Legislação das licitações e contratos das empresas públicas e sociedades de economia mista e ADPF do decreto autônomo
Trata da problemática da legislação de licitação a ser aplicada à sociedade de economia mista - Petrobrás, no regime do artigo 173 e §§ da CF de 88.
A
Constituição da República destacou entre os incisos do art.37 a
regulamentação por lei infraconstitucional, lei ordinária
específica, de forma a estabelecer normas gerais sobre licitações
e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive
de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos
Poderes das entidades da Administração Direta e Indireta.
O conteúdo de tais normas gerais está descrito na lei 8666/93, estatuto de contratos e licitações. Todavia, devemos destacar que tais regras dizem respeito tão-somente a normas gerais; devendo, portanto, os Estados membros da Federação legislarem sobre normas específicas, quando tratar deste tema.
Art.37.XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
De toda forma, às demais entidades da federação foi conferida a competência para editar tais normas específicas. Neste ínterim, muitas objeções têm sido levantadas em relação a alguns dispositivos da supramencionada lei federal, os quais, segundo o entendimento de estudiosos, não contêm regras gerais, mas sim normas específicas. De fato, se o dispositivo da lei federal contiver norma específica, estará, fatalmente, em contrariedade com a Constituição Federal e, em conseqüência, maculando de vício de inconstitucionalidade. Note a jurisprudência destacada acerca do tema:
MIN. CARLOS VELLOSO. ADIn 927-3-RS. STF
O
TRIBUNAL DEFERIU, EM PARTE, A MEDIDA CAUTELAR, PARA SUSPENDER, ATÉ A
DECISÃO FINAL DA AÇÃO, QUANTO AOS ESTADOS, AO DISTRITO FEDERAL E
AOS MUNICÍPIOS, A EFICÁCIA DA EXPRESÃO "PERMITIDA
EXCLUSIVAMENTE PARA OUTRO ÓRGÃO OU ENTIDADE DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA, DE QUALQUER ESFERA DE GOVERNO", CONTIDA NA LETRA B DO
INCISO I DO ART. 17, DA LEI FEDERAL Nº 8.666, DE 21.6.93, VENCIDO O
MIN. PAULO BROSSARD, QUE A INDEFERIA; PARA SUSPENDER OS EFEITOS DA
LETRA C DO MESMO INCISO,. ATÉ A DECISÃO FINAL DA AÇÃO, O
TRIBUNAL, POR MAIORIA DE VOTOS, DEFERIU A MEDIDA CAUTELAR, VENCIDOS
OS MINS. RELATOR, ILMAR GALVÃO, SEPÚLVEDA PERTENCE E NÉRI DA
SILVEIRA, QUE A INDEFERIAM; NO TOCANTE À LETRA A DO INCISO II DO
MESMO ARTIGO, O TRIBUNAL, POR MAIORIA DE VOTOS, INDEFERIU A MEDIDA
CAUTELAR, VENCIDOS OS MINS. MARCO AURÉLIO, CELSO DE MELLO, DYNEY
SANCHES E MOREIRA ALVES, QUE A DEFERIAM; COM RELAÇÃO À LETRA B DO
MESMO INCISO, O TRIBUNAL, POR UNANIMIDADE, DEFERIU A MEDIDA CAUTELAR,
PARA SUSPENDER, ATÉ A DECISÃO ...
A disciplina normativa que define a competência constitucional de legislar sobre licitação e contratos está regulada no art.22, XXXVII, observe:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;
Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.
Não obstante o poder constituinte derivado editou a Emenda Constitucional n°19, conhecida como a Emenda da reforma administrativa, introduziu tal Emenda o §1° do art.173 da Constituição Federal, através de seu inciso III, admitindo que outra lei específica regulasse em caráter de especialidade normas sobre licitação e contrato às sociedades de economia mista e às empresas públicas, observe:
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (grifo nosso)
III
- licitação e contratação de obras, serviços, compras e
alienações, observados os princípios da administração pública;
A lei 8666/93 criou procedimentos bastante dificultosos para contratação e licitação das atividades da Administração Pública, o que gera entraves às paraestatais que competem junto ao mercado econômico; devido, pois, ao exercício de atividades econômicas, junto às demais empresas privadas. Garantiria a nova legislação, se regulada fosse, maior competitividade das sociedades de economia mista e empresas públicas em geral. Por este motivo, está autorizada a União a editar normas gerais, definindo procedimentos licitatórios diferenciados às entidades da administração indiretas referidas.
No entanto, embora tenha declarado que tal norma específica ainda carece de regulamentação, confirmo que foi criado à PETROBRÁS, sociedade de economia mista, um decreto que regulamenta o art.67 da Lei 9478/97, Lei que dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá outras providências. Note o que define o artigo 67:
Art. 67. Os contratos celebrados pela PETROBRÁS, para aquisição de bens e serviços, serão precedidos de procedimento licitatório simplificado, a ser definido em decreto do Presidente da República. (grifo nosso)
Por
fim, acredito que tal dispositivo legal resta inconstitucional, pois
afronta o art.22, XVII da Constituição, uma vez que somente a lei
formalmente editada pela União poderia versar sobre tal matéria, o
que fica definido de forma diversa, quando o art.67 da
supramencionada lei estatui que o Decreto Presidencial regulará o
procedimento licitatório. Outrossim, a Sociedade de Economia Mista
teria a lei criada, segundo a competência definida no art.173, §1°,
III, que também elegeu a legislação específica como sendo capaz
de versar sobre a matéria licitatória.
Ademais,
o Decreto Presidencial que versar sobre a matéria invade a
competência do Poder Legislativo, art.2° da Constituição. Aceitar
tal decreto é admitir a existência do Decreto Autônomo em nosso
ordenamento jurídico, o que resta inconcebível.
O
decreto é, em regra, ato administrativo secundário a que visa dar
regulamentação específica a uma determinada lei. É por meio dele
que existe a regulação do funcionamento da organização dos
setores que abragem o serviço público.
De
toda forma, não pode o decreto legislar contra
legem ou além daquilo
definido na lei que dá o sentido de sua existência. Deve
regulamentar nos exatos termos e limites da lei anterior que o prevê.
No momento em que foge do fim delimitado pela Constituição, deve-se
ajuizar Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental,
definido no art.102, §1° da Carta de Lei Maior.
Nota-se
que, no caso sub exame,
não existe lei anterior que autorize o caráter secundário do
Decreto, todavia há uma legislação que o prevê, certamente, de
modo inconveniente, pois o decreto é um ato administrativo
regulamentar que, segundo a Constituição, não poderia legislar
sobre licitação e contrato. Tal autorização não caberia ao poder
constituinte derivado, quiçá ao legislador infraconstitucional.
O que extingue e cria direitos, segundo a reserva legal, é a lei formal, não podendo, então, um decreto administrativo, invalidar a função legisferante de outro poder, o que destoa da proteção de reforma material da própria Constituição.