Por que punir?

Por que punir?

Por que punir? Como punir? Quando e a partir de que idade punir? Onde punir? Longe de se esgotar, este assunto apaixonante provoca debates acalorados das mais diversas correntes.

"Quem procura o fundamento jurídico da pena deve também procurar, se é que já não encontrou, o fundamento jurídico da guerra". Tobias Barreto.

Muitos autores já se debruçaram sobre o tema da punição: Porque punir? Como punir? Quando e a partir de que idade punir? Onde punir? Longe de se esgotar, este assunto apaixonante provoca debates acalorados das mais diversas correntes. Desde os abolicionistas radicais da pena até aqueles que desejam que os condenados sejam torturados antes de morrerem.

Afinal, qual seria o conceito de pena?

Para Tobias Barreto: "O conceito da pena não é um conceito jurídico, mas um conceito político. Este ponto é capital. O defeito das teorias correntes em tal matéria consiste justamente no erro de considerar a pena como uma conseqüência do direito, logicamente fundada (...). Que a pena, considerada em si mesma, nada tem que ver com a idéia do direito, prova-o de sobra o fato de que ela tem sido muitas vezes aplicada e executada em nome da religião, isto é, em nome do que há de mais alheio à vida jurídica".

A punição faz parte da vida em sociedade, os pais castigam os filhos por algo que fizeram de errado ou por algo que deixaram de fazer, castigo físico, privação de liberdade, censura moral, há também a censura da sociedade e, finalmente, o Estado, como ente maior, que impõe sua vontade através da força, amparado no ‘contrato social’ que todos são ‘signatários’.

O problema, numa sociedade desenvolvida em um Estado democrático de direito é o limite da pena, qual a intensidade ela deve atingir, qual o modelo a seguir, o que a sociedade deveria buscar. Esses questionamentos, até hoje, buscam respostas eficientes.

A melhor solução seria evitar que o crime acontecesse para evitar ter que puni-lo. Várias teorias são apresentadas para tentar atingir esse patamar, no entanto, como se pode notar pela criminalidade crescente, não conseguiram atingir seu objetivo. Na falta da solução perfeita busca-se, ao menos, diminuir os males causados pelas penas.

O garantismo apresenta-se como uma alternativa viável aos modelos de criminalização excessiva e punição desproporcional, e como modelo alternativo ao proposto pela teoria abolicionista.

O abolicionismo para Alessandro Baratta é uma utopia. Não há mudança sem utopia, no momento em que o homem renuncia à utopia acaba por renunciar sua própria condição humana. Para os absolutistas havia dois modelos, um primitivo e outro disciplinador. O primeiro modelo revela aquele estado de natureza, um estado isento de legalidade e limites às liberdades, um estado de barbárie que violava os direitos sem nenhuma moderação. O outro modelo é do tipo educacional, de limpeza sócio-política.

Estas alternativas instauram sistemas de controle social sem regulamentos, que passam a ser incontroláveis. O direito penal e processual modernos são essencialmente limitativos, sua abolição implicaria a eliminação destes limites impostos pelo Estado ao seu próprio poder de punir.

A grande crítica atual às tendências administrativistas e privativistas que estão sendo gradualmente transpostas ao sistema penal é exatamente o rompimento com os princípios garantidores básicos. Das lesões ao princípio da legalidade, às possibilidades de composição e reparação do dano, já nos proporcionam sérios indícios da insensatez destas idéias. O inquérito policial e a execução penal dão alguns argumentos possíveis para negar esta tendência e reivindicar a plenitude das garantias penais e processuais.

A pena privativa de liberdade, expressão máxima do poder punitivo do Estado, tendo como base as funções manifestas que a legitimam. Estas funções decorrem das inúmeras teorias elaboradas ao longo do tempo, de modo a justificar a imposição desta sanção penal e apontar suas finalidades.

As teorias que tentam justificar a aplicação da pena foram divididas em duas grandes vertentes: as Teorias Absolutas e as Teorias Relativas. As teorias absolutas concebem a pena como um fim em si mesma, prescindindo de qualquer outra finalidade. As teorias relativas, preventivas, baseiam-se na idéia de defesa social, entendendo ser a função da pena inibir, o quanto possível, a prática de novos delitos.

Deve-se punir para: compensar uma prática delituosa, intimidar a ação de futuros delinqüentes, consolidar o sentimento de confiança na lei, proteger temporariamente a sociedade das ações do criminoso e reabilitar o infrator.

Desta forma, o Direito Penal não tem contribuído para a diminuição das disparidades sociais, pois atua sobre as conseqüências e não sobre as causas da violência.
Atualmente alguns princípios envolvem a pena de liberdade: os princípios da humanidade, da proporcionalidade, da pessoalidade e individualização da pena.

No princípio da humanidade não se pode conceber a aplicação de sanções que atentem contra a dignidade da pessoa humana ou atinjam a constituição físico-psíquica dos condenados. Consagrado no Direito Penal moderno a partir de idéias nascidas no Iluminismo, onde se deu um maior destaque aos direitos inerentes à condição humana, o princípio da humanidade é hoje o grande responsável pela não adoção da pena capital ou da prisão perpétua. Por ele restaram proscritas as penas cruéis, houve a proibição da tortura e maus-tratos nos interrogatórios policiais, e foi imposta ao Estado a obrigação de dotar sua infra-estrutura carcerária de meios e recursos que impeçam a degradação e a ‘dessocialização’ dos condenados. Zaffaroni sustenta que esse princípio determina a inconstitucionalidade de qualquer pena ou conseqüência do delito que crie um impedimento físico permanente (morte, amputação, castração ou esterilização, intervenção neurológica, etc.), como também qualquer conseqüência jurídica indelével do delito.

A Constituição Federal brasileira consagra este princípio em diversas passagens e já em seu primeiro artigo estabelece como fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88). Mais adiante assegura que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI,CF), dispondo que não haverá penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, (art. 84º, XIX, CF); de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento, e cruéis (art. 5º, XLVII, CF).

O princípio da proporcionalidade busca a aplicação da pena justa. A pena deve estar proporcionada ou adequada à magnitude da lesão ao bem jurídico representado pelo delito. O princípio da proporcionalidade revela-se como princípio proibitivo de excesso. Busca-se, assim, a proteção de princípios constitucionais, sobretudo os referentes à liberdade individual.

O princípio da pessoalidade da pena (art. 5º, XLV, CF), diz que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado...”. Isto quer dizer que a sanção penal deve atingir apenas a pessoa do sentenciado, não podendo ser estendida a pessoas que não praticaram o crime, ainda que de certa forma vinculadas ao delinqüente.
Zaffaroni entende que a pena é uma medida de caráter estritamente pessoal, em virtude de consistir numa ingerência ressocializadora sobre o apenado. Daí que se deva evitar toda conseqüência da pena que afete a terceiros.

O princípio da invidualização da pena é citado na Constituição Federal “a lei regulará a individualização da pena...” (art. 5º, XLVI). Por este princípio o julgador está obrigado a fixar a pena conforme a cominação legal, determinando a sua forma de execução.

Para Nélson Hungria, “retribuir o mal concreto do crime, com o mal concreto da pena, na concreta personalidade do criminoso”.

No Brasil, da atualidade, vigora o sistema retributivo de pena, por mais que se deseje tentar apregoar as penas um sentido ressocializador, na prática, nos presídios brasileiros, não é o que se observa, como bem demonstraram os filmes “JUSTIÇA”, “PRISIONEIRO DA GRADE DE FERRO” e “CARANDIRU”. Nota-se ainda uma regressão na qualidade do sistema carcerário quando se compara o sistema atual com o mostrado no filme “CARANDIRU EM 1928”. O sistema medieval retributivo é o de se pagar um mal com outro mal é muito questionável que benefício este tipo de pena pode trazer para o meio social. Nos moldes que hoje é o sistema penitenciário brasileiro a pena representa vingança, não é possível prever as conseqüências futuras que essa vingança pode vir a acarretar.

No âmbito da prevenção geral, o que se observa é que ela está levando à cominação de penas cada vez mais severas,
teoricamente mais intimidantes. Ferindo diretamente o princípio da proporcionalidade.

O Brasil, segundo dados de setembro/2010,  tem o terceiro maior número de presos do mundo (494.598), atrás apenas dos EUA e da China. O sistema carcerário brasileiro atual poderia abrigar 300.000 pessoas, ou seja, são 195.000 vagas que faltam. Os presos, por conseguinte,  são amontoados, a superlotação na maioria dos presídios é degradante.

No dizer de Roberto Lyra, seja qual for o fim atribuído à pena, a prisão é contraproducente. Nem intimida, nem regenera. Embrutece e perverte. Insensibiliza ou revolta.

Descaracteriza e desambienta. Priva de funções. Inverte a natureza. Gera cínicos ou hipócritas. A prisão, fábrica e escola de reincidência, habitualidade, profissionalidade, produz e reproduz criminosos”.

Não é pequeno o número de autores que se insurgiram no passado e insurgem no presente contra a pena privativa de liberdade e seus propalados fins. Há quem entenda que a pena exerce uma função meramente simbólica de manifestação do poder, já que apenas um pequeno número de pessoas que cometem crimes, os ‘selecionados’ pelo sistema penal, acabam por sofrer tal tipo de sanção. Com a aplicação da pena há o isolamento, a estigmatização e a submissão ao sofrimento da prisão daqueles que, selecionados, normalmente, entre os membros das classes subalternizadas, vão cumprir o papel de criminosos. Como conseqüência tais pessoas se tornam mais distantes e, portanto, mais desadaptadas ao convívio social, criando então uma verdadeira aptidão para cometimento de novos delitos, pois passam elas próprias a se verem como criminosos. Sob esse enfoque, a pena de prisão é um poderoso re-alimentador da criminalidade.

Luigi Ferrajoli conseguiu ver um ponto positivo na pena, não só para a sociedade mas também sob a ótica do apenado, para Ferrajoli “a pena funciona como um instrumento de tutela da coletividade contra o agente violador da norma; e, por outro, a pena atua como forma de proteção do mesmo agente contra abusos tanto privados como institucionais que, à sua ausência certamente ocorreriam. Nesta perspectiva, considerada a pena no sentido genérico de reação aflitiva a ofensa, ela não mais funciona apenas como meio, mas também é um fim em si mesma: o fim da minimização da reação violenta ao delito.”

A pena de prisão, com todos os seus problemas, ainda representa relevante papel no controle social, a sua aplicação, todavia, deveria ficar condicionada aos crimes de maior gravidade e aos criminosos profissionais, com a única justificativa de incapacitação ou inocuização destes.

Mesmo quando da aplicação da pena privativa de liberdade para criminosos habituais e violentos, esta deve ser orientada pelas garantias penais constitucionais asseguradas, já que nenhuma pena pode ser imposta pelo que se é, e sim pelo que se fez. Entre as exigências de realização do poder punitivo do Estado e o respeito às garantias do cidadão, são as garantias do cidadão que devem prevalecer.

A pena não garante em nenhuma hipótese a proteção da sociedade. Crimes jamais deixaram de existir devido a leis penais severas.

A pena por si só, não pode ser considerada justa, pelo contrário. A perda de legitimidade do sistema penal mostra o quanto a aplicação da pena é injusta.

As teorias absolutas são baseadas na lei de talião, verdadeiras mitigadoras da dignidade da pessoa humana.

As teorias relativas que ao contrário das absolutas não consideram a pena como um fim em si mesma, mas que possui finalidades de prevenção e ressocialização, também mostram-se falhas.

A teoria da prevenção geral, punir um indivíduo para que este sirva de exemplo aos demais é arbitrário e desigual, e como diz Ferrajoli possui fundamentos maquiavélicos (fins justificam os meios).

A prevenção geral positiva é outra teoria que tenta legitimar a pena. Afirma que a pena é a reafirmação do direito e que através dela busca-se transmitir valores ético-sociais é uma atitude, no mínimo, discutível. O criminoso não deixa de praticar um crime pensando com valores éticos, mas em seu próprio benefício.

A teoria da prevenção especial negativa diz respeito a retirada do criminoso do seio social para a prisão que seria um local de neutralização do indivíduo, onde o mesmo seria reeducado e ressocializado. É uma ilusão de que na prisão o condenado estará impedido de cometer crimes. Muito pelo contrário, pois a prisão é um local de corrupção, onde crimes hediondos são constantemente cometidos.

A teoria da prevenção especial também é inadequada, pois defende que a função da pena tem o poder de ressocializar o indivíduo. Esta função ressocializadora é criticada pela teoria agnóstica da pena, que a considera falsa. Esta ressocialização defendida pela prevenção especial positiva consiste na higienização do criminoso, ou seja, este na prisão será medicado, reeducado para futuramente se reintegrar na sociedade. Tudo isso, no sistema prisional brasileiro mostra-se inverídico. Na penitenciária o apenado passa por privações como a de liberdade, de identidade, além da violência habitual, presente naquele ambiente.

Ainda é necessário uma tentativa de adequação dessas teorias ao sistema penal brasileiro. Mas para isso é preciso um maior esforço dos juristas em tentar amenizar as mazelas trazidas pelo poder punitivo, para que a sociedade viva em condições dignas, compatíveis com os princípios constitucionais.

Por que punir? Qual a justificativa do sistema penal?

Para Ferrajoli:

“Um sistema penal está justificado se e somente se minimiza a violência arbitrária na sociedade, e alcança dito fim na medida em que satisfaça as garantias penais e processuais de direito penal mínimo. Estas garantias se configuram por conseguinte como outras tantas condições de justificação do direito penal, no sentido de que somente sua realização serve para satisfazer seus fins justificadores.”

A resposta definitiva, poderá estar no futuro, quisá dentro de algumas gerações talvez consiga-se chegar a um denominador comum, uma solução para o problema de “Por que punir ?”, atualmente parece que não estamos perto desta solução, de uma solução verdadeiramente justa, que satisfaça a sociedade e a dignidade humana do condenado, que atinja a todos igualmente, sem distinções de nenhuma natureza.

Sobre o(a) autor(a)
Ernesto Netto
Acadêmico de Direito da PUC-RS e Engenheiro Agrônomo formado pela UFRGS.
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