Reclamação trabalhista e verbas previdenciárias
Discorre sobre as verbas previdenciárias devidas quando do julgamento de reclamações trabalhistas. Em verbas indenizatórias não incide qualquer tipo de verba previdenciária a ser cobrada pelo INSS.
Como se sabe, a CLT –
Consolidação das Leis Trabalhistas – decreto-lei nº.
5.452 de 1º de maio de 1943, representou uma grande conquista
para os trabalhadores e para as relações laborais.
Afinal de contas, o capitalismo havia chego a um nível tal de
exploração, com trabalhadores, no início do
século XVIII e XIX trabalhando até 16 horas diárias,
sendo que no início, mulheres e crianças trabalhavam
sem remuneração ou qualquer amparo, que urgia a criação
de normas protetivas que não os deixassem ao desalento.
Ocorre que, um dos
princípios fundamentais que deve prevalecer numa audiência
trabalhista é a composição das partes por meio
de acordo. Dentro do acordo, ambas as partes fazem concessões
mútuas. O empregado (reclamante) abre mão de certas
verbas, ou melhor, ao total valor de certas verbas a que tem direito,
enquanto o empregador se coloca na posição de
reconhecer certos direitos pleiteados, como registro em Carteira de
Trabalho e Previdência Social retroativo, abrangendo os
períodos que ficaram sem o devido registro na CTPS. A parte
reclamada (empregador) requer à parte reclamante que conceda o
parcelamento dos valores, em tantas prestações
possíveis, procedendo ao recolhimento do FGTS, INSS e demais
encargos dentro da diferença pleiteada entre o salário
que o empregado recebia e o que deveria receber, os reflexos
decorrentes das atualizações salariais nas verbas que
recebia, e etc.
Busca-se ao máximo
a composição das partes. Assim, pode ficar estabelecido
no acordo o pagamento de todas as verbas salariais devidas, ou apenas
das verbas indenizatórias, ou ambas. Claro que se o julgamento
seguir até seus ulteriores termos, caso o reclamante tenha
razão nos pedidos que faz, o mesmo fará jus ao
recebimento da totalidade dos valores que pleiteia. Mas, seja qual
for o acordo celebrado entre as partes, é sobre este acordo
que os recolhimentos devidos devem ser efetuados, nomeadamente, os
recolhimentos devidos ao INSS – Instituto Nacional da Seguridade
Social, isso quando as verbas são classificadas como de
natureza salarial. E aqui, deve-se dar especial atenção,
posto ser o setor da assistência e da previdência
sociais, extremamente relevante para a sociedade. É o INSS que
concede aposentadoria para nossos nobres concidadãos, quando
estes, depois de uma jornada longa de trabalho, durante toda uma
vida, não mais podem continuar a trabalhar para se
sustentarem; é o instituto da previdência social quem
paga o salário-maternidade, o auxílio-reclusão,
que concede o auxílio-doença, o auxílio-acidente
(neste o INSS entra em ação depois do 16º dia de
paralisação do empregado) e demais prestações
de natureza assistencial.
Quando um pleito
trabalhista é resolvido, o INSS, por meio de seu procurador,
tem interesse em se inteirar dos termos do acordo, para fiscalizar se
os recolhimentos devidos ao mesmo instituto serão realizados
pela parte reclamada (empregador). Tudo isso para se evitar a fraude
ao sistema previdenciário. Aliás, a lei nº. 10.035
de 25 de outubro de 2000, que alterou dispositivos da CLT, assim faz
constar no §4º do art. 831 do Diploma Laboral: “§4º.
O INSS será intimado, via postal, das decisões
homologatórias de acordos que contenha parcela indenizatória,
sendo-lhe facultado interpor recurso relativo às contribuições
que lhe forem devidas”.
Entretanto, há
algumas intervenções da procuradoria da previdência
social que não se justificam, em decorrência da postura
adotada denotar um excesso de zelo injustificável. O parágrafo
4º do art. 831, com a nova redação que lhe deu a
lei n. 10.035 de 25/10/2000, diz que o recurso será
“facultativo”, não obrigatório. Ora, se não
ficar caracterizada a fraude ao sistema previdenciário, o que
justifica a interposição de infindáveis
recursos? A divulgação da burocracia e da morosidade
judicial? Talvez apenas isso realmente a justifique.
Não se pode
vislumbrar fraude onde a mesma resta ausente. Fique-se com um exemplo
para que se tenha uma idéia do que ora se tenta defender: “B”
foi empregado de “C” por três anos. “B” trabalhou para
“C” sem registro em CTPS, não recebeu férias, 13º
salário, não recebia o piso salarial de sua categoria e
ainda, realizava horas extras que não eram pagas por “C”.
Num determinado dia, “B” é dispensado sem justa causa.
Para ter reavidos seus direitos “B” adentra com reclamação
trabalhista contra “C”. Os cálculos realizados na
reclamatória perfazem o montante de R$ 20.000,00 (vinte mil
reais). Isso numa somatória das diferenças salariais,
férias, 13º salário, reflexos no FGTS, INSS, multa
do art. 477 da CLT, que incide quando a pessoa é dispensada
sem justa causa e demais diferenças salariais.
Na audiência, o
Juiz do Trabalho tenta uma conciliação entre as partes.
A reclamada argumenta que seus negócios estão sofrendo
grande declive e que há uma possibilidade da empresa pedir
concordata. “B”, a parte reclamante, faz algumas concessões.
Fica estabelecido no acordo que, à título de verbas
salariais, o reclamante receberá o valor de R$ 5.000,00, mais
registro retroativo de 8 meses. Pergunta-se: o recolhimento do INSS
será feito sobre R$ 20.000,00, cálculo realizado na
peça inicial, ou sobre o valor do acordo, ou seja, R$
5.000,00? Evidente que o recolhimento deverá incidir sobre o
valor do acordo, isto é, R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Homologado o acordo perante a Vara Especializada do Trabalho, a parte
reclamante procede ao pagamento do estabelecido no acordo e procede
ao recolhimento das verbas previdenciárias sobre o valor do
mesmo, que foi de R$ 5.000,00. O INSS adentra com recurso alegando
fraude, argumentando que a parte reclamada deveria ter procedido ao
recolhimento do INSS sobre o valor pedido na inicial, ou seja, R$
20.000,00.
Referido recurso deverá
ser julgado procedente? Evidentemente que não, posto que não
houve fraude. Se o recolhimento das verbas previdenciárias
deve incidir sobre o valor do acordo, ou sobre o valor que
efetivamente o reclamante irá receber, e se o valor da
condenação foi de R$ 5.000,00, salta às
escâncaras que o recolhimento feito sobre este valor não
poderá configurar fraude à previdência. Somente
se deveria proceder ao recolhimento das verbas previdenciárias
sobre R$ 20.000,00, se este fosse o valor da condenação.
O índice de recolhimento da previdência deve recair
sobre valores concretos e não abstratos. O empregador, quando
do cumprimento do contrato de trabalho, não pode recolher
referido índice sobre valores que não pagou ao
empregado, assim como a parte reclamada não poderá
fazer o recolhimento sobre valores que não pagou à
parte reclamante, caso contrário estar-se-ia atribuindo um
ônus à parte reclamada que não encontra
justificativa nem nos autos, nem nos fatos, nem na lei e muito menos
na lógica.
É evidente o
interesse que a previdência social tem nos feitos trabalhistas,
até mesmo para zelar pelo completo atendimento da legislação
previdenciária, notadamente as leis n. 8.212/91 e 8.213/91, no
entanto, sua atuação fiscalizatória não
pode ter o condão de inibir a negociação das
partes.
Quando há um
acordo dentro da reclamação trabalhista, o
contraditório nem mesmo chega a ser instaurado, portanto, não
havendo uma decisão quanto a eventuais verbas salariais
requeridas em sede inicial, as mesmas passam a não se revestir
dos critérios de certeza e liquidez, posto que, somente o
cálculo realizado por perito em momento oportuno poderia
atribuir estes requisitos às verbas constantes do pedido
inicial.
Se há decisão,
determinando o juiz do trabalho que a parte reclamada pague os
valores pedidos em sede inicial, então estes valores passam a
ter certeza e liquidez e, assim, é sobre estes valores que a
parte reclamada deverá proceder aos devidos recolhimentos
previdenciários. Todavia, havendo acordo é sobre os
valores estabelecidos neste que os recolhimentos previdenciários
deverão incidir. Quando se procura a justiça, todos os
excessos devem ser evitados, sob pena de se atravancar o devido
andamento processual. Se o procurador do INSS vislumbrar acordo
dentro de uma reclamação trabalhista, e constatar que o
recolhimento foi feito sobre os valores constantes do acordo, não
precisa nem ter o trabalho de interpor qualquer recurso alegando
fraude, posto que a mesma não estará configurada e isso
qualquer tribunal superior irá constatar. Afinal, como a parte
reclamada pode fazer recolhimentos sobre valores que não
pagou, assim como, como a parte reclamante irá se beneficiar
com o recolhimento de valores que não recebeu? Simplesmente
haveria um contra-senso.
De outra parte há
a questão das verbas indenizatórias, que são
completamente distintas das verbas salariais. Quando, no acordo,
ficar discriminado que as verbas que estão sendo pagas ao
reclamante têm natureza indenizatória e não
salarial, então, neste caso, não haverá a
incidência de qualquer recolhimento ao INSS.
O art. 195, inciso I,
alínea “a” da Constituição Federal de 5 de
outubro de 1988, assim faz constar:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a
sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante
recursos provenientes dos orçamentos da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes
contribuições sociais:”
“I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidente sobre:”
“a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;”
Como se percebe pela
dicção do dispositivo constitucional acima transcrito,
a norma fala de “folha de salários” , portanto, todas as
verbas de natureza não salarial estão isentas da
incidência do INSS.
Deste pensar é o
professor Octávio Bueno Magano, Professor Titular de Direito
do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo – SP, em artigo intitulado “Verbas Trabalhistas e
Contribuições Previdenciárias”, publicado na
Revista Síntese Trabalhista, nº. 101, novembro de 1997,
página 127, que assim fez constar:
“A Constituição, ao tratar das contribuições previdenciárias a cargo do empregador, deixa claro que as respectivas bases de incidências só podem ser a folha de salário, o faturamento e o lucro (art. 195, I). Note-se que não se alude à folha de pagamento, e sim à folha de salários, o que exclui a incidência de contribuições previdenciárias sobre verbas trabalhistas de natureza não salarial, como indenizações por tempo de serviço, aviso prévio indenizado, férias indenizadas e abono.”
Portanto, uma vez que as verbas discriminadas no acordo trabalhista não tenham caráter salarial, mas sim, indenizatório, não há que se falar em verbas previdenciárias devidas ao INSS, e muito menos em fraude diante da ausência de qualquer recolhimento.
Assim, a conduta fiscalizatória dos órgãos do INSS devem se cingir ao estabelecido no acordo firmado entre as partes na audiência trabalhista. Se for feito um acordo, e neste ficarem determinadas as verbas salariais, serão sobre os valores do acordo que os recolhimentos devidos ao INSS deverão ser formulados. Entretanto, caso no acordo fique estabelecido que as verbas a serem pagas à parte reclamante têm caráter exclusivamente indenizatório, então não haverá qualquer verba a ser recolhida aos cofres do INSS.