A urgência da reforma processual com relação às medidas cautelares: aspectos relevantes na concepção do novo Código de Processo Civil

A urgência da reforma processual com relação às medidas cautelares: aspectos relevantes na concepção do novo Código de Processo Civil

Análise do projeto do novo Código de Processo Civil em trâmite no Congresso Nacional, abordando as mudanças que ocorrerão no processo civil de forma genérica e, especificamente, no campo do processo cautelar.

Muito se tergiversa na academia jurídica acerca das mudanças que ocorrerão nas medidas cautelares a partir da reforma/edição do novo Código de Processo Civil, cujo projeto tramita no Senado da República sob o número 166/2010. O motivo da agitação se descortina no fato de que a nova lei processual prevê o fim das medidas cautelares na forma como são hoje concebidas, dividindo-as, desta feita, em medidas de urgência e evidência, agrupando, ainda, sob um mesmo título, as medidas atinentes à antecipação da tutela.

Antes, porém, calha destacar que o projeto iniciado em 2010 é ainda, apenas, um projeto. Nada há de definitivo. O novel texto legal ainda necessita passar pelas duas câmaras, numa aprovação impregnada de discussões e debates. Portanto, considerando a realidade legislativa brasileira e os inúmeros exemplos que se antecedem, o caminho rumo à aprovação é ainda longo e tortuoso. Neste sentido, convém insistir que, muito embora juristas de renome (Min. Luiz Fux, por exemplo) acreditem numa aprovação ainda neste ano, a medida se torna deveras difícil, já que se trata de ano legislativo iniciado conjuntamente com governo novo que se inicia agora e cujas reformas e prioridades ocuparão papel de destaque na pauta do Congresso Nacional.

Ademais, o périplo de Miguel Reale (jurista brasileiro de reputação respeitada, sobretudo no exterior) para ver aprovado o novo Código Civil durou mais de 30 anos e a proposta de mudança do Código de Processo Penal, ainda em curso, iniciou também com uma perspectiva de rápida aprovação e vem se arrastando pelas inúmeras comissões legislativas, com a rapidez e agilidade que lhes são peculiares, de modo que não se acredita em mudanças imediatas.

E razões há para isso. Ora, transmutar a responsabilidade pela demora na tramitação dos processos à lei processual e por isso atribuir a ela a necessidade uma aprovação rápida é, senão, uma injustiça. Seria uma ingenuidade acreditar que com a decretação do fim do agravo retido, dos embargos infringentes ou com o agrupamento das medidas cautelares e das tutelas antecipadas o Judiciário, de per si, andaria de forma mais célere. O problema do excesso de processos sem movimentação nos escaninhos forenses o é muito pouco em razão de deficiência legislativa e, sim, da falta de investimentos em estrutura (sobretudo nas comarcas do interior) e na letargia do funcionalismo público, hoje em dia muito preocupado com seu subsídio e por demais desidioso no cumprimento daquele que é o seu mister: servir.

Neste interregno, é de consignar que o debate acerca do formato e dos institutos que nortearão o novo Código de Processo Civil não pode ser açodado. A qualidade dos textos legislativos que emanam do Congresso Nacional não nos permite agir de forma diversa: inúmeras ações são distribuídas diariamente em razão de erros legislativos, pequenas incorreções textuais e outros equívocos, cujo exemplo maior é a celeuma que se instalou sobre a chamada “Lei da Ficha Limpa”, hoje sub judice em razão de uma inadequação do tempo verbal da palavra “condenar”.

O impacto destes sutis equívocos na lei adjetiva e na lide forense quotidiana é muito grande (quanto tempo demoraria a se estabelecer, jurisprudencialmente, o marco inicial de um prazo cuja previsão em lei é obscura?) e, por isso, todo o texto deve ser amplamente debatido num processo exauriente que envolva, sobretudo, aqueles que manejam a prestação jurisdicional desde o seu início.

Não se pode perder de vista, entretanto, que, com o advento da Constituição Federal promulgada em 1988, os acessos ao Judiciário se tornaram muito mais freqüentes e, por isso, a demanda cresceu a passos largos, sobrecarregando os órgãos jurisdicionais. A corroborar esta linha de entendimento, frase lapidar e que se amolda perfeitamente a esta concepção foi proferida pelo desembargador catarinense Paulo Henrique Moritz Martins, integrante da comissão especial instituída pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) para oferecer subsídios à elaboração da proposta do novo CPC, verbis:

“A nova ordem constitucional despertou uma onda de acesso ao Judiciário. Hoje há uma judicialização da vida. Passamos a prestar uma jurisdição de massa. O nosso mercado não é mais de varejo, e sim de atacado”.

Desta feita, o aprimoramento da lei processual não flexibilizará totalmente o Judiciário, mas é instrumento importante a ser utilizado para este fim, sobretudo no campo das cautelares, hoje dispersas e perdidas num debate estéril.

As cautelares no novo Código de Processo Civil

Trespassadas estas questões de cunho genérico, convém adentrar no campo próprio das cautelares.

A estrutura em que as medidas de cunho cautelar se encontram dispostas, hoje, na legislação processual vigente, permite leituras erradas e uma utilização torta. Isso decorre do fato de que, uma vez tomando em nota que a medida cautelar serve para assegurar a eficácia de um pleito principal ou a conservação de um direito, o sujeito que dela necessita lançar mão carece de um provimento célere, sob pena de ver solapado o seu direito em substância.

Daí é que a disposição do processo cautelar, hoje, se encontra na contramão desta via: as cautelares de cunho preparatório necessitam do ajuizamento de um processo precedente, autônomo e moroso (muito embora um de seus pressupostos seja a urgência), o que, muitas vezes, o torna despiciendo em razão do perecimento do direito cuja segurança ou conservação se buscava.

A situação, que já foi pior, tem melhorado com a inserção do parágrafo 7º no art. 273 do Código de Processo Civil pela Lei 10.444/02, que assim prevê:

Art. 273 (...)

§ 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.

Este instituto, decorrente do princípio da fungibilidade, permitiu que o juiz, no curso de um processo principal, deferisse ao autor uma medida de caráter cautelar requestada em sede de antecipação de tutela, evitando o nascimento de um novo processo com tramitação em apenso e seguimento autônomo.

As boas consequências desta inserção no art. 273 do Código de Processo Civil são notáveis, posto que a adoção destas medidas na forma inteligentemente prevista produz um resultado tripartite, ou seja, é rápida, satisfaz o interesse do autor e não tumultua os autos, permitindo o seu manuseio ainda com destreza, já que não gera um incidente de prosseguimento em apenso.

A nova codificação processual civil precisa seguir esta linha de agudeza, o que, admite-se, é bastante difícil, já que ao assegurar a celeridade na tramitação processual é preciso, também, garantir que a parte adversa tenha meios e garantias de se defender e de contraditar, sob pena de ineficácia do provimento do ponto de vista da ordem constitucional vigente.

Felizmente, o legislador parece ter sido feliz ao escolher a Comissão Especial para Reforma do Código de Processo Civil, presidida pelo Ministro Luiz Fux e formada por integrantes da estirpe de Humberto Theodoro Júnior e Elpídio Nunes. É o que se derrui de recente entrevista concedida pelo primeiro à revista de cunho jurídico ConJur, verbis:

 ConJur - Há muitas críticas quanto às cautelares, tutela antecipada e agravo retido. Isso vai acabar?

Luiz Fux - Na verdade isso é uma forma de decisão judicial. Há uma decisão depois de um processo de amadurecimento dos fatos e do direito, aplica-se a sentença, define-se o direito. Há casos em que você já tem o direito definido e você realiza o direito. E há casos em que você tem situações de risco em que você tem de preservar para que as condições ideais da Justiça sejam prestadas. Não se pode admitir que numa ação de dissolução de uma sociedade, um sócio aliene todo o patrimônio porque quando chegar a hora de dissolver a sociedade não tem mais nada. Numa ação de execução, se você deixar o devedor alienar tudo, quando chegar a hora de executar não tem mais bens para sofrer os efeitos da decisão judicial. Só que hoje o código tem um livro próprio sobre isso, com uma série de medidas complicadas, pressupostos, requisitos que dão margem a discussões estéreis. Nós vamos esgotar na parte geral do código uma forma específica de justiça para esses casos de tutela jurisdicional, que vai ser a tutela jurisdicional de urgência. Haverá uma previsão da possibilidade do juiz prover de forma urgente e ele vai dar a solução sob a medida que o caso reclama. Nós vamos acabar com o livro de processo cautelar. Isso passa a ser um poder que o juiz tem de defesa da jurisdição. Ele tem de prestar a Justiça, então não pode deixar que a justiça se frustre. Ele tem de dar uma solução que permita evitar que quando ele for decidir não haja mais possibilidade de obter-se um resultado útil.

O que muda com a nova redação processual

Se o projeto do novo Código de Processo Civil não sofrer alterações e for aprovado na forma como foi enviado ao Congresso Nacional, as ações cautelares nominadas serão extintas. Adotou-se, pois, a regra no sentido de que basta à parte demonstrar o fumus boni iuris e o periculum in mora no bojo do seu caso para que a medida pleiteada seja conhecida. Note-se, portanto, que houve uma concessão maior ao poder geral de cautela do juiz e, em razão disso, uma ausência de preocupação do legislador em prever situações fáticas que poderiam ser juridicamente abrigadas, tanto que as cautelares nominadas foram, pelo projeto, extintas.

Importa destacar, ainda, a criação das tutelas sumárias ou de evidência, que consistem na previsão de situações processuais de cunho jurídico cuja verossimilhança já foi bastante externada e que, portanto, independeriam do perigo da demora para serem concedidas.

Em suma, todo o procedimento cautelar já viria exposto na parte geral do Código de Processo Civil, acabando-se, por efeito, com o livro específico. As tutelas de urgência e de evidência poderiam ser requeridas antes ou no curso do procedimento em que se pleiteia a providência principal. Não tendo havido resistência à liminar concedida, o juiz, depois da efetivação da medida, extinguiria o processo, conservando-se a eficácia da medida concedida, sem que a situação ficasse protegida pela coisa julgada. Impugnada a medida, o pedido principal deveria ser apresentado nos mesmos autos em que tiver sido formulado o pedido de urgência.

Numa análise axiológica do novo CPC, o que se denota é uma preservação com relação ao Código de Processo Civil de 1973, posto que princípios informativos importantes, como a inexistência de coisa julgada material, a provisoriedade e o poder geral de cautela do juiz restariam mantidos. As mudanças, portanto, ocorreriam sobremaneira no campo do procedimento.

Assim, considerando que as medidas cautelares são e continuarão sendo amplamente necessárias à conservação e assecuração de direitos, as mudanças propostas somente vêm a enveredar por este caminho. Adequações importantes no quadrante procedimental eram necessárias e serão feitas de forma inteligente, trazendo o processo civil brasileiro à realidade do século que se vive, o tornando muito mais propenso à adequação às tecnologias direcionadas também a este fim, como o processo eletrônico e a informatização da Justiça.

Enfim, ganham todos. Mas a reforma/edição do novo Código de Processo Civil não pode servir de tangente para que os outros percalços que atravancam o Judiciário não sejam resolvidos de forma efetiva. São anos de falta de investimentos, de falta de qualificação e contratação do funcionalismo e de desídia dos outros poderes para com os problemas que terminam no Judiciário.

Milhões de contendas não seriam instaladas não fossem os erros legislativos quando da redação das leis e outras milhões de demandas não seriam propostas se o Executivo cumprisse suas obrigações sociais e fiscais. E a raiz destes problemas não é o Judiciário. A forma de resolvê-los, portanto, não passa só por este poder e a lei processual civil é, apenas, a ponta de um grande iceberg. Porém, as mudanças no procedimento cautelar, no sentido de torná-lo mais célere e eficaz, são positivas e se coadunam com a premente necessidade da parte que necessita fazer uso dele para evitar que direito seu se perca.

Sobre o(a) autor(a)
Guilherme Nardi Neto
É advogado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Santa Catarina, sob o número 35.635.
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