se encontra incumbido. Simplesmente delegam-se funções, competências sem uma análise prévia no que tange a capacidade do servidor em exercer àquela atividade.Diante deste nefasto quadro, o Governo Federal, como já dito, vem alterando a lei processual, com o discurso de que o processo brasileiro ofende o principio da celeridade, além de ser muito caro, contribuindo com o “custo Brasil”.

Vem se tornando rotina (infelizmente), decisões judiciais em que o julgador se manifesta de forma expressa, às vezes ofensiva, afirmando que o advogado do recorrente “recorre demais”, declinando a este a culpa pela morosidade judicial.

Na obra acima mencionada da lavra do advogado Alencar Frederico, este foi a campo e pesquisou junto aos Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e do Tribunal Regional Federal da 3ª. Região, a efetividade das alterações proporcionadas pela lei que alterou o processamento do recurso de agravo, especialmente no que diz respeito ao fato do recurso na modalidade de instrumento ser exceção (e o retido a regra), transcrevendo parte das respostas recebidas.

Em determinadas respostas, alguns Desembargadores, reiterando o acima mencionado, transferem ao advogado e ao agravo processado na modalidade de instrumento a culpa (quase que exclusiva) pela morosidade judicial. Seguem algumas manifestações:

“A exigibilidade vem se ampliando e os advogados contratam o serviço recebendo pelo número de peças e recursos, o que vem estimulando a interposição de agravos, dificultando os julgamentos das apelações.”

“Não adianta alterar a lei – tem que mudar a postura do operador em face da cultura do recurso.”

“Sugestão: impor sucumbência ao agravante quando vencido, bem como honorário em prol do adverso vencedor.”

Ora, será que a culpa pela demora no andamento dos processos deve ser declinada exclusivamente aos advogados e à lei processual, senão ainda ao agravo de instrumento (que na sua origem era interposto na primeira instância, contudo, pela demora no processamento e remessa ao Tribunal, foi alterado, sendo de competência originária da 2ª. instância)?

VII – SOMENTE UMA NOVA LEI PROCESSUAL CIVIL É CAPAZ DE RESOLVER O PROBLEMA DA MOROSIDADE?

A meu ver, responder positivamente é a forma mais fácil, senão, plagiando o bordão, é “politicamente correta”, pois aos olhos da população leiga no aspecto legal, o governo está tomando providências para resolver a morosidade do judiciário (diga-se de passagem, que está virando praxe nos últimos anos, tendo em vista as ações policias pirotécnicas que, acompanhadas de cinegrafista e repórter, algemam nas primeiras horas da manhã pessoas que não demonstram, quer periculosidade, tão pouco resistência à prisão; todavia, não aplica idêntica pirotecnia em crimes confessados pelos réus, como é o caso do “caixa 2 de campanha”). Contudo, não é capaz de resolver a questão de forma efetiva, enfrentando o problema na sua causa, e não simplesmente se atendo às consequências.

Claro é, da mesma forma, que a legislação deve evoluir na mesma mão de direção da sociedade, sem se esquecer que o Estado (no qual o Poder Judiciário encontra-se inserido) não existe sem o povo, e a função maior do Estado é atender as necessidades do povo, e não de uma pequena parcela dele. Leis de direito material, por regularem direitos e deveres entre os cidadãos, e por afetarem diretamente os negócios jurídicos, devem caminhar lado a lado as inovações sociais (como o direito eletrônico). Diferente da norma processual, que guarda relação entre o Estado e a forma de processamento das demandas judiciais que, da mesma forma, quando necessária, deve evoluir.

Como dito linhas acima, por ato do Senado Federal (Ato 379 de 2009), foi constituída uma comissão de juristas, que é presidida pelo Ministro Luiz Fux, membro do Superior Tribunal de Justiça, com a finalidade de elaborar um novo Código de Processo Civil. Citada comissão entregou ao Presidente do Senado Federal, documento com as linhas mestras na qual deverão alicerçar o novo código: “Em suma. Exmo. Sr. Presidente José Sarney, a Comissão concluiu nas diversas proposições que seguem em anexo, que se impunha dotar o processo. e a fortiori, o Poder Judiciário, de instrumentos capazes, não de enfrentar centenas de milhares de processos, mas antes, de obstar a ocorrência desse volume de demandas, com o que, a um só tempo. salvo melhor juízo, sem violação de qualquer comando constitucional,visou tornar efetivamente alcançável a duração razoável dos processos, promessa constitucional e ideário de todas as declarações fundamentais dos direitos do homem e de todas as épocas e continentes, mercê de propiciar maior qualificação da resposta judicial, realizando o que Hans Kelsen expressou ser o mais formoso sonho da humanidade, o sonho de justiça.

”Primorosa a explanação do comandante dos trabalhos para o novo CPC; contudo, importante fazer menção a algumas modificações intentadas pelo grupo de trabalho.Uma das propostas é a extinção de alguns recursos, em especial os embargos infringentes e o agravo (quanto a este último, senão extinguí-lo, limitá-lo, semelhante ao recurso em sentido estrito previsto na legislação processual penal).

Imaginemos a seguinte situação; em determinada questão, dos cinco integrantes da Câmara Julgadora, três acolhem a tese do apelado vencido na apelação, e os outros dois entendem ser correta a tese do apelante vencedor. Contudo, o recurso foi julgado por dois desembargadores que acolhem a tese do apelante e por um que não, sendo a apelação provida por maioria, não representando o entendimento majoritário daquela Câmara de julgamento. Sem os embargos infringentes, nada mais poderá ser feito pelo apelado vencido junto àquele Tribunal, visto que, com os embargos infringentes, ao certo poderia fazer valer o entendimento majoritário daquela Câmara, não podendo levar a questão à instância especial, se a controvérsia diz respeito à carga probatória (Súmula 7 do STJ), ou ainda discutir sobre a interpretação de determinada disposição contratual (Súmula 5 do STJ).

Vale trazer a baila questão já em discussão no Projeto de Lei 3340/2008, de autoria do Deputado Federal Carls Bezerra, que tem como finalidade a extinção dos embargos infringentes, com a seguinte motivação: “O sistema recursal brasileiro é demasiado complexo e, por conseguinte, contribui de maneira decisiva para a demora na entrega da prestação jurisdicional. A extirpação dos embargos infringentes é reforma que deve ser efetivada, uma vez que terá o condão de simplificar o sistema recursal e, mormente, conferir maior celeridade processual. Vale lembrar que o direito português aboliu tal recurso em 1939.

Os embargos infringentes não são compatíveis com o vetor da celeridade, o qual deve orientar a prestação jurisdicional. A existência de um voto vencido não basta por si só para justificar existência de um recurso.”O relator, Dep. Colbert Martins, entendeu por bem opinar pela rejeição do projeto, alegando: “O argumento, de que o excesso de recursos é causa de atraso na prestação jurisdicional, portanto, está muito longe de ser justificativa para a supressão dos embargos infringentes, ou de qualquer outro recurso. Sérgio Shimura (2002, p. 498), inclusive, anota que a divergência na votação representa momento de maior reflexão acerca de determinado assunto. Este momento de maior reflexão, acrescente-se, não se dá à toa. Se o julgador, entende dever discordar dos demais componentes da turma ou câmara, há forte indício de que matéria é controvertida, estando a merecer estudo mais acurado. A impossibilidade de apresentar embargos infringentes, em casos tais, pode acarretar equívocos capazes de prejudicar os litigantes.

Além disso, bem anotam Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier (2002, p. 181) que se acentuou, pelas reformas do CPC, tendência à diminuição dos julgamentos colegiados. Assim, a continuação dos embargos infringentes abre porta para que o voto vencido tenha – ou possa ter – repercussão no resultado final da demanda. Além disso, os embargos infringentes também contribuem para a uniformização do entendimento da própria turma ou câmara.”Ora, muito se discute a necessidade de valorização dos precedentes, importando o sistema “common law”, tendo em vista a criação das súmulas vinculantes, súmulas impeditivas de recursos.

A extinção dos embargos infringentes encontra-se na contramão, visto que irá retirar dos Tribunais Estaduais a possibilidade de rediscussão da matéria, que, ao certo, poderá resultar na uniformização da questão discutida.

Já em relação à extinção do agravo, a situação é, a meu ver, tão preocupante quanto as demais.Abrem-se parênteses para mencionar que tal recurso inexiste nas pretensões processadas pela Justiça Especializada do Trabalho; todavia, tal paralelo não pode ser feito, visto que lá inexiste a mesma pluralidade de demandas, se comparado às pretensões processadas pela justiça ordinária. Contudo, existindo a necessidade imediata de se levar ao conhecimento da instância superior a ocorrência de ilegalidade antes da prolação de sentença, o reclamante poderá fazê-lo por meio do mandado de segurança.

Fechados os parênteses, o recurso de agravo, especialmente o processado na modalidade de instrumento (que vem sendo sensivelmente modificado desde 1995, com a edição da já revogada Lei nº 9.139) tem a finalidade, na maioria das vezes, de discutir questões de ordem processual, visto que, com exceção das liminares (antecipação quanto aos efeitos da tutela, cautelares, mandado de segurança, etc., onde o pleito liminar guarda relação com o mérito da pretensão), tais recursos são apresentados quando se indefere a feitura de alguma perícia, nega-se seguimento ao recurso de apelação, etc., ou seja, discutem a aplicabilidade da norma processual.

Por outro lado, podemos tomar como exemplo um pai que paga mensalmente alimentos aos seus filhos; todavia, perde seu emprego, e por conta disso, necessita reduzir o valor devido. Pede em sua inicial a antecipação quanto aos efeitos da tutela para reduzir (liminarmente) o valor devido, restando claro, inquestionável e necessário, por conta das provas que instruem a petição inicial (satisfazendo os requisitos do art. 273 do CPC), requerida concessão. Ou ainda, pessoa que integra o pólo passivo em ação que tramita pelo rito executivo que, no curso do processo, tem numerário disponibilizado em sua conta-corrente bloqueado por meio da “penhora on-line”; todavia, tais valores têm origem em salário, ou ainda advém de aposentadoria.

Diante de ambos os exemplos, os magistrados entendem por bem indeferir os requerimentos formulados pelo devedor de verba alimentícia e pelo executado (“indefiro a tutela antecipada pleiteada, em razão do não preenchimento dos requisitos legais”, decisão esta absurdamente nula, pois contrária o esculpido no art. 93, IX da CR, mas que é rotina nos processos), podendo, no primeiro, caso vir o alimentante a ser extremamente prejudicado, inclusive com a decretação de sua prisão (art. 733 do CPC), ou ainda, no segundo caso, ao art. 649, IV do CPC que, por lógica e bom senso (que deve nortear o legislador quando da construção da norma) deve ser repetido no novo Código.

Com a extinção do agravo, no caso do pleito revisional, eventual alteração na obrigação somente poderá ser alterada após alguns anos com o trânsito em julgado de sentença definitiva, não podendo, contudo, solicitar a devolução dos valores pagos a maior. Já no segundo caso, a penhora da aposentadoria do executado não poderá ser mais revista, tornando-se tal decisão imutável e analisada somente por outra instância judicial.Historicamente, toda vez que o legislador intentou retirar do advogado algum meio de defesa no intuito de salvaguardar direito ofendido, este se valeu do mandado de segurança, que, em uma análise superficial, poderá ser “ressuscitado” para suprir a extinção desta modalidade de recurso.

Tal fato ocorreu recentemente, quando o legislador tornou irrecorrível a decisão do relator que, em recurso de agravo de instrumento, o converte em retido, concede ou indefere o efeito suspensivo/antecipação quanto aos efeitos da tutela.Importante também discutir que os prazos elencados na lei, no que diz respeito às manifestações e providências daqueles que integram a relação processual (prazos próprios), se não cumpridos tempestivamente, geram conseqüências processuais negativas, não podendo (depende de sua natureza) serem dilatados ou renovados, por conta da preclusão temporal.

Diferente dos prazos impróprios que, se não respeitados, não geram conseqüências (se não o desrespeito ao princípio constitucional da celeridade), visto que são prazos para que o Poder Judiciário realize atos no processo (agendamento de audiência, prolação de sentenças, solicitação de agendamento em pauta de julgamento no tribunal, etc.).

Vale, como proposta, que a nova lei processual, além de prever prazos para, por exemplo, que os mandados de citação sejam providenciados e cumpridos, que as intimações das decisões proferidas sejam publicadas no Diário Oficial, ou ainda, sem justificativa plausível (desde já não sendo o volume de processo uma delas) que um processo não permaneça muito tempo aguardando julgamento, sob pena de responsabilização pessoal de quem ultrapassar tais prazos.

VIII – DA UTILIZAÇÃO DOS INSTRUMENTOS EXISTENTES NO ATUAL CPC, COMO FORMA DE RESPEITAR O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL PROCESSUAL DA CELERIDADE

Parece-me que o julgador e o legislador, ao defenderem, de forma veemente, a necessidade de até punir monetariamente quem sucumbe (além da proposta de criação de condenação em honorários advocatícios ao agravante que tem seu recurso julgado improvido, encontra-se em tramitação o projeto de lei do Senado Federal 133/2004, que prevê a cobrança de juros em dobro para a parte que apresentou recurso de apelação improvido, ou que não foi conhecido) se esquecem de disposições inseridas no CPC há muito tempo, destinadas a quem ofende os princípios da boa-fé processual.

O sétimo inciso do 17º. artigo do CPC é claro ao prever que será considerado litigante de má-fé quem “interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório”. Pois bem, outro questionamento salta aos olhos: o que é recurso manifestamente protelatório?

Será litigante de má-fé, concessionária de serviço público/de utilidade pública que, ao inscrever de forma indevida o nome do consumidor junto aos cadastros de restrição ao crédito, ao ser demandada judicialmente, contesta alegando determinado fato (técnico), não junta documento, não requer prova pericial, e após necessária condenação pecuniária, apresenta recurso de apelação declinando razões completamente diversas daquela discutida na defesa?

Será, da mesma forma, litigante de má-fé, a Fazenda Pública que é demandada por estar cobrando tributo sobre o qual a instância especial já se manifestou ser indevido, se não, reconhece ser correta alíquota diversa da exigida e, contudo, mesmo assim, apresenta recurso de apelação, e após, especial e extraordinário?

Ou ainda, será litigante de má-fé a procuradoria do INSS que, em ação em que se discute incapacidade laborativa de segurado, que o autorizará a gozar de benefício previdenciário, mesmo após laudo médico pericial reconhecendo a moléstia e o nexo de causa, recorre da sentença condenatória?

Para censurar condutas indevidas praticadas pelos advogados no processo, não se faz necessária a edição de uma nova codificação processual civil, visto que, na atual existem meios de coibir abusos.

Sobre este assunto, vale transcrever trecho de artigo em que o advogado Vitor Henrique Duarte foi deveras feliz ao discutir a aplicabilidade das sanções processuais advindas da litigância de má-fé, como meio de inibir abusos que impedem o respeito à norma constitucional da celeridade: “A questão do litigante de má-fé está relacionada ao aspecto cultural, pois não raramente a parte pratica atos em desconformidade com a boa-fé e nenhuma consequência lhe é imposta. Primeiramente, há que ser modificado esse pensamento, fazendo com que todos sejam cônscios de que a ausência de lealdade não compensa, e tal se dará quando aplicarmos, efetivamente, a pena de litigância de má-fé.(...)

É preciso dar um basta nesta situação, onde a sensação de impunidade impera. Para tanto, há que se começar a impor pena decorrente da conduta de má-fé vez que uma das partes praticar algum, ou alguns atos previstos nos incisos do art. 17, do Código de Processo Civil. Assim, poderemos dizer que a regra está cumprindo uma de suas principais funções, a de garantir aplicação e efetivação ao princípio. Inegável que se as partes tiverem temos de praticar atos indevidos, não o farão e isso contribuirá, inquestionavelmente, para que o princípio da razoável duração do processo deixe de existir somente em seu plano formal e transpasse esse limite para surtir efeitos práticos na vida de todos os cidadãos que se socorram ao Poder Judiciário.

”Assim, filio-me ao posicionamento acima transcrito, reiterando que, sem razão a intenção de alterar a lei com a finalidade de punir monetariamente aquele que se utiliza do processo de forma a prolongar o seu término, e, por consequência, atravanca ainda mais os Tribunais do país.

IV – DA NECESSIDADE DE VONTADE POLÍTICA, COMO VETOR DO RESPEITO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA CELERIDADE

Rotineiramente as autoridades que gerenciam o Poder Judiciário afirmam não dispor de verba suficiente para gerir e incrementar o serviço judicial prestado à população. Notícia vinculada pelo sítio eletrônico “Consultor Jurídico”, faz menção ao percentual gasto pela Justiça Paulista (a maior em volume de processos do país) com folha de pagamento: “Conforme dados do ano passado, o gasto com pessoal no Judiciário de São Paulo ultrapassa R$ 30 milhões por mês e mais de R$ 3,6 bilhões por ano. Ou seja, grande parte do orçamento do ano passado – de pouco mais de R$ 4 bilhões – estava comprometida com a folha de pagamento.

”Podemos afirmar, sem medo de errar, que o Tribunal de Justiça Bandeirante não é exceção à regra, visto que, toda vez que uma autoridade pública é indagada (acerca da necessidade e possibilidade de investimentos para incrementar o serviço público), apresenta grande problema orçamentário, sendo categórico ao afirmar que grande parte do orçamento está comprometido com a folha de pagamento. Importante salientar que no Estado de São Paulo, o dinheiro a ser utilizado pelo Tribunal de Justiça tem origem no Poder Executivo este que, na maioria das vezes reduz imotivadamente a previsão orçamentária solicitada pelo Judiciário.

Visando aumentar a receita, e consequentemente, melhorar o serviço prestado ao cidadão, lastreado no art. 98, par. 2º. da CR, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo editou a Resolução 196/2006 (Artigo 1º. O recolhimento dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, dirigido ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça, passa de 3,289473% para 21,052633% - 3,289473% + 17,763160% - ). Mas, motivado pelo Poder Executivo Paulista (“desesperado” com a diminuição de suas receitas), quando do julgamento da ADIN 3401, o STF entendeu ser inconstitucional tal ato normativo editado pela Corte Paulista.

Ora, se é obrigação da parte, ao se utilizar do serviço judiciário, pagar custas processuais, não vejo razão lógica para que tal numerário não seja exclusivamente direcionado ao Poder Judiciário. No Estado do Rio de Janeiro, o Poder Legislativo promulgou lei destinando a integralidade das custas ao próprio judiciário.

Ademais, será que a questão se restringe exclusivamente a falta de dinheiro? Será que tal carência não é potencializada pela ausência de gestão técnica do orçamento? Consta da mesma notícia vinculada pelo sítio eletrônico mencionado: “Nas inspeções feitas, os auditores do CNJ constataram graves distorções na Justiça estadual, cujo orçamento anual é superior a R$ 18 bilhões. Por gastar excessivamente com a manutenção dos gabinetes de seus dirigentes, por exemplo, alguns Tribunais de Justiça não dispunham de recursos suficientes para manter as varas judiciais, prejudicando com isso o atendimento à população.”

X - CONCLUSÃO

Ao final, podem-se apontar dois fatores relevantes, no que diz respeito ao tema principal destes rabiscos:

1) a existência de norma fundamental que obriga o Estado, por meio do Poder Judiciário, em prestar um serviço judicial rápido e eficiente; contudo, a norma escrita, por si só, não produz o efeito almejado, sem que o próprio Estado a respeite (caso contrário, não teríamos mais no país crianças passando fome, sem atendimento médico, senão, grandes empresas desrespeitando diariamente os consumidores); e, por outro lado;

ii) a necessidade de aparelhamento do Poder Judiciário (financeiro, pessoal e material) para que possa atender a demanda de processos proveniente dos conflitos entre os cidadãos.

A meu ver, o Estado tomou o caminho mais simples, repita-se, “politicamente correto”, mais barato; contudo não irá resolver de forma concreta e efetiva a questão da morosidade dos processos, ao editar um novo CPC. Neste sentido, importante colacionar o ensinamento da Profa. Teresa Wambier (sapiente processualista que integra o grupo de estudos que elabora o projeto do novo Código): “Nesse sentido, um novo CPC jamais poderá ser aguardado como a solução milagrosa das inúmeras questões que nos preocupam há muito tempo. Ele será, sim, se bem feito, bem compreendido e bem aplicado, um dos muitos meios voltados a pavimentar uma via de acesso segura a um modelo mais eficiente de prestação jurisdicional. Milagres são operados por seres humanos, não pela lei.”

Entendo que, antes de se discutir a reforma de leis processuais, se os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário querem, efetiva e definitivamente respeitar a Lei Maior (princípio processual da celeridade), deve se preocupar (antes de tudo) em aparelhar o Poder Judiciário para que este possa dar conta da demanda de processos, sob pena de, ao invés de curar o leproso (tratando a hanseníase), gasta tempo e dinheiro cuidando das feridas provenientes da doença.

Hoje, culpa-se a lei pela morosidade, quem sabe amanhã não se culpará o cidadão, retirando dele a possibilidade de resolver seus conflitos por meio de processo judicial...

Referências bibliográficas

CRETELLA JUNIOR, José. Filosofia do Direito Administrativo, 1999, Rio de Janeiro: Editora Forense.

DUARTE, Vitor Henrique. In Contribuição ao Estudo do Direito Processual, organizadores Alencar Frederico e Fábio Cenci, 2009, Campinas: Editora Setembro.

FREDERICO, Alencar. Reformas Processuais – uma análise dos efeitos da Lei 11.187/2005,  2009, Campinas: Editora Milennium.

Sobre o(a) autor(a)
Fábio Cenci
Advogado, sócio do escritório Cenci Advogados, pós-graduado em Processo Civil, Professor de Processo Civil e atual Presidente da Comissão do Exame de Ordem da 24ª Subsecção da OAB/SP.
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