Ação monitória em face da Fazenda Pública

Ação monitória em face da Fazenda Pública

O texto traz o procedimento monitório, bem como as posições e argumentos favoráveis e desfavoráveis quanto ao seu cabimento em face à Fazenda Pública.

Introdução

O procedimento monitório foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro com a Lei 9.079 de 14 de julho de 1995, sendo incluído no capítulo XV do livro IV, do Código de Processo Civil.

Em nome da efetividade da tutela jurisdicional foi intoduzida a ação monitória, que nada mais é que um mecanismo intermediário utilizado por aquele que não tem um título executivo, mas que também não precisa de dilação probatória, pois faz prova documental na petição inicial.

Trata-se de procedimento especial que visa impor celeridade na prestação jurisdicional, permitindo a satisfação de créditos não materializados em documentos aos quais a lei confere eficácia de título executivo. Logo, tal procedimento tem por escopo abreviar a formação do título, dispensando o moroso procedimento comum. É, sem dúvida, um instrumento necessário à efetividade da tutela jurisdicional. Ação Monitória

Trata-se de uma faculdade conferida ao credor de quantia certa, de coisa fungível ou de coisa móvel determinada, que possua documento escrito, sem eficácia de título executivo, comprovando seu crédito, para que possa ir a juízo requerer a expedição de mandado de pagamento ou de entrega de coisa. É um instrumento processual célere que visa a obtenção de título executivo judicial para dar ensejo à execução forçada.

Na lição de JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, a ação monitória traduz-se “no meio pelo qual o credor de quantia certa ou de coisa móvel determinada, cujo crédito esteja provado por documento hábil, requerendo a prolação de provimento judicial consubstanciado, em última análise, num mandado de pagamento ou de entrega de coisa, visa a obter a satisfação de seu crédito”[1].

Segundo CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO a ação monitória é “um meio rapidíssimo para obtenção de título executivo em via judicial, sem as complicações ordinariamente suportadas nos diversos procedimentos. Por ele, o titular de crédito documental obtém liminarmente um mandado de entrega ou pagamento (art. 1.102-b), que se tornará definitivo se o réu não lhe opuser embargos ou se não procederem[2].”

Cumpre salientar que é uma faculdade colocada a disposição do autor que, ainda que presente os requisitos da ação monitória, poderá valer-se de ação condenatória, em rito sumário ou ordinário.

A ação monitória, tal como quaisquer petições iniciais, exige observância ao disposto no artigo 282 do CPC no momento de sua propositura. Pressupõe o processo monitório a presença de prova escrita que traduzirá a plausibilidade do pedido firmada na existência de um direito. Tal prova deve necessariamente instruir a inicial, assinalando a existência do direito material deduzido em juízo.

Uma vez verificada a presença de todos os requisitos da monitória, o juiz deverá expedir o Mandado Monitório determinando que o demandado, em 15 dias, pague soma em dinheiro ou entregue coisa fungível ou bem móvel. Após a expedição do referido mandado, o devedor poderá: 1) cumprir a determinação (livrando-se das custas e da verba honorária); 2) permanecer inerte, convertendo automaticamente o mandado em título executivo e o feito prossegue em conformidade com o rito executivo previsto no Livro II, Título II, Capítulos II e IV do CPC; e 3) opõe embargos, em igual prazo, com efeito suspensivo sobre a eficácia do mandado inicial. Oferecido os Embargos cessa a fase de cognição sumária e o processo passa a seguir o rito ordinário, com amplo contraditório. Ação Monitória e a Fazenda Pública

A questão da admissibilidade da ação monitória contra a Fazenda Pública tem suscitado acirrada divergência tanto na doutrina quanto na jurisprudência.

Ocorre que a lei instituidora do procedimento não fez qualquer restrição quanto ao seu cabimento em face da Fazenda Pública. Pode-se perfeitamente concluir que assim agiu porque deliberadamente não quis limitar por entender pertinente e compatível tal procedimento nas causas que figure no pólo passivo a Fazenda Pública. É o que se entende da leitura do art. 1.102c e § 3º do CPC, aonde, ao prever que “a execução prosseguirá na forma do Livro II, Título II, Capítulos II e IV”, excluiu-se expressamente da abrangência da ação monitória tão-somente a execução das obrigações de fazer e de não fazer (Capítulo III, do Título II) e a execução dos créditos alimentícios (prevista no Capítulo V, do Título II), não havendo qualquer restrição quanto à aplicação do procedimento injuncional contra a Fazenda Pública, cuja execução é prevista no art. 730 e seguintes, dentro da Seção III do Capítulo IV, todos do Livro II, Título II, do CPC.

Ademais é princípio basilar de hermenêutica que não cabe ao intérprete da norma restringi-la onde o legislador expressamente não o fez. Aquele que ousa desrespeitar tal norma estará não só aniquilando um dos princípios básico de hermenêutica como também estará colaborando para a formação da desigualdade ao acesso à justiça, ferindo de morte o princípio da isonomia.

Dentre os principais argumentos da corrente doutrinária contrária ao cabimento da ação monitória em face da Fazenda estão:

a) A imperiosidade da obediência ao sistema dos precatórios preconizada no art. 730, do CPC e no art. 100, da CF. A saber:

“At. 730. Na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, citar-se-á a devedora para impor embargos em 10(dez) dias; se esta não os opuser, no prazo legal, observar-se-ão as seguintes regras:

I- o juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente do tribunal competente;

II- far-se-á o pagamento na ordem de apresentação do precatório e a conta do respectivo crédito.”

“Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida na designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para esse fim.”

Para o doutrinador Vicente Greco Filho descabe “ação monitória contra a Fazenda Pública, contra a qual deve haver título sentencial, com duplo grau de jurisdição, para pagamento por meio de ofício requisitório, tal como previsto no art. 100 da Constituição da República, e dotação orçamentária. Contra a Fazenda Pública não se admitem ordem para pagamento e penhora, devendo, pois, haver processo de conhecimento puro, com sentença de duplo grau de jurisdição e execução, nos termos do art. 100 da Constituição[3].”

b) A obrigatoriedade do reexame necessário no que tange a sentença proferida no julgamento dos embargos monitórios torna incompatível a conversão do mandado monitório em mandado executivo, ou seja, com a rejeição dos embargos, a sentença ficaria sujeita ao duplo grau obrigatório, inviabilizando a celeridade do procedimento.

Alguns argumentam pela impossibilidade de valer-se da ação injuntiva face a Fazenda, porque ausente a oposição dos embargos monitórios, implicaria na conversão imediata do mandado inicial em mandado executivo, sem passar pelo crivo do reexame necessário, o que seria inadmissível tendo em vista a referida pessoa jurídica; outros acentuam que no caso da ausência de embargos, tendo em vista a imperiosa necessidade do reexame obrigatório, não haveria o trânsito em julgado do mandado monitório.

c) Ausente o pagamento ou na falta de interposição dos embargos, não se operam em relação à Fazenda os efeitos da revelia, aplicável aos demandados comuns, pelo comando do art. 320, II do CPC, impedindo, assim, a obtenção de título executivo judicial.

d) É vedado à Fazenda Pública cumprir voluntariamente o mandado monitório, ante a indisponibilidade dos seus direitos.

e) Imprescindibilidade da sentença judicial: somente após uma sentença, ao final do processo de conhecimento, e após a decisão nos embargos à execução, poder-se-á requisitar o pagamento por intermédio do presidente do Tribunal de Justiça.

No entanto, há autores que defendem a admissibilidade da monitória em face à Fazenda Pública. Para essa corrente, importante é o fim visado pelo o procedimento monitório.

O que se visa na monitória é a formação de um título executivo judicial, possibilitando que o administrado público venha cumprir voluntariamente o mandado de pagamento ou de entrega de coisa, sendo tal conduta a mais condizente com o princípio da moralidade da administração pública.

Além do mais, acredita-se que as obrigações documentalmente assumidas pela Fazenda já contam com a necessária dotação orçamentária. Não se espera que a administração pública revele ser uma inadimplente contumaz, ao contrário, é de sua natureza cumprir todas obrigações assumidas. Contudo, pode ocorrer que incida em mora, tal conduta não significa, necessariamente, que deva ser demandada em ação ordinária para que o credor obtenha título executivo judicial e promova a cobrança pela via executiva prevista no art. 730 do CPC.

Ocorrendo mero atraso, nada impede que a administração cumpra voluntariamente o comando contido no mandado monitório. Para tanto, assim como as demais pessoas que não possuem sua particular característica, será citada para cumprir a obrigação no prazo de 15 dias. Na ausência de pagamento, ou deixando de embargar, ou ainda, sendo rejeitado os embargos, será constituído um título judicial, o qual deverá ser executado na forma do art. 730 do CPC.

A Fazenda será novamente citada, abrindo prazo de 10 dias para opor embargos, sem a necessidade de garantir o juízo. Observe que a fase executiva contra a Fazenda somente se inicia após o encerramento da fase cognitiva, esta é revestida de sumariedade, mas que permite a dedução de todas as matérias de defesa.

Em contraposição à primeira corrente –que não admite a monitória contra a Fazenda Pública – seguem vários argumentos pela sua admissibilidade:

1) A ação monitória comporta duas fases: processo cognitivo sumário e fase executória. Na primeira, constitui-se o próprio título executivo, por força da sentença condenatória proferida, que propiciará o prosseguimento da demanda na forma prevista no Título II do Livro II do Código de Processo Civil. Desta sentença caberá recurso voluntário por parte da Fazenda Pública e haverá o reexame necessário. Por se tratar de execução contra a Fazenda, na hipótese de execução por quantia certa, serão observadas as disposições de prazo e formas estipuladas pelo artigo 730, do CPC. Ao passo que, tratando-se de execução para entrega de coisa (artigos 621 e ss) o procedimento em face do particular ou da Fazenda Pública não difere.

2) A necessidade de expedição de precatório não representa óbice alguma à opção do credor pela via injuncional em face da Fazenda Pública, pois o título executivo obtido por esta via é antecedente à sua execução. Em outras palavras, como a execução do título judicial é posterior à ação monitória, nada impede que ela se dê em consonância com o art. 730, do Código de Processo Civil, respeitando aos ditames do art. 100, da Constituição Federal.

3) A remessa de ofício, para o reexame necessário pelo segundo grau de jurisdição, regra prevista no art. 475, inciso II do CPC, igualmente não representa empecilho à propositura da ação monitória contra o Poder Público. Isso se dá pelo fato de que ainda que ausente os embargos, deve ser observada a regra inserta no dispositivo legal supra referenciado.

4) O procedimento monitório exige prova pré-constituída, sendo ônus do autor provar sua pretensão, colacionando o documento apto a instruir o feito injuntivo, bem como provar os fatos constitutivos de seu crédito, ficando, com isso, relevada a incidência do art. 320, do CPC, ou seja, da revelia.

A indisponibilidade dos direitos da Fazenda Pública é relativa, pois nada impede que o administrador público cumpra voluntariamente o mandado de pagamento, sendo tal conduta, conforme já acima esposado, a mais condizente com o princípio da moralidade da administração pública.

Além disso, o procedimento injuntivo traz vantagem ao devedor que paga voluntariamente, cumprindo o mandado monitório, porque dispensa o pagamento de custas processuais e honorários advocatícios como preceituado no § 1o do art. 1.102, c, do CPC. Dessa forma, caso o administrador público opte por cumprir o mandado monitório, essa decisão até mesmo favorece a Fazenda Pública pela isenção mencionada.

5) Caso a Fazenda Pública interponha embargos se insurgindo contra a ação monitória, eles serão processados pelo rito ordinário, seguindo todos os ditames inerentes às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Nesse sentido, é a posição de Ada Pelegrini Grinover: “não vejo nenhuma incompatibilidade entre um procedimento que visa exclusivamente a abreviar o caminho para a formação de um título executivo e a execução deste título executivo contra a Fazenda Pública, que virá depois. O que se consegue, através do procedimento monitório, nada mais é do que o título executivo. Se posso fazer valer um título contra a Fazenda Pública, pelas formas próprias, adequadas a execução contra a Fazenda Pública, também posso constituí-lo de forma abreviada contra a mesma Fazenda Pública. Sem dúvida nenhuma há documentos escritos que podem ser utilizados e que não têm força de título executivo contra a Fazenda Pública, como, v.g., o empenho. Tratar-se-á somente de observar as prerrogativas da Fazenda Pública no procedimento monitório, benefício de prazo para embargar (contestar) e talvez, a garantia do duplo grau quando a sentença condicional se consolidar. Apenas em caso de não oposição de embargos, a Fazenda Pública poderá embargar a execução de maneira ampla, mas essa visão não se aplica só a ela, mas a qualquer devedor que não tenha impugnado o mandado inicial[4]”. Conclusão

O procedimento monitório foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei 9.079, de 14 de julho de 1995, e tem como finalidade principal conferir maior celeridade processual às causas fundadas em prova escrita, sem eficácia de título executivo, mas que materializa obrigação de dar quantia certa, ou entregar coisa fungível ou bem móvel, visando, sem a morosidade do procedimento ordinário, constituir o título executivo.

Apesar da divergência doutrinária em torno da admissibilidade da ação monitória em face da Fazenda Pública, parece-nos mais acertada aquele que entende cabível.

Concluímos pela absoluta compatibilidade entre a ação monitória e os preceitos processuais estabelecidos para a execução em face da Fazenda Pública. Tanto é verdade que a necessidade de expedição de precatório não constitui óbice à opção pela via monitória, tendo em vista que o título executivo por intermédio dela obtido é antecedente à sua execução.

Caso haja apresentação dos embargos, o processo passa a seguir o rito ordinário, com todas as garantias inerentes a esse procedimento, inclusive o contraditório.

O reexame necessário em face das sentenças contrária à administração pública não afasta a admissibilidade da ação monitória, pois o que esta visa é impor celeridade na formação do título executivo. A aplicação do artigo 475, II, do CPC não impede que se alcance a brevidade almejada com a cognição sumária. E, ainda que ausente os embargos monitório, a decisão deverá ser submetida ao crivo do reexame necessário.

O argumento de que a administração pública não sofre os efeitos da revelia também não constitui empecilho, uma vez que a revelia é mitigada tendo em vista que o processo monitório exige prova pré-constituída, cabendo ao autor o ônus de colacionar o documento hábil a instruir sua pretensão, o qual materializa o seu direito.

E ainda, a indisponibilidade do direito da Fazenda Pública é relativa, pois nada impede que a mesma cumpra voluntariamente o mandado de pagamento ou que se sujeite à execução fundada no título executivo obtido pela via monitória.

O procedimento monitório constitui um benefício à Fazenda Pública, pois havendo satisfação voluntária fica isenta do pagamento dos honorários advocatícios.

Desta forma, os princípios constitucionais e processuais que norteiam as ações contra a Fazenda Pública não representam empecilho ao cabimento da ação monitória contra tais entes públicos, ainda que, contenha em seu bojo prestação pecuniária. É inegável a vantagem alcançada com a desnecessidade de se propor uma nova ação (de execução), sendo menos dispendiosa e mais célere a conversão da fase cognitiva em executiva.

[1] CRUZ E TUCCI, José Rogério. Ação monitória. 2ª ed. São Paulo, 1997, p. 68.

[2] DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do código de processo civil. São Paulo : Malheiros, 1995, p. 230.

[3] GRECO FILHO, Vicente. Comentários ao procedimento sumário, ao agravo e à ação monitória. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 52.

[4] GRINOVER, Ada Pelegrini. Ação monitória. RJ Consulex, Ano I, nº 06, 1997

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Luciana Andrade Maia
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