A exceção da verdade dos crimes contra a honra e a Lei n° 11.313/06

A exceção da verdade dos crimes contra a honra e a Lei n° 11.313/06

Trata da redação da Lei n° 11.313/06, que uniformizou o entendimento de "menor potencial ofensivo" das leis n° 9.099/95 e 10.259/01. Mas essa mesma lei não pacificou um detalhe nos crimes contra a honra: como ficará a exceção da verdade?

Com o advento da Lei n° 11.313/06, o conceito de "menor potencial ofensivo" foi uniformizado - Lei n° 9.099/95 e a Lei n° 10.259/01, as quais antes causavam algumas discussões e polêmicas. Para salientar, colocaremos a seguir os três artigos da lei n° 11.313, de 28 de junho de 2006:

Art. 1° Os arts. 60 e 61 da Lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995, passam a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis. Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa”.

Art. 2° O art. 2° da Lei n° 10.259, de 12 de julho de 2001, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 2o Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrente da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis”.

Art. 3° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

A mencionada Lei, foi publicada no dia 28 de junho de 2006, portanto está em pleno funcionamento.

Nesta reportagem iremos abordar os crimes contra a honra e a exceção da verdade com o advento da lei n° 11.313 de 28 de junho de 2006. Para isso, vamos elucidar alguns pontos, a seguir:

Crimes Contra a Honra Como nos ensina Gustavo Octaviano Diniz Junqueira, os crimes contra a honra são um "conjunto de atributos morais, físicos e intelectuais da pessoa, que lhe conferem auto-estima e reputação".

Podemos ter a honra objetiva e a honra subjetiva: A primeira refere-se à reputação e, a segunda, à auto-estima.

Ainda nas palavras de Gustavo O. D. Junqueira – "Honra objetiva pode ser compreendida como o juízo que terceiros fazem acerca dos atributos de alguém. Honra subjetiva, o juízo que determinada pessoa faz acerca de seus próprios atributos".

Há três crimes contra a honra, elencados no Código Penal, que são: Injúria, Calúnia e Difamação. A primeira relaciona-se com a honra subjetiva, e, as demais, com a honra objetiva. Conforme acima, existem também outras leis que mencionam outros crimes contra a honra (ex.: Lei de Imprensa – Lei n° 5.250/67), além do Código Penal, mas eles não fogem dessas três figuras típicas supra mencionadas.

A Lei n° 11.313/06 e os Crimes Contra a Honra Sob Análise do Código Penal.

Com a nova redação dada pela Lei n° 11.313/06, podemos entender que todos os crimes contra a honra, exceto a injúria qualificada (art. 140, §3°, CP), são crimes de menor potencial ofensivo e devem ser processados perante os Juizados Especiais Criminais, já que as penas máximas abstratas não ultrapassam 2 (dois) anos.

A já citada, injúria qualificada (art. 140, §3°, CP), conforme dito, continua no procedimento especial adotado pelo Código de Processo Penal – arts. 519 a 523, pois sua pena máxima abstrata é 3 (três) anos, sob o regime de reclusão, sendo assim, não há como cogitar, neste caso, os juizados especiais criminais. Até nesse ponto tudo é pacífico, sem problema algum. Porém...

Há ainda uma controvérsia sobre o tema: A exceção da verdade. – Veremos a seguir:

Exceção da verdade (ou notoriedade)

Poderá o acusado alegar que é verdadeiro ou alegar que todos tenham conhecimento de que o fato imputado à vítima é verdadeiro, se a lei o permitir (nunca caberá na injúria). No primeiro caso é a exceção da verdade, no segundo, da notoriedade. Essas exceções são processadas simultaneamente com a ação, inclusive, neste mesmo ato, serão ouvidas as testemunhas, tanto de acusação, quanto as de defesa da ação e as da exceção.

Essas exceções só são admitidas na calúnia e na difamação.

Na calúnia a exceção não é admitida:

  • Se o crime for de ação penal privada – o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível;

  • Se o fato imputado for contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro, e;

  • Se o crime, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.

Na calúnia, é admitida a exceção por causa do próprio tipo penal. Vejamos:

"Art. 138. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime". (grifo nosso)

O tipo penal é claro ao dizer "imputar falsamente", sendo assim, para que se configure crime de calúnia, o fato imputado à eventual vítima, necessariamente, deve ser FALSO. Caso seja comprovado que o fato imputado é verdadeiro, o tipo penal não estará com seus requisitos preenchidos, portanto não será crime.

Na difamação, a exceção é admitida somente se o ofendido for funcionário público e a ofensa for relacionada com suas funções públicas. É possível a exceção neste caso, pois a Administração Pública tem interesse em apurar o fato depreciador por ele cometido nas suas funções ou em razão delas. Como Fernando da Costa Tourinho Filho diz – "A indevassabilidade da honra, nessa hipótese, por razões óbvias, encontra uma exceção".

Como é o procedimento da exceção? a) intimação do autor para contestar: Através de despacho, o juiz irá declarar se aceita ou não a exceção. Caso aceite, mandará intimar o querelante ou o MP para contestar a exceção em 2 dias, caso achem necessário (art. 523, CPP). b) Contestação do autor: Nesta contestação, o autor (querelante ou MP) poderá alterar o rol de testemunhas da petição incial, ou seja, poderá substituir ou completar o rol de testemunhas até então arroladas, não podendo, é claro, ultrapassar o limite legal de 8 (oito) testemunhas.

A oportunidade do acusado em argüir a exceção da verdade será logo após o Interrogatório, precisamente na Defesa Prévia (no procedimento especial dos crimes contra a honra). O acusado só pode argüir nessa oportunidade, sob pena de ter seu direito precluso. Em outra situação, o acusado não poderá argüir a exceção.

Para ressaltar, a "Exposição de motivos da parte especial do código penal", diz:

49. (...) A fides veri ou exceptio veritatis é admitida, para exclusão do crime ou de pena, ...

Pronto! Está instalado o problema.

E o problema não é só nos crimes comuns (Código Penal), mas também nos crimes de imprensa (Lei n° 5.250/67), especificamente na difamação – nesta lei, a pena máxima abstrata deste crime é de 18 (dezoito) meses – Art. 21, Lei n° 5.250/67, então se enquadraria também a um crime de menor potencial ofensivo. No caso da calúnia de imprensa, é também admitida a exceção da verdade (prova da verdade – Art. 20, Lei de imprensa), porém a pena máxima abstrata, neste caso, é 3 (três) anos, incabível portanto, o rito no Juizado Especial (a exceção, na lei de imprensa, será processada igualmente ao dos crimes comuns – art. 48, Lei n° 5.250/67).

Como processar a exceção da verdade na Lei n° 9.099/95 ???

A redação da Lei n° 11.313/06 é clara em afirmar que todos os crimes com pena máxima abstrata não superior a dois anos será, obrigatoriamente, processada pelos juizados especiais criminais.

Eu digo serem procedimentos incompatíveis, uma vez que a Lei n° 9.099/95 não comporta essa exceção, vejamos:

"Art. 2°. O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade..."

"Art. 62. O processo perante o Juízado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade..."

"Art. 65. Os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais foram realizados, atendidos os critérios indicados no art. 62 desta (9.099/95)". (adição e grifo nosso).

Estamos diante um conflito direto de normas, qual prevalece? A lei específica ou a lei nova?

A exceção da verdade (ou notoriedade) é um procedimento incidental (não é regra absoluta), sendo assim, os princípios da celeridade, simplicidade e economia processual, como a lei dos Juizados requer, não poderão ser cumpridas. Assim, a exceção da verdade não poderá ser processada no rito imprimido pelos Juizados Especiais Criminais, sob pena de não serem válidos (art. 65 da lei, exposto acima).

Então como ficará o direito, expresso na norma penal, do acusado?

Conclusão

Entendo que deve ser desconsiderada a Lei dos Juizados Especiais Criminais nos casos em que são admitidas as exceções da verdade (ou notoriedade – prova da verdade etc.).

Ao meu ver, se por qualquer motivo, os princípios da Lei dos Juizados não puderem ser cumpridas integralmente, será incompatível a adoção deste procedimento. Destarte, será necessário analisar qual é o procedimento adequado, seja ele especial ou não, que neste caso, ora estudado, é a do rito especial do código de processo penal – arts. 519 a 523.

Essa medida será possível, já que a regra dos arts. 2°, 62 e 65 da Lei n° 9.099/95 dão essa possibilidade, uma vez que são claras em não comportar um procedimento incidental. Se houver incidentes, conforme já explicitado, a lei dos Juizados Especiais se tornará incabível. A lei específica sempre deverá prevalecer sobre a lei nova, uma vez que a lei nova, nem sempre trata precisamente do assunto da lei específica, que por muitas vezes, requerem uma atenção especial – É o caso dos crimes contra a honra e a exceção da verdade.

Portanto, uma medida razoável dos operadores do Direito, nos casos em que exista qualquer incidente que não permita que se aplique, efetivamente, os princípios dos Juizados Especiais, é descartar esse rito e "voltar" ao que era anteriormente, mesmo com a obrigatoriedade da Lei 11.313/06. Assim, também, uma possível argüição de violação do Princípio do Contraditório estaria plenamente afastada.

Sobre o(a) autor(a)
Lucas Tadeu Lourencette
Jurista, possui bacharelado em Ciências Jurídicas pela Universidade de Sorocaba (2007). Parceiro do DireitoNet desde 2006.
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