Autonomia do Direito Eletrônico

Autonomia do Direito Eletrônico

A instituição do Direito Eletrônico como ramo autônomo é um avanço jurídico em virtude das novas demandas e conflitos legais surgidos na atualidade.

Com o advento do Novo Código Civil veio à tona a discussão sobre autonomia do direito eletrônico. Lembro-me bem que uma das frases mais pronunciadas nos corredores da Universidade era que o novel código se tratava de um regramento que já nasceu desatualizado, tanto por não solucionar questões não resolvidas pelo Código de 1916, mas principalmente por não trazer nenhum capítulo sobre o direito eletrônico.

Outrossim, há uma discussão acalorada sobre a autonomia do Direito eletrônico. Se esse deveria ser tratado como um ramo independente ou se deveria continuar a ser abordado junto com os outros campos do direito, como é o que vêm acontecendo.

Todos reconhecem a importância da tecnologia e do direito eletrônico na vida diária e no ambiente jurídico. A dinâmica da vida econômica e social e as mutações que surgem especialmente no campo de novas tecnologias fazem surgir inovações em nosso cotidiano, trazem novas realidades e circunstâncias que repercutem sobre pessoas e situações.

Dessas situações surgem novos problemas e a necessidade de formulação de novos direitos.

Por exemplo, o direito do consumidor, que é um direito moderno, hoje faz parte do ordenamento jurídico como disciplina autônoma. O consumidor ganhou poderes que o capacitam a exercer com eficiência o papel de fiscal e agente regulador do mercado [1]. Atualmente, no que tange ao direito eletrônico, lidamos quase que cotidianamente com delitos virtuais, falta de segurança na internet, pedofilia com o uso da rede dentre inúmeras situações não regulamentadas pelo nosso direito onde temos de usar a analogia e princípios de outras disciplinas para regularmos o direito eletrônico.

Um exemplo prático do surgimento de inovações e suas repercussões no direito foi o surgimento do telefone e do telégrafo no final do século XIX. A partir do nascimento desse meio de comunicação houve uma grande modificação no que tange aos contratos estabelecidos entre presentes e entre ausentes. A legislação pátria com a popularização do telefone passou a considerar entre presentes a contratação efetuada por meio desse aparelho. O art. 1081 do Código Civil de 1916, dizia que deixa de ser obrigatória a proposta se, feita sem prazo a uma pessoa presente, não foi imediatamente aceita.

Assim, por mera ficção, em 1916, já se considerava entre presentes o contrato firmado entre duas pessoas que, embora não estivessem fisicamente juntas, eram capazes de manifestar as suas vontades de imediato. Note-se que o Código passou a desconsiderar a presença simultânea das partes fisicamente no mesmo local para que o encontro de suas vontades, uma vez emitidas, formasse um contrato entre presentes. [2]

O mais simples conceito de contrato, como define o mestre Silvio Rodrigues, é que se trata de um negócio bilateral, isto é, os contratos decorrem do acordo de mais de uma vontade [3]. Entende-se que para haver tal acordo independe das partes estarem no mesmo lugar, no mesmo tempo e espaço. O Código Civil de 1916 mencionava apenas o aparelho telefônico como meio de comunicação, no entanto, por analogia, demais aparelhos porventura existentes seriam também considerados. O Código Civil de 2002, fala expressamente em aparelho telefônico ou outro meio de comunicação semelhante, como versa o art. 428, inciso I. Dessa forma, os contratos formados via virtual são disciplinados como contratos entre presentes.

Apenas para ilustrar a abordagem do tema, menciono a classificação que Mariza Delapieve Rossi [4] faz em relação aos contratos eletrônicos. São três modalidades, a saber, os contratos eletrônicos intersistêmicos, os interpessoais e os interativos. Os primeiros referem-se àqueles negócios jurídicos cujas declarações iniciais de vontade são emitidas pelas partes da forma tradicional, normalmente por meio de contrato escrito, estabelecendo regras gerais para posteriores contratações derivadas que ocorrerão eletronicamente entre os sistemas de computador das partes.

Observando o conceito dos autores sobre o tema, o desenvolvimento dos estudos e crescimento da manifestação da doutrina acerca do direito eletrônico e seus efeitos, poder-se-ia sim, adotar o direito eletrônico como um direito autônomo.

Sabendo-se que os requisitos para o surgimento de uma nova disciplina são: ter objeto, princípios, institutos jurídicos e leis específicas próprias, não se poderia tratar do direito eletrônico como uma disciplina própria a ser introduzida no âmbito universitário, pois falta a ela leis específicas próprias que versem sobre o tema que é regulado nos dias atuais por analogia às legislações vigentes.

Ora, temos como cadeiras obrigatórias na Universidade o Direito agrário, o direito ambiental e a informática jurídica, considerados direitos importantes, mas não tão usados em nossa vida prática como o direito virtual. O direito eletrônico tão presente em nossa vida tanto pessoal como profissional não é regulamentado e nem é considerado por alguns como um ramo autônomo.

Há uma frase de Ihering que diz: “Todos os direitos da humanidade foram conseguidos na luta”. Não acredito que precise do uso da força para que o direito eletrônico seja reconhecido, porém, acredito que esse ramo do direito ganhará autonomia própria o quanto antes, em face de todas as relações jurídicas que advém do uso da internet.

Apesar de regulado por analogia, o direito eletrônico seria melhor absorvido, compreendido e tratado se estudado como disciplina jurídica própria e individual e não só atrelada a outras disciplinas. Instituir o direito eletrônico, o direito de internet, o direito da informática é um avanço jurídico em virtude das novas proposições e conflitos legais que estão sendo tratados. A partir do momento em que há um estudo mais aprofundado no que diz respeito a esse direito tornaria-se fácil por demais a regulamentação das novas demandas que surgem e que necessitam de legislação sobre o tema.

Cada ramo do direito que nasce demanda o reconhecimento de sua autonomia em face dos demais. Contudo não há nenhuma disciplina que seja completamente autônoma uma da outra. O direito não é uma ciência exata e necessita da junção de todas as disciplinas para ser melhor compreendido. No que diz respeito ao direito eletrônico é visível que há uma certa autonomia, ainda que não seja completa, mas tida de forma relativa, por se tratar de matéria tanto específica no que diz respeito ao conteúdo como abrangente a todos os direitos existentes.

Por fim, podemos concluir que nenhuma disciplina é completamente autônoma, pois o Direito não é formado por regras nem princípios absolutos, muito menos exatos. O direito lida com situações humanas que inovam a cada dia e nos trazem cada vez mais impasses a serem elucidados, como é o caso das demandas advindas de procedimentos efetuados via internet.

[1] MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do Direito. 25ª ed. Revista dos Tribunais. Pág 13.

[2] BRUNO, Fábio de Barros. Os contratos eletrônicos e a vontade preestabelecida por meio de programas de computador . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1054, 21 maio 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8447>. Acesso em 18 de outubro de 2008.

[3] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Vol. 3. 29ª ed. São Paulo, saraiva, 2003.

[4] DELAPIEVI ROSSI, Marisa - "Aspectos Legais do Comércio Eletrônico – Contratos de Adesão", Anais do XIX Seminário Nacional de Propriedade Intelectual da ABPI, 1999.

Sobre o(a) autor(a)
Ana Cristina Madruga Estrela
Advogada nas áreas cível, trabalhista e previdenciária. Especialista em Direito Civil e Processual Civil
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