O pedido contraposto e a reconvenção nos juizados especiais cíveis

O pedido contraposto e a reconvenção nos juizados especiais cíveis

O presente texto pretende mostrar a relação existente entre o pedido contraposto e a reconvenção nos juizados especiais cíveis.

1. INTRODUÇÃO

A Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que é a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, trouxe inúmeras inovações para o processo civil, na qual instituiu um procedimento mais econômico, célere, informal, simples e oral, promovendo o acesso à Justiça.

Essa Lei trouxe muitos institutos novos e polêmicos, inclusive o pedido contraposto, existente nos Juizados Especiais Cíveis, que será o objeto deste presente artigo.

2. CONCEITO DE PEDIDO CONTRAPOSTO

O pedido contraposto consiste em um pedido formulado pelo réu em desfavor do autor, na mesma peça contestatória, em que a fundamentação se baseia nos mesmos fatos que constituem a controvérsia.

Assim diz o artigo 31 da Lei nº 9.099/95: “...É lícito ao réu, na contestação, formular pedido em seu favor, nos limites do art. 3º desta Lei, desde que fundado nos mesmos fatos que constituem objeto da controvérsia”.

Portanto, entende pedido sobre contraposto Wander Paulo Marotta Moreira (1996, p.53): “ ...faculta ao réu formular pedido em seu favor, com as mesmas limitações do artigo 3º quanto ao valor da pretensão, e desde que fundado nos mesmos fatos que constituem objeto da controvérsia”.

O pedido contraposto é uma simples pretensão dentro da própria contestação, em que não se configura uma relação nova e se não for feita na própria contestação fica precluso, ou seja, não vai ter mais uma nova oportunidade para apresentar esse pedido.

Esse pedido não pode ter alegação de fatos novos. Assim também entende Wander Paulo Marotta Moreira (1996, p.53): “ Para admissão do pedido do réu, deverá o Juiz verificar se guarda relação com o mesmo fato, não podendo o réu introduzir na discussão um novo fundamento fático”.

No caso de desistência feita pelo autor e contenha pedido contraposto, o juiz fica impedido de se manifestar sobre esse pedido já que não se configura uma nova ação.

O autor poderá se manifestar sobre o pedido contraposto na mesma audiência, ou requerer a fixação de uma nova data, estando cientes todos os presentes.

3. DIFERENÇA ENTRE PEDIDO CONTRAPOSTO E RECONVENÇÃO

Diz o artigo 315 do Código de Processo Civil: “O réu pode reconvir ao autor no mesmo processo, toda vez que a reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa”.

A reconvenção consiste na propositura de uma nova ação feita pelo réu em face do autor, em que a causa de pedir tem que ser conexa com o pedido originário da ação. Ela é feita dentro do prazo de apresentação da contestação.

Sobre o conceito de reconvenção, preleciona Fredie Didier Jr. ( 2007, p. 453):

A reconvenção é demanda do réu contra o autor no mesmo processo em que está sendo demandado. É o contra-ataque que enseja o processamento simultâneo da ação principal e da ação reconvencional, a fim de que o juiz resolva as duas lides na mesma sentença.

Trata-se de um incidente processual que amplia o objeto litigioso do processo. Não se trata de processo incidente: a reconvenção é demanda nova em processo já existente.

A decisão de indeferimento da petição inicial da reconvenção não extingue o processo, configura-se decisão interlocutória, podendo, portanto ser agravada, já que se configura demanda nova no processo.

Quando a reconvenção for oferecida, o autor vai se intimado, na pessoa de seu advogado, para contestá-la no prazo de quinze dias (artigo 316 do CPC).

Embora sejam peças autônomas, a decisão da reconvenção e da ação principal é feita na mesma sentença, podendo haver condenações independentes.

É importante destacar que a reconvenção não se limita aos fatos narrados na ação principal, podendo ser relatados fatos diferentes com o pedido oriundo da ação.

Já com relação ao pedido contraposto, este é feito dentro da própria contestação, ou seja, não se configura pedido autônomo, só existe uma única relação processual e ele deve ser limitado aos fatos narrados pelo autor na petição inicial.

Sobre a diferença entre pedido contraposto e reconvenção, relata Joel Dias Figueira Júnior (2000, p. 243):

A reconvenção contém uma pretensão autônoma e independente daquela do autor, não obstante a necessidade de ser conexa com a demanda principal ou com o próprio fundamento da defesa e o contrapedido, que a Lei permite ao réu formular na peça contestatória, não tem a mesma autonomia daquela e é duplamente limitado: primeiro, deve estar adequado à competência destes Juizados - por valor e por matéria , segundo limita-se aos contornos delineados pelos fatos que constituem o objeto da controvérsia.

Portanto, o pedido contraposto, dos Juizados Especiais, não figura, de forma alguma o pedido reconvencional previsto no Código de Processo Civil.

4. CABIMENTO DA RECONVENÇÃO NOS JUIZADOS ESPECIAIS

O artigo 31 da Lei nº 9.099/95 é bastante claro: “Não se admitirá a reconvenção”.

Portanto, devido à expressa previsão legal, seria impossível falar em sede de Juizados Especiais, sobre pedido de reconvenção.

Assim mostra-se a jurisprudência:

PEDIDO CONTRAPOSTO. PRETENSÃO NOMINADA DE RECONVENÇÃO. IRRELEVÂNCIA. RECURSO IMPROVIDO.
No Juizado especial não tem lugar a reconvenção, mas pode o réu formular pedido a seu favor, no corpo da contestação, desde que adequado à competência do Juizado - por valor e matéria - e tendo por fundamento os mesmos fatos que constituem o objeto da controvérsia (Lei 9.099/95 art. 31). Irrelevante que o réu tenha chamado de reconvenção o pedido contraposto formulado. Às partes cumpre apenas precisar os fatos que autorizam a concessão da providência jurídica reclamada; ao juiz incumbe conferir-lhes o adequado enquadramento legal. (Rec. Proc. 1.398/95 - Piracicaba - SP.Colégio Recursal de Piracicaba - SP, j. 31.7.1996, v.u., rel. Juiz Antônio Sérgio Coelho de Oliveira).

5. POSSIBILIDADE DE PEDIDO CONTRAPOSTO POR PESSOA JURÍDICA

A Lei nº 9.099/95 foi totalmente silente com relação ao cabimento de pedido contraposto feito por pessoa jurídica, entretanto existe uma polêmica entre doutrinadores, jurisprudência e estudiosos do direito com relação a essa possibilidade de apresentação do pedido contraposto.

A corrente que não aceita o pedido contraposto feito por pessoas jurídicas, aceitam como fundamento o artigo 8º, § 1º da Lei nº 9.099/95:

Art. 8º-Não poderão ser partes, no processo instituído por esta lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil.
§ 1º Somente as pessoas físicas capazes serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas.

Entende Luís Felipe Salomão (1997, p.42): “não é possível as pessoas jurídicas e os entes formais formularem pedido contraposto, pois se trata de verdadeira reconvenção do direito processual comum, ação do réu em face do autor, que no Juizado Especial dispensa peça autônoma.

Adotada essa posição, a pessoa jurídica demandada iria ficar prejudicada, pois não iria ter como fazer contrapedido em face de ilegitimidade ativa. A solução seria que a pessoa jurídica demandasse contra a pessoa física na Justiça Comum.

Então esse posicionamento não seria razoável, pois não entraria em consonância com os princípios da economia processual, celeridade, isonomia, simplicidade, entre outros.

Já a corrente que aceita que as pessoas jurídicas podem entrar com pedido contraposto, entende que é cabível porque a Lei nº 9.099/95 não fez qualquer restrição à iniciativa da pessoa jurídica.

Sobre o cabimento de pedido contraposto por pessoa jurídica, afirma Wander Paulo Marotta Moreira (1996, p.53):

Dessa forma, poderá o réu – relativamente ao mesmo acidente de trânsito, por exemplo – formular pedido contra o autor, que a lei chama de contraposto ( artigo 17, parágrafo único), imputando-lhe a responsabilidade pelo evento. O fato de ser o réu pessoa jurídica não o impedirá, nesse caso, da formulação autorizada, pois, tecnicamente, embora de natureza reconvencional, o seu pedido não será considerado uma reconvenção, a recair na proibição do art. 8º, § 1º.

Quanto à possibilidade de cabimento pela pessoa jurídica, entende a jurisprudência:

Pedido contraposto - Pessoa jurídica - Cabimento

"Pedido contraposto - Pessoa jurídica - Cabimento - Cabível o oferecimento de pedido contraposto por pessoa jurídica, já que ele não torna quem o apresenta em parte ativa, não havendo ofensa ao artigo 81, ' 11, da Lei n1 9.099/95, e ainda, atende o princípio consagrado na mesma Lei de economia. Enunciado 31 dos Juizados Especiais: "É admissível pedido contraposto no caso de ser a parte ré pessoa jurídica". Restituição do aluguel pago - Não cabimento - O autor não faz jus à restituição do aluguel quando usufrui do imóvel locado, ainda mais, quando não efetua o pagamento do valor que pretende ver restituído. Obras realizadas no imóvel - As obras realizadas no imóvel são de responsabilidade da imobiliária, por serem necessários à conservação da coisa. Desconto efetuado de modo correto. Recurso não provido - Condenação em custas e honorários - Suspensão pela gratuidade judiciária". (20 Turma Recursal de Uberlândia - Rec. n1 702.041.506.008 -Rel. Juiz José Luiz de Moura Faleiros).

No sentido de reforçar esse entendimento, diz o enunciado de nº 31 do FONAJE (XXIII Encontro Nacional de Coordenadores de Juizados Especiais do Brasil, de abril de 2008 – Boa Vista - RR : “Enunciado 31 - É admissível pedido contraposto no caso de ser a parte ré pessoa jurídica”.

Portando, é melhor o entendimento de ser cabível o pedido contraposto realizado pela pessoa jurídica, já que não existe uma expressa vedação legislativa e favorece os princípios norteadores dos Juizados Especiais. A única restrição cabível seria decorrente do artigo 3º da Lei nº 9.099/95.

6. CONCLUSÃO

O pedido contraposto não existe uma nova relação processual, ou seja, não possui natureza reconvencional: pedido deduzido pelo réu em desfavor do autor.

Então, o pedido contraposto deve ser formulado pela pessoa jurídica, já que não existe nenhuma expressa vedação legal, não dá início a uma nova ação e respeita os princípios norteadores dos Juizados Especiais, contidos no artigo 2º da Lei nº 9.099/95.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, Senado, 27 de setembro de1995. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 10 ago. 2007.

_______. 20 Turma Recursal de Uberlândia - Rec. n1 702.041.506.008 -Rel. Juiz José Luiz de Moura Faleiros. Disponível em: www.tjmg.gov.br/jesp/jurisprudencia_doutrina/boletim_079_civel.pdf.

_______. Rec. Proc. 1.398/95 - Piracicaba - SP.Colégio Recursal de Piracicaba - SP, j. 31.7.1996, v.u., rel. Juiz Antônio Sérgio Coelho de Oliveira. Disponível em: www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp?action=doutrina&coddou=1246 - 59k.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 8 ed. Salvador: Edições JUS PODIVM, 2007. v.1.

MOREIRA, Wander Paulo Marotta. Juizados especiais cíveis. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.

FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. São Paulo: RT, 2000.

SALOMÃO, Luís Felipe. Roteiro dos Juizados Especiais Cíveis. Rio de Janeiro: Destaque, 1997.

Sobre o(a) autor(a)
Rachel Figueiredo Viana Martins
Advogada e Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR).
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