Princípio da insignificância e sua aplicabilidade ao crime de roubo

Princípio da insignificância e sua aplicabilidade ao crime de roubo

Analisa a aplicação de um princípio de cunho constitucional a determinado crime complexo.

INTRODUÇÃO

Tema controverso e bastante polêmico versa sobre a possibilidade de aplicação do Principio da Insignificância na esfera de crimes que teoricamente se enquadram como praticados mediante violência ou grave ameaça contra a pessoa humana.

A jurisprudência de nossos tribunais superiores é pacifica em admitir a aplicação do Principio da Insignificância aos crimes que não são praticados mediante violência ou grave ameaça contra a pessoa humana, esse entendimento pretoriano recebe amparo e fundamento na doutrina dominante, conforme menciona BITTENCOURT[1] “... Principio da Insignificância ... tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico...” mesmo porque a aceitação e aplicação do principio em analise acarreta a própria atipicidade da conduta, ou seja, deixa de ser considerado crime a conduta que teoricamente afronta o ordenamento juridico, e para enfatizar tal posicionamento assim assevera LUIS RÉGIS PRADO[2] “... o principio da insignificância é o instrumento para exclusão da imputação objetiva de resultados ...

Em contrapartida, no que se refere a não aplicação do Principio da Insignificância em relação aos crimes praticados mediante violência ou grave ameaça contra a pessoa humana, em que pese o respeito aos doutrinadores que assim entendem, ouso discordar, eis que, chegam os mesmos a um posicionamento cego e fiel de tal entendimento sem ao menos ser questionado, analisado e esmiuçado o presente tema, uma vez que, ao adotarem o referido ponto de vista, não se discutem mais a matéria, tornando-a praticamente imutável, não pela aceitação teórica, e sim pelo acompanhamento doutrinário quase que religioso ou quiçá pela falta de ousadia em discordar.

Para iniciar uma critica e tentativa de iniciação à reflexão sobre o tema, busca-se amparo e conformidade com os ensinamentos trazidos por NILO BATISA[3] quando afirma que “...a ciência do direito penal tem por objetivo o ordenamento jurídico-penal positivo e por finalidade permitir uma aplicação equitativa (no sentido de casos semelhantes encontrarem soluções semelhantes) e justa da lei penal...”, ou seja, buscamos aqui aprimorar o entendimento já pacificado da não aceitação, porém pouco trabalhado, de posições engessadas e ultrapassadas, para assim encontrar uma posição que afirme uma aplicação justa da norma penal incriminadora.

DO PRINCIPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Existe pacificidade teórica e prática na aceitação do Principio da Insignificância, Juízes de primeira instância, Tribunais de Justiça e Tribunais Superiores sempre se socorrem do presente Principio para solucionarem situações e evitar injustiças, trazidas pela adoção cega e desenfreada de entendimentos oriundos de um positivismo exegético[4] sem qualquer preocupação com o mundo dos fatos, que infelizmente ainda assombra nossos tribunais, juristas e estudiosos.

Na jurisprudência pátria o Ministro do STF Celso de Mello bem afirma ser o referido Principio “... Principio da Insignificância ... tem o sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material ... tal postulado que considera necessário, na aferição de relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como; a) a mínima ofensividade do agente; b) a nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e; d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada ” (HC 84412, Rel. Min. Celso de Mello 2ª T. DJ, 19.11.2004).

Ocorre que, ao se verificar a aplicabilidade do presente Principio constata-se que, em nenhum momento, tanto a jurisprudência, quanto a doutrina, repudiam sua aplicação perante crimes praticados mediante violência ou grave ameaça contra a pessoa humana, se limitando em afirmar de forma taxativa sua inaplicabilidade ao “Crime de Roubo”, sem ao menos, sequer, discorrer e explicar tal conclusão. Deixando assim o “por que” imperar na leitura do tema.

Ao analisar decisões sobre o tema, o posicionamento da Suprema Corte se apresenta da seguinte forma: “...inaplicável o principio da insignificância ao crime de roubo (art 157 CP) por se tratar de crime complexo, no qual o tipo penal tem como elemento constitutivo o fato de que a subtração de coisa móvel alheia ocorra mediante grave ameaça ou violência à pessoa, a demonstrar que visa proteger não só o patrimônio, mas também a integridade pessoal [AI n 557.972-AgR, Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ de 31.03.2009]. ordem denegada (HC 95174 Rel Ministro Eros Grau 2ª T. DJe-053, 20.03.2009...”

Percebe-se que o Supremo Tribunal Federal e também a doutrina em geral delinearam requisitos para que, em cada caso concreto, seja aferida a possibilidade ou não de aplicação do mencionado principio dando-lhe a possibilidade de excluir a própria tipicidade da conduta praticada pelo agente, porém, ao presenciar a possibilidade de aplicação v.g. ao crime de Roubo (Art. 157 do CP), em nada se utiliza dos requisitos criados pela própria doutrina e pela Suprema Corte.

CRIME DE ROUBO E SUA COMPLEXIDADE.

O Código Penal de 1940 define o que seja crime de roubo no art. 157 de sua parte especial da seguinte forma:

Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa

Da simples leitura do artigo mencionado observa-se que, o crime em questão é constituído pela junção de um outro crime contra o patrimônio (art. 155 furto)[5] somado a possível outro crime como por exemplo, contra a integridade física ou a saúde de outrem (art. 129 do CP)[6].

O crime de roubo é classificado pela doutrina como o denominado crime complexo, onde dois crimes autônomos se unem para formar uma só tipificação penal, assim dizendo CEZAR ROBERTO BITECOURT “... tendo como elementares constitutivas a descrição de fatos que, isoladamente, constituem crimes distintos...

Ocorre que, ao analisar a pratica do crime complexo, não podemos descartar a análise detida e sistemática de cada tipo penal que compõem o tipo especifico caracterizador do crime complexo, v.g. quando um homem subtrai um telefone celular de uma menina e para tanto emprega o chamado “encontrão” para aferir a subtração, ou mesmo, para subtrair um pedaço de bolo que um rapaz está comendo outro desfere um tapa no rosto para subtrair o mencionado alimento, inegavelmente teremos de analisar as condutas de forma sistemática, ou seja, cada uma de per si evitando assim distorções e injustiças quanto ao poder punitivo estatal, atuante no tema.

No primeiro caso exposto, inegavelmente ocorreu a subtração de um bem e caracterizado está o crime de furto (art. 155 do CP) no entanto, ao analisarmos o chamado “encontrão” não se vislumbra a ocorrência de crime de lesão corporal (art. 129 do CP), podendo assim tranquilamente, no que se refere a este segundo crime integrante do tipo descrito no art. 157 do CP adequar a referida conduta nos termos do Principio da Insignificância como atípica, logo, no exemplo analisado restaria a aplicação do principio da subsidiariedade restando assim a imputação pela pratica do crime de furto (art. 155 do CP) deixando afastada a existência de um crime complexo.

Passando a analise do segundo exemplo, indiscutivelmente ocorreu a subtração de um bem, porém de ínfimo valor, não merecedor da importância de tratamento por parte do direito penal que deve se preocupar com condutas que atinjam de forma significante os bens jurídicos tutelados, deixando assim de lado a ocorrência de crime contra o patrimônio por aplicação do Principio da insignificância, sendo certo que, quanto ao crime contra a pessoa, este sim, está caracterizado de forma clara enquadrando-se nos moldes do crime de lesões corporais (art. 129 do CP).

CONCLUSÃO

Não se busca aqui a solução de todos os problemas e muito menos esgotar o tema que ora se discute, porém o objetivo é incentivar o debate e possibilitar o amadurecimento de idéias que visam aperfeiçoar o sistema jurídico de forma eficiente a para acompanhar a evolução social que muito se altera e pouco se acompanha.

Logo, conclui-se que, ao analisarmos os crimes complexos de forma sistemática e fragmentada, verificando crime a crime, para só então chegar-se a conclusão da ocorrência ou não da adequação perfeita do crime complexo, é de perfeita sintonia e possibilidade a utilização do Principio da Insignificância em relação às condutas praticadas de forma isolada, mesmo porque desta forma evitaremos injustiças e imputações errôneas e arbitrarias.

Deveras, se torna errôneo afirmar de forma previa e taxativa que o Principio da insignificância não se aplica aos crimes que em tese são considerados praticados mediante violência ou grave ameaça contra a pessoa humana, sem antes analisar o caso concreto e verificar a ocorrência de todas as condutas típicas caracterizadoras do denominado crime complexo, para só então poder concluir pela existência ou não.

BIBLIOGRAFIA

BATISTA. Nilo. Introdução Critica ao Direito. 11ª Ed. Editora Revan. Rio de Janeiro. 2007.

BITENCOURT. Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral I. 15ª Ed. Saraiva. Saraiva. 2010.

BRANDÃO. Claudio. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 1ª Edição. Ed. Forense. Rio de Janeiro. 2008.

GRECO. Rogério. Curso de Direito Penal – vol. 1 - Parte Geral. Impetus. Niterói-RJ. 2009.

PRADO. Luis Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro – vol 1 – Parte Geral, 7ª Ed. São Paulo. Saraiva. 2002.

STRECK. Lenio. Aplicar a “letra da lei” é uma atitude positivista? Disponível em: www.univali.br/periodicos - acessado em 1.11.2010.


[1] Bitencourt. Cezar Bitencourt. Tratado de Direito Penal – Parte Geral I. 15ª Ed. Saraiva. Saraiva. 2010.
[2] PRADO. Luis Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro – vol 1 – Parte Geral, 7ª Ed. São Paulo. Saraiva. 2002.
[3] BATISTA. Nilo. Introdução Critica ao Direito. 11ª Ed. Editora Revan. Rio de Janeiro. 2007.
[4] STRECK. Lenio. Aplicar a “letra da lei” é uma atitude positivista? Disponível em: www.univali.br/periodicos - acessado em 1.11.2010.
[5] Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
[6] Art. 129 ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
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Thiago Minagé
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