Progressão de regime em crimes hediondos

Progressão de regime em crimes hediondos

Aborda a decisão do STF que reconheceu a inconstitucionalidade do artigo 2º, §1º da Lei 8.072/90, ao alegar a violação do princípio constitucional da isonomia e da individualização da pena, concedendo a progressão de regime em crime hediondo.

INTRODUÇÃO

No último dia 24/03/2006, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu, por seis votos a cinco, “Habeas Corpus” a um pastor evangélico condenado por molestar crianças, crime considerado hediondo, reconhecendo a inconstitucionalidade do artigo 2º, §1º da Lei 8072/90, que proíbe a progressão de regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos, ao alegar a violação do princípio constitucional da isonomia e da individualização da pena.

Sendo esta a primeira vez que um condenado recebe o benefício, entende-se que a decisão abriu caminho para que outros condenados recorram a justiça, pleiteando o mesmo direito. No entando, existem requisitos a serem analisados, que levam em consideração o bom comportamento do preso e  o cumprimento de no mínimo 1/6 da pena. Crime Hediondo (Lei 8072/90)

A Lei dos crimes hediondos foi promulgada em decorrência do apelo da sociedade, no final dos anos 80, que sofria a insegurança de um país violento, sem leis severas em relação a alguns crimes.

O primeiro apelo da população por uma providência do Poder Legislativo, ocorreu devido ao seqüestro dos empresários Roberto Medina e Abílio Diniz, que fizeram com que após 15 dias do fato, a Lei fosse aprovada.

Assim, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, XLIII, estabeleceu que os crimes definidos como hediondos, seriam insuscetíveis de fiança, graça ou anistia, não podendo o réu apelar em liberdade. Através dessa medida, a Carta Magna decidiu por punir os agentes com maior severidade, nos crimes considerados mais repugnantes.

No artigo 1º da Lei 8.072/90, além de não conceituar o que venha a ser “Crime Hediondo”, ao elencar os crimes, diz-se que o legislador simplesmente os rotulou como tal, pois, ao se estabelecer como hediondo um crime, não levou em consideração sua gravidade, modos de execução ou os motivos que levaram à prática delituosa. Nesse caso, a proibição da progressão de regime configura alguns casos carentes de razoabilidade, que trazem desproporcionalidade na lei, por conseqüência de seu rigor, como, por exemplo, os crimes de falsificação de cosméticos e beijo lascivo, dos quais o legislador acabou capitulando como hediondos.

Como resultado desse rigor penal, observa-se mais rebeliões, maiores índices de reincidência e maior atuação das organizações criminosas dentro das penitenciárias. Progressão de regime

O Brasil adotou em seu sistema, o regime progressivo, através do qual o condenado pode progredir de um regime mais severo, para um mais brando, ou seja, a possibilidade de o condenado ser transferido, com o objetivo de sua ressocialização perante a sociedade, quando demonstra condições de se adaptar a esse regime, de acordo com o artigo 112 da Lei 7.210/84.

Por força do artigo 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, os condenados por crime hediondo ou equiparado, devem cumprir a pena integralmente em regime fechado, o que segundo alguns doutrinadores não fere o artigo 5º, XLVI da CF, como expressa Julio Fabbrini Mirabete quando diz que ”a lei considerou tão graves tais delitos que os seus autores devem ser considerados de periculosidade ímpar, a merecer a segregação mais severa”.

Porém pelo entendimento de outros autores, e jurisprudência do STF, o regime integralmente fechado ofende o princípio constitucional de individualização da pena, estabelecido pelo art. 5º, XLVI da CF. Individualização de pena

A Constituição Federal em seu artigo 5º, inc. XLVI, assegura o direito de individualização de pena a todos os condenados. Através desse princípio a pena deve ser individualizada nos planos legislativo, judiciário e executório, evitando que a sanção penal seja padronizada, levando-se sempre em consideração a personalidade do agente.

A Lei 8072/90 em seu artigo 2º, §1º, estabelece que a pena deverá ser cumprida integralmente em regime fechado, entretanto, o artigo 82, inc. V do Código Penal, possibilita o livramento condicional em se tratando de crime hediondo, desde que cumpridos mais de 2/3 da pena. Sendo assim, se há previsão de livramento condicional, o condenado não está obrigado a cumprir a totalidade da pena em regime fechado, por poder aguardar pelo período de quase 1/3 da pena em liberdade, o que gera uma contradição em relação a proibição da progressão, pois é por meio desta que se poderá avaliar as condições subjetivas do condenado, para que assim possa lhe ser concedido o livramento condicional.

Na opinião do advogado Daniel Pacheco Pontes [1], em entrevista concedida exclusivamente ao DireitoNet, ao perguntarmos se a progressão de regime afronta a individualização da pena, ele respondeu que “Sim, do meu ponto de vista a vedação à progressão de regime afronta o princípio da individualização da pena. Isso ocorre porque, de acordo com esse princípio, o cumprimento da pena deve ser individualizado, isto é: devem ser respeitadas as particularidades de cada caso concreto, de modo que cada condenado tenha um programa individual feito especialmente para ele de cumprimento da sua pena. Assim, quando a referida lei veda a progressão de regime, desrespeita a idéia da individualização, uma vez que iguala todos os condenados, determinando que nenhum deles tem direito à progressão, pouco importando o seu histórico, comportamento, personalidade... Além disso, a vedação da progressão acarreta todos os problemas acima mencionados”.

De acordo também com o Ministro Eros Grau que votou a favor da inconstitucionalidade do §1º do art. 2º da Lei 8.072/90, a proibição de regime afronta a individualização da pena, pois o legislador não pode impor regra fixa que impeça o julgador de individualizar caso a caso a pena do condenado. “O cumprimento da pena em regime integral, por ser cruel e desumano importa violação a esses preceitos constitucionais”, disse Eros Graus, finalizando que a declaração de inconstitucionalidade da proibição de progressão de regime, não irá configurar, a abertura de portas de presídios, pois, caberá ao juiz da execução penal a decisão final.

Contudo, os Ministros esclareceram que a declaração de inconstitucionalidade não gera conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas. Portanto, o Estado não deve ser responsabilizado pelas penas cumpridas de maneira excessiva e ao avaliar os pedidos de progressão de regime, os juízes podem considerar o exame criminológico e outros meios de prova, como requisitos básicos para sua concessão. Progressão de pena e as condições do preso

Segundo o Presidente seccional paulista da OAB, Luiz Flávio Borges D'Urso [2], “A lei funciona há 15 anos, como uma negativa à ressocialização do preso e como um reforço da tese de que o regime fechado, é a única solução para as ações delitivas. Nem o Estado, o Legislativo, o Judiciário ou a sociedade têm mais dúvidas de que não é a pena que inibe o criminoso, mas a certeza da punição.”

Sendo assim, podemos concluir  que o preso mantido em regime fechado, sem benefícios, vêm agravando o problema da superlotação carcerária e refletindo na administração penal, uma vez que o preso sem motivação para manter boa conduta, comete atos de violência e planos de fuga, que muitas vezes pode acarretar em rebeliões, causando pânico à sociedade.

Pena não pode ser sinônimo de destruição da pessoa. De outro lado, a sociedade também tem a ganhar com uma pena mais humana porque o sujeito que sai da cadeia não sai tão embrutecido, sairá mais humanizado”, de acordo com o Conselheiro Federal da OAB, Alberto Zacharias Toron [3] ao analisar proposta de alterações na Lei dos Crimes Hediondos.

Isso nos conduz ao pensamento de que de nada adianta uma reação punitiva do Estado, se não houver a ressocialização do criminoso, para readaptá-lo ao convívio social, pois a função intimidativa da pena deve estar em concordância com o dever que tem o Estado de assegurar seu cumprimento e assim, criar oportunidades aos presos, podendo construir presídios agrícolas e industriais, ou melhorar as condições de reeducação destes com o fim de proporcionar ao apenado sua reintegração à sociedade em vez de de serem os presídios meros depósitos de presos.

O Ex-ministro do Supremo, Nelson Jobim, também concorda e defende mudanças na Lei, para que, em casos de bom comportamento dos presos, estes tenham suas penas abrandadas, considerando que o rigor excessivo das penas que hoje são aplicadas a esses crimes não diminui a criminalidade e não contribui para a recuperação do criminoso.

Por outro lado, há entendimentos contrários, como o do Promotor Breno Lintz , que afirma que essa decisão do STF irá permitir que os presos fiquem pouco tempo detidos, citando como exemplos, um condenado por homicídio que ficará somente 2 anos na prisão, assim como um grande traficante, que permanecerá por apenas 6 meses.

Mas, como disse o Ministro Marco Aurélio Mello, com relação à decisão proferida pelo STF, a progressão de regime além de reduzir a população carcerária brasileira, só recairá sobre as penas de presos que merecerem por bom comportamento, distinguindo-os dos demais delinqüentes, ressalvando que o Supremo não incentiva a prática de novos delitos, uma vez que o criminoso reincidente deverá ser punido com a regressão de regime e sendo assim, as penas por crimes hediondos continuarão as mesmas.

Ainda em entrevista concedida exclusivamente ao DireitoNet, ao indagarmos a decisão do STF, o advogado Daniel Pacheco Pontes acrescenta que “A decisão do STF não causará qualquer tumulto ou desequilíbrio. Primeiro porque, como disse, a progressão não será automática para ninguém, cada caso será analisado individualmente, só cabendo a progressão quando realmente for recomendável. Além disso, tendo em vista a escassez de vagas no regime semi-aberto e a inexistência de casas de albergado, pouca coisa deve mudar na prática. E, de qualquer forma, entendo que qualquer medida que contribua para a ressocialização deve ser adotada para um maior benefício da sociedade”. Conclusão

A Lei de crimes hediondos, apesar de ter como objetivo maior severidade em relação às penas dos criminosos, tem-se visto que nos últimos anos, não contribui muito para o combate à criminalidade, não diminuindo sequer os elevados índices de delinqüência no Brasil.

Contudo, a população carcerária vem aumentando a cada dia e hoje já são mais de 300 mil presos, o que acaba por gerar conseqüências drásticas ao nosso sistema penitenciário, devido à superlotação e rebeliões em presídios. Além disso, de nada adianta penalizarmos o preso de maneira rigorosa, de modo a desejarmos seu sofrimento na cadeia, pois nessa condição, ao ser libertado, poderá gerar prejuízo à sociedade, ao passo que não estará em condições de ressocialização, devido também ao não cumprimento da Lei pelo Estado que impõe medidas educativas aos condenados.

Assim, com a decisão do STF em conceder a progressão de regime em alguns casos de crime hediondo, devemos entender que não se trata meramente de um benefício a um criminoso que cometeu um crime grave e sim uma maneira de reintegrá-lo paulatinamente à sociedade, observando suas condições pessoais, como por exemplo, seu bom comportamento e a gravidade de seu ato delituoso. Dessa maneira, devemos chegar à conclusão que a progressão de regime está muito mais ligada aos interesses da sociedade, por razão técnica, do que ao direito dos presos.

Ao analisar esses fatos, podemos concluir que com a progressão de pena, poderá o preso ter seu direito antecipado de forma que essa dose de progressividade irá reintegrá-lo antes que passe tempo suficiente na cadeia para se tornar um agregado, pois há certeza de que um dia será libertado mesmo sem a progressão ou livramento condicional, porém sem condições de viver em sociedade. “Ensinar alguém a viver em sociedade segregando-o desta é o mesmo que querer ensinar alguém a jogar futebol dentro de um elevador”,  argumenta o professor Zaffaroni [4].

 

[1] Pontes, Daniel Pacheco. Advogado, professor de Direito Penal e doutorando em Direito Penal pela USP.

[2] D'Urso, Luiz Flávio Borges. Em entrevista concedida ao site oficial da Ordem dos Advogados do Brasil – Conselho Federal - http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=6412&arg=progress%E3o

[3] Toron, Alberto Zacharias. Em entrevista concedida ao site oficial da Ordem dos Advogados do Brasil – Conselho Federal - http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=6401&arg=progress%E3o

[4] Zaffaroni, Eugênio Raul. Professor titular e diretor do Departamento de Direito Penal e Criminologia na Universidade de Buenos Aires, doutor honoris causa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e vice-presidente da Associação Internacional de Direito Penal.

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