Da condenação do advogado em litigância de má-fé

Da condenação do advogado em litigância de má-fé

Trata da (in)possibilidade de condenação da pessoa do advogado em litigância de má-fé no processo judicial. Diante das divergências de posicionamento, se faz necessária uma breve reflexão acerca do tema.

Muito tem se discutido acerca da possibilidade de condenação, em processo judicial, da pessoa do advogado em litigância de má-fé. Hodiernamente tem-se verificado na jurisprudência uma corrente que entende ser possível tal condenação que, via de regra, é aplicada de forma solidária entre o patrono e seu cliente. Contudo, há um forte posicionamento contrário ao referido entendimento, razão pela qual se faz necessária uma breve reflexão acerca do tema.

A litigância de má-fé está prevista do Código de Processo Civil, nos artigos 16 à 18. O art. 16 determina que “responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente”. O art. 17 arrola as situações que caracterizam a litigância de má-fé, como alterar a verdade dos fatos e protelar propositalmente o seguimento do feito. Já o art. 18 prevê a aplicação de multa, pelo juízo, ao litigante de má-fé.

O entendimento de que é possível condenar solidariamente o advogado em litigância de má-fé encontra alicerce, precipuamente, no argumento de que o mesmo é agente essencial à administração da justiça, sendo este o responsável pelos atos judiciais praticados no processo. Ou seja, naquelas situações em que o ato de má-fé é evidentemente praticado por orientação ou total responsabilidade do advogado (como por exemplo orientar a testemunha à alterar a verdade dos fatos ou interpor recurso manifestamente protelatório), este deve ser condenado, junto ao seu cliente, ao pagamento de multa por ter agido de má-fé, nos termos dos dispositivos acima mencionados.

Há ainda decisões afirmando que a condenação solidária do patrono da parte encontra respaldo no art. 32 do Estatuto da OAB (Lei nº. 8.906/94). Tais julgados ressaltam que, apesar da determinação legal de que seja instaurada “ação própria” para apurar as infrações cometidas pelo advogado, tal ação deve ser dispensada, posto que configura mera ficção jurídica, e que na prática tem apenas o efeito de produzir impunidade.

Em que pese a lógica desta linha de raciocínio, a condenação por litigância de má-fé em face da pessoa do advogado, s.m.j., não merece prosperar, pois além de afrontar os dispositivos legais que disciplinam o assunto, abrem um perigoso precedente, senão vejamos:

A impossibilidade de condenar o advogado em litigância de má-fé na causa do seu cliente deriva, entre outros motivos, da inexistência de hierarquia e relação de subordinação entre juízes e advogados, nos termos do art. 6º do Estatuto da OAB. Caso contrário, o magistrado poderia, em qualquer processo, distribuir condenações em face dos advogados das partes, como se réus fossem, toda vez que visualizasse um suposto ato de má-fé, caracterizando evidente subordinação na relação jurídica e violando o dispositivo legal.

Obviamente não se está querendo aduzir que o advogado é inimputável pelos atos e condutas ilícitas praticadas no exercício da profissão. Deve-se deixar claro que tais condutas, quando ocorrerem, devem ser averiguadas e processadas em ação própria, e nunca na ação de seu cliente. Inclusive é o que determina o parágrafo único do art. 32 do Estatuto da OAB, nos casos de lide temerária. No mesmo diploma legal, o art. 70 corrobora com este entendimento ao dispor que o poder de punir disciplinarmente os inscritos na OAB compete exclusivamente ao Conselho Seccional em cuja base territorial tenha ocorrido a infração.

Não obstante os dispositivos contidos no Estatuto da OAB, o CPC determina de forma clara que a responsabilidade pelos atos de litigância de má-fé é exclusiva das partes ou de seus intervenientes, nos termos do art. 16º, não havendo o que se falar em condenação do patrono.

Neste sentido estão as decisões mais recentes do STJ, sendo pacífico naquela Corte Superior que “a condenação ao pagamento da multa por litigância de má fé deve ser limitada às partes, pois o profissional da advocacia está sujeito exclusivamente ao controle disciplinar da Ordem dos Advogados do Brasil”.

Enfim, deve-se ter em vista que o advogado, no processo judicial, é um instrumento jurídico que atua em defesa dos interesses do seu cliente. Os atos praticados no processo pelo advogado são os atos da parte que ele representa. Desta forma, não é crível condenar-se o advogado, solidariamente, em litigância de má-fé, haja vista a inexistência de amparo legal para que o magistrado pratique tal ato. Qualquer determinação no sentido de que haja este tipo de condenação nada mais é do que a distorção dos dispositivos legais que regulam o tema.

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Fábio Roberto Steuernagel
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