A importância dos princípios da presunção de inocência e do duplo grau de jurisdição na atual situação do país

A importância dos princípios da presunção de inocência e do duplo grau de jurisdição na atual situação do país

Ressalta a importância dos príncipios da presunção de inocência e do duplo grau de jurisdição no processo penal, comentando, também, o posicionamento recentemente adotado pelo STF.

O texto do jornalista Ferreira Gullar, publicado na Folha de São Paulo em 1º de março de 2009, critica severamente a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal que, nos dizeres do jornalista, “deixa em liberdade todo e qualquer acusado até que ele seja julgado em ultima instância”, manifestando-se, assim, contrário ao princípio da presunção de inocência consagrado e assegurado por nossa Magna Carta em seu artigo 5º, inciso LVII.

Nessa breve dissertação tratar-se-á de alguns princípios processuais suscitados pelo jornalista e algumas questões relevantes relacionadas ao Direito também mencionadas pelo autor. Desde já, há de se mencionar que muitas das conclusões a que chega o autor mostram-se um tanto irreais e exageradas.

No aludido texto jornalístico, Ferreira Gullar diz que há processos que duram 20, 30 anos até que se obtenha a tutela jurisdicional do Estado (sentença ou acórdão), ressaltando, também, que aquele que não gozar de boa saúde, provavelmente, morrerá inocente. Esse é um ponto muito interessante, pois trata da ineficiência do Estado e admite a possibilidade de inocentes estarem presos ou respondendo a processos indevidamente. A partir dessa conclusão sugerida pelo próprio autor, cabe levantar-se algumas questões que estão diretamente ligadas a este ponto. Primeiro, a que se deve a notável ineficiência e lentidão da Justiça? E ainda, se a decisão for injusta, do que pode valer-se o sentenciado para provar a sua inocência?

Com efeito, embora consagrado no Direito e na Constituição Federal (art. 5º, LXXVIII), o princípio da celeridade e economia processual mostra-se, na prática, bem diferente daquilo que deveria ser. Essa demora ou vagarosidade da Justiça faz com que muitos abram mão daquilo a que tem direito.

Há que se reconhecer que nos últimos anos os legisladores e aplicadores do Direito tem se esforçado em criar normas e determinar procedimentos visando a realização do processo de forma mais célere e eficaz, mas... Infelizmente essas atitudes não têm mostrado grandes melhorias. Contudo, esse, ainda, parece ser o melhor caminho para se alcançar o modelo ideal.

Faz-se necessário falar que, atualmente e já há um bom tempo, o Judiciário vive uma situação calamitosa. Por mais que haja pessoas interessadas e desejosas de tornar a justiça mais célere, eles por si só não conseguem fazer com que o processo ande de forma mais rápida. Tome-se, por exemplo, o Estado de São Paulo que no mês de abril p.p. tinha mais de 18 milhões de processos em andamento, para aproximadamente 4 mil juízes julgarem. Isso implica uma média de 4.500 processos para cada juiz julgar.

Diante de um número tão alarmante, e considerando que os magistrados também são seres humanos e não máquinas, como podem eles julgarem tantos processos tão rapidamente, dando-se a devida atenção ao caso concreto e ainda decidindo de maneira justa todos os casos? Admitindo que os magistrados são humanos e conseqüentemente erram, como a vítima de uma injustiça pode se defender?

Aos magistrados é garantido o princípio do livre convencimento motivado (art. 155 CPP e art. 93, IX, CF), que em palavras simples, significa que o juiz poderá decidir de acordo com o seu entendimento. Esse princípio pode ser tanto favorável ao réu quanto prejudicial, pois, mesmo que a defesa e a promotoria (acusação) pugnem pela absolvição, o juiz pode decidir como melhor entender, condenando o réu pela prática do crime, desde que justifique seu entendimento. Dessa forma, não há como prever qual será o entendimento do juiz e, conseqüentemente, em decorrência desse livre convencimento, poderão ocorrer decisões injustas ou arbitrárias.

Ante o histórico de nosso país, que já viveu períodos de arbitrariedades na ditadura, e prevendo que isso ocasionalmente poderia acontecer hodiernamente, nossa Lei Máxima assegurou a todos os princípios do estado de inocência e o do duplo grau de jurisdição.

Pelo principio do estado de inocência entende-se que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Tem-se como trânsito em julgado o momento em que uma sentença torna-se irrecorrível, visto haver decorrido o prazo estabelecido para a interposição do recurso ou porque todos os recursos previstos em lei já foram julgados. Assim, diferentemente do que sugere Ferreira Gullar, não necessariamente haverá o trânsito em julgado de uma sentença condenatória proferida por um tribunal de primeira instância. Há, sim, uma matéria que foi julgada por um juiz de primeiro grau e que poderá ser revista por um juiz de segundo grau.

O principio do duplo grau de jurisdição é o meio pelo qual o condenado ou o insatisfeito com a decisão proferida tem para recorrer e tentar mudá-la. Também visa, como já citado, evitar a falibilidade humana ou possíveis arbitrariedades.

O princípio do duplo grau de jurisdição é garantia fundamental instituída pelo Pacto de San José da Costa Rica (art. 8º, 10). Esse princípio possibilita que outros magistrados de carreira (no caso, ministros ou desembargadores), analisem o processo e decidam pela manutenção ou modificação da sentença.

No texto do ilustre jornalista ora analisado questiona-se: “Não é a Justiça que cabe decidir se alguém é culpado ou inocente?”. A Justiça é o Poder Judiciário como um todo. O Poder Judiciário é composto pelos tribunais de primeira e segunda instância, de forma que a decisão de primeira instância não é definitiva. Será a Justiça, em seu último grau de jurisdição, que poderá definitivamente definir quem é ou não culpado. O acórdão (decisão colegiada) pode tanto absolver, condenar, agravar ou atenuar a sentença. Enquanto não houver o trânsito em julgado da sentença condenatória em qualquer que seja a instância, haverá a presunção de inocência.

O STF, nossa Corte Suprema, é o último órgão do Poder Judiciário. O recurso que chegar até o STF, se chegar, será o último. Convém lembrar que somente os recursos invocando matéria Constitucional é que chegarão até o STF, de modo que a maioria dos recursos decorrentes de sentenças condenatórias terminará no STJ.

Toda essa estrutura do Poder Judiciário visa garantir a justiça e assegurar ao condenado ou ao interessado o direito de obter uma segunda opinião sobre o seu caso. Esse direito é opcional, pois muitos poderão se satisfazer ou reconhecer a culpa aceitando a decisão proferida pelo juiz de primeira instância. Todos os órgãos do Poder Judiciário são essenciais para que se obtenha a Justiça, seja essa favorável à sociedade ou ao condenado.

Assim, vale lembrar ainda que, havendo motivo justificado para a manutenção da prisão ou decretação desta, o magistrado poderá, mesmo em fase recursal, manter o réu preso. Então não será todo e qualquer acusado que terá liberdade, mas somente os merecedores diante dos fundamentos legais invocados pelos juízes.

Por tudo o que foi exposto, conclui-se que os princípios da presunção de inocência e duplo grau de jurisdição são necessários a todos. Pode-se, até mesmo, dizer que esses princípios são indispensáveis à existência do Estado Democrático de Direito, uma vez que este tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. Ante o atual estado caótico em que se encontra o Sistema Penitenciário Brasileiro, não se deve ansiar pela condenação e encarceramento de todos aqueles que são réus, privando-os de seus direitos ou do direito de recorrerem. Pelo contrário, deve-se almejar pela preservação do direito individual e pela provisão das condições mínimas que possibilitem, a todos, uma vida digna.

Portanto, não serão decisões demasiadamente rígidas ou a privação do reconhecimento de princípios como o da presunção de inocência e do duplo grau de jurisdição que mudarão o problema da criminalidade no país. Somente a educação com a imposição dos valores corretos e o sincero empenho pela Justiça poderão mudar, efetivamente, a atual situação, evitando e inibindo a prática de novas ou reiteradas condutas delituosas pelos membros da sociedade.

Sobre o(a) autor(a)
Aline Albuquerque Ferreira
Advogada. Pós-graduada em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público. Possui graduação em direito pela Universidade Paulista (2011). Aprovada no IV Exame da Ordem. Tem experiência em direito, com ênfase em direito...
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