Arquivamento implícito do inquérito policial e o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública

Arquivamento implícito do inquérito policial e o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública

Aborda o instituto do arquivamento implícito do inquérito policial e sua eventual inadmissibilidade em razão de certos princípios constitucionais.

O presente artigo tem por escopo trazer as principais divergências acerca do arquivamento implícito do inquérito policial. Salientamos que tal hipótese de arquivamento, não é previsto no Código de Processo Penal pátrio, tratando-se de uma construção doutrinária, conforme analisaremos no desenvolver desse artigo. Na oportunidade deixamos consignado, que o presente trabalho, se limitará apenas a uma análise do arquivamento implícito na ação penal pública incondicionada perante o juízo de 1º grau.

Para uma melhor compreensão do tema proposto, achamos por bem, mas sem nos alongarmos por demais, fazer uma explanação sintética sobre os principais aspectos do arquivamento do inquérito policial.

O Código de Processo Penal menciona apenas sobre a possibilidade de ser arquivado o inquérito policial, mas não menciona quais as hipóteses legais que serão cabíveis o arquivamento do inquérito.

No artigo 28 do CPP, usam-se apenas os termos “razões invocadas”, para expressar o pedido de arquivamento do inquérito policial, mas não traz quaisquer motivos, sendo assim, devemos partir do seguinte raciocínio: Para que a denúncia seja recebida, e em conseqüência, o regular exercício da ação penal, são necessários estarem presentes os requisitos do artigo 41 do CPP, e ausentes os do artigo 395, bem como, os do artigo 397 ambos do CPP.

Logo, podemos concluir que: sempre que estiver presente algum requisito dos artigos 395 ou 397 do CPP, a ação penal não é possível, e em conseqüência, as investigações também não, deste modo, deve o inquérito policial ser arquivado.

O nosso raciocínio também é compartilhado pelo professor Afrânio Silva Jardim, sendo estas as sua palavras: “O vigente Código de Processo Penal carece de um artigo que diga claramente quando o Ministério Público deve requerer o arquivamento e, a contrario sensu, quando deve apresentar denúncia. Entretanto, o art. 43 elenca os casos em que o Juiz deve rejeitar a denúncia. Por via de conseqüência, nestas hipóteses previstas, a ação penal não deve ser proposta e o inquérito ou peças de informação devem ser arquivados” (JARDIM, 2007. p. 168).

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 4.209/2001, projeto esse de reforma do Código de Processo Penal, que no artigo 28, tem uma redação um pouco mais clara do que a atual, esclarecendo melhor quando o inquérito deverá ser arquivado. Somente a título de curiosidade transcrevemos o teor do supra referido artigo, vejamos:

Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, após a realização de todas as diligências cabíveis, convencer-se da inexistência de base razoável para o oferecimento da denúncia, promoverá, fundamentadamente, o arquivamento dos autos da investigação policial ou das peças de informação. (sem grifos no original).

Após alguns esclarecimentos, podemos conceituar o arquivamento do inquérito, como o ato no qual faz cessar as investigações preliminares sobre a autoria e materialidade de um delito, em virtude do fato não constituir crime; ou estiver extinta a punibilidade, ou ainda, faltar justa causa para o exercício da ação penal.

Nas sábias palavras do mestre Paulo Rangel, o arquivamento “é o encerramento das investigações policiais. É o término da atividade administrativa do estado de persecução penal” (RANGEL, 2007, p. 179).

Ao interpretarmos a leitura conjunta dos artigos 17 e 28 do CPP, pode-se fazer a seguinte conclusão: a autoridade policial não poderá mandar arquivar o inquérito policial. Logo, ao lermos o artigo 28 do mesmo código, é fácil perceber que cabe ao Ministério Público requerer o arquivamento do inquérito policial junto ao poder judiciário, podendo este homologar ou não tal requerimento.

Caso o Juiz não homologue, mais adiante mostraremos quais as implicações desta não homologação.

Neste sentido podemos afirmar que a natureza jurídica do arquivamento é de uma decisão administrativa, embora homologada pelo Juiz, sendo um ato administrativo de natureza complexa.

Pois é necessária a existência de duas vontades; a primeira do Ministério Público, que requer o arquivamento; e, a segunda, a do Juiz, que diante do caso concreto, pode ou não homologar o requerimento de arquivamento.

É importante lembrarmos que o ato de homologação não é despacho, e conforme Afrânio Silva Jardim “nem tampouco sentença, pois inexiste processo ou jurisdição, mas simples decisão administrativa (sentido lato). Por ser oriunda do Poder Judiciário, torna-se judicial’ (JARDIM, 2007. p. 166).

Alguns podem até fazer a seguinte indagação: se o domínio da ação penal pertence ao Ministério Público, porque o pedido de arquivamento deve passar pela análise do Poder Judiciário? A resposta surge de imediato. É bem verdade que o dominus littis é do Ministério Público, mas em virtude de um princípio aplicado a ação penal pública, deve o pedido de arquivamento passar pela deliberação do Juiz. O princípio o qual nos referimos é o da obrigatoriedade da ação penal.

Destarte, é necessário submeter o pedido de arquivamento ao judiciário, para que este fiscalize e faça valer se for o caso, o princípio da obrigatoriedade da ação penal.

Conforme mencionamos alhures, as conseqüências da não homologação do pedido de arquivamento geram alguns efeitos, tais efeitos estão previstos no artigo 28 do CPP.

Caso o Juiz, ao exercer a fiscalização do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, discorde do requerimento de arquivamento formulado pelo parquet, deverá remeter o inquérito policial ou peça de informação ao Procurador Geral, podendo este adotar uma das seguintes alternativas: oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou, insistir no pedido de arquivamento, e neste caso, ficará o Juiz vinculado ao pedido de arquivamento proposto pelo Procurador Geral.

Como dissemos no início desse artigo, quanto ao instituto do arquivamento expresso do inquérito policial, poderíamos abordar outros inúmeros debates, no entanto, a finalidade desse trabalho é em especial analisar a figura do arquivamento implícito do inquérito policial, pois tal instituto não está previsto em nenhum artigo de lei, tratando-se unicamente de construção doutrinária e jurisprudencial. A seguir trataremos as principais cizânias do instituto ora em comento.

DO ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO DO INQUÉRITO POLICIAL

Novamente reiteramos que tal modalidade de arquivamento, embora seja muito comum sua prática do dia a dia forense, não está previsto em nenhuma norma expressa, pois se trata de uma construção doutrinária e jurisprudencial.

O arquivamento implícito é fenômeno no qual o Ministério Público, deixa de mencionar na denúncia algum (uns) fato (os) criminoso que estava contido no inquérito ou peça de informação, ou ainda, deixa de denunciar algum (uns) indiciado, sem se manifestar expressamente os motivos que o levaram a tal omissão.

Vindo o arquivamento implícito a ser consumado, quando o magistrado ao exercer sua fiscalização sobre o principio da obrigatoriedade da ação penal (art. 28 – CPP), deixa de se pronunciar em relação aos fatos que foram omissos na denúncia.

A seguir, colamos alguns conceitos de autores de renome, visto a propriedade que tratam à matéria ora comentada, vejamos:

Entende-se por arquivamento implícito o fenômeno de ordem processual decorrente de o titular da ação penal deixar de incluir na denúncia algum fato investigado ou alguns dos indiciados, sem expressa manifestação ou justificação deste procedimento. Este arquivamento se consuma quando o Juiz não se pronuncia na forma do art. 28 com relação ao que foi omitido na peça acusatória” (JARDIM, 2007. p. 170).

A título de enriquecimento do nosso trabalho, vejamos o conceito do ilustre professor Paulo Rangel “o arquivamento implícito ocorre sempre que há inércia do promotor de justiça e do juiz, que não exerceu a fiscalização sobre o princípio da obrigatoriedade da ação penal” (RANGEL, 2007. p. 186).

O arquivamento implícito poderá ser analisado diante de um duplo aspecto. No aspecto subjetivo; quando tratar-se de omissão de indiciados. E no aspecto objetivo; quando tratar-se de omissão a fatos investigados. Exemplo: omissão de outros crimes ou omissão de qualificadoras.

Parte da doutrina ainda prevê uma terceira modalidade de arquivamento implícito, que ocorrerá quando estiverem sendo investigados vários fatos criminosos em um único inquérito, e o Ministério Público se pronuncia pelo arquivamento de todo conteúdo do inquérito, no entanto, se referia apenas a um dos fatos que foi apurado no inquérito, alegando que este não era passível de oferecimento de denúncia. Caso o Juiz homologue totalmente o requerimento, e não se manifeste em relação aos outros fatos criminosos, estará também configurado o arquivamento implícito do inquérito policial. É o também chamado de arquivamento expresso, mas lacunoso.

Depois de uma breve análise do instituto do arquivamento implícito do inquérito policial, passaremos a discutir a controvérsia existente sobre a matéria.

Duas correntes divergem quanto à possibilidade do arquivamento implícito.

Para a primeira corrente, defendida por juristas de renome como: Mirabete e Paulo Rangel é perfeitamente admissível haver o arquivamento implícito do inquérito policial.

Tal corrente argumenta que a função do processo não é unicamente instrumental, isto é, não serve apenas como instrumento legal para que possa o Estado exercer o seu jus puniendi. É necessário que haja um respeito ao devido processo legal.

Não podendo o sujeito pagar por eventuais erros dos órgãos acusatório e julgador, que não exerceram corretamente suas funções, e respectivamente “esqueceram” de mencionar na denúncia os fatos criminosos que estavam contidos no inquérito, ou deixou de mencionar na peça acusatória o indiciado, e também não foi exercido a devida fiscalização do princípio da obrigatoriedade e indivisibilidade da ação penal pública pelo Poder Judiciário.

Apesar dos argumentos acima transcritos, data vênia, ousamos divergir.

Em nossa opinião, é inadmissível o arquivamento implícito do inquérito policial, pois se assim proceder, estará havendo flagrante violação de algumas normas e princípios constitucionais.

A partir de agora, explicitaremos os principais argumentos em desfavor do instituto do arquivamento implícito do inquérito policial. Conforme dissemos a pouco, é inadmissível tal instituto por basicamente quatro motivo: primeiro; é cediço de todos, que na ação penal pública incondicionada, o princípio que rege é da obrigatoriedade da ação penal.

Com isto queremos dizer que; se houver um arquivamento implícito em razão de omissão quanto a fatos investigados, estaria deixando de se processar fatos criminosos, mesmo existindo para tanto, justa causa para o regular exercício da ação penal.

E sabemos que no princípio da obrigatoriedade da ação penal, o Ministério Público deve propor a devida ação penal sempre que estiver diante de um fato típico, ilícito e culpável.

Como diz o próprio professor Paulo Rangel “o princípio da obrigatoriedade da ação penal é uma exigência lógica do aforismo de os delitos não podem ficar impunes (nec delicta maneant impunitia)” (RANGEL, 2007. p. 204).

Ainda citando o mestre Paulo Rangel transcrevemos o seguinte teor: “Não cabe ao Ministério Público deixar de propor ação penal por motivos de política criminal nem por qualquer outro que não os previstos em lei(RANGEL, 2007. p. 204-205). (sem grifos no original).

Como dito acima, não cabe o parquet deixar de oferecer a devida ação penal, a não ser que os motivos estejam previstos em lei.

E como sempre ressaltamos desde o início desse trabalho; o arquivamento implícito não está previsto em lei.

Logo, entendemos impossível haver o arquivamento implícito do inquérito policial, sem está ferindo o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública incondicionada.

O segundo argumento que consignamos é que tal instituto também violaria o princípio da indivisibilidade da ação penal.

A indivisibilidade irá ocorrer sempre que houver um fato típico, ilícito e culpável praticado por mais de um sujeito. No caso, a eventual ação penal deverá ser proposta em face de todos que realizaram o injusto penal. Desta forma, estando presentes todos os requisitos para o regular exercício da ação penal, não poderá deixar de ser proposta a ação em face de todos.

Deste modo, se admitirmos o arquivamento implícito no seu aspecto subjetivo, note-se que deixará de processar um indivíduo que contra ele pesa uma conduta típica, ilícita e culpável, atentando contra a indivisibilidade da ação penal pública.

Terceiro argumento qual devemos salientar, é que; no arquivamento implícito não há uma homologação expressa por parte do Juiz para arquivar-se o inquérito, o mesmo é arquivado sem qualquer motivação judicial.

E sabemos que toda e qualquer decisão judicial deve ser devidamente fundamentada, conforme o preceito constitucional contido no art. 93, IX da CF/88.

O quarto e último argumento apresentado para demonstrarmos a impossibilidade do arquivamento implícito, é o constante no art. 569 do CPP, que pela didática transcrevemos:

Art. 569 – CPP: As omissões da denúncia ou da queixa, da representação, ou, nos processos das contravenções penais, da portaria ou do auto de prisão em flagrante, poderão ser supridas a todo o tempo, antes da sentença final.

Porquanto, havendo omissões na denúncia e posteriormente o Juiz deixe de aplicar o art. 28 do CPP, em nossa opinião, basta apenas o Ministério Público tão logo tome o conhecimento de tal omissão, use do art. 569 do CPP, e adite a denúncia para suprir a omissão e fazer valer todos os princípios que anteriormente mencionamos.

Para finalizar nossos argumentos colamos a opinião de Afrânio Silva Jardim, embora seja um pouco extenso, vale a pena transcrevê-lo: “Entretanto, havendo sempre a possibilidade de tal dispositivo ser descumprido na prática, não restando dúvida de que o instituto do arquivamento implícito é artificial e danoso à defesa social, outra regra jurídica deveria explicitar que os efeitos do arquivamento somente se fariam sentir em ralação ao que ficou expressamente arquivado. Com isso, ficaria banido de nosso ordenamento jurídico um arquivamento que não foi pedido, vez que uma omissão involuntária não pode ser entendida como algo positivamente desejado. O arquivamento implícito, tal como hoje vem sendo concebido, não condiz com a realidade das coisas. É artificial” (JARDIM, 2007. p. 171).

Para finalizar este trabalho, quando estávamos estudando sobre o tema nos fizemos a seguinte pergunta: seria possível caso houvesse o arquivamento implícito do inquérito policial, o ofendido oferecer ação penal subsidiária da pública?

A priori achamos que sim, visto que, será possível a ação penal subsidiária da pública sempre que houver uma inércia do Ministério Público em oferecer a devida denúncia. Ao passo que; só ocorrerá o arquivamento implícito quando o órgão acusatório for omisso quanto a fato ou indiciado, ou seja, permanecendo inerte quanto a eles.

Então isso nos levará então ao seguinte raciocínio: como o arquivamento implícito se dá em função da inércia do Ministério Público, e a ação penal subsidiária da pública será admitida em razão também da inércia do Ministério Público, logo, achamos possível ser proposta tal modalidade de ação penal caso ocorra o arquivamento implícito.

Pelo que andamos pesquisando a doutrina não tem se manifestado sobre essa questão.

No entanto achamos uma situação análoga em obra do mestre Damásio E. de Jesus. Vejamos:

Denúncia que não descreve todos os delitos constantes da representação – Admissibilidade da queixa substitutiva: TACrimSP, RCrim 475.833, RT 627/383” (JESUS, Damásio E. de. Código de Processo Penal Anotado. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 40).

Deixemos esta questão para posteriormente ser debatida de forma mais aprofundada por nós, estudantes de Direito, esperando sempre que os bons argumentos sejam levados em conta, para varrer de vez as injustiças que diariamente ocorrem em nosso país.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

JESUS, Damásio E. de. Código de Processo Penal Anotado. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. 5 ed. São Paulo: Atlas, 1997.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 12 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris Editora, 2007.

Sobre o(a) autor(a)
Thiago Pacheco Cavalcanti
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Caruaru - ASCES; Juiz de Direito do Tribunal de Justiça de Pernambuco.
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