A abstrativização das decisões proferidas no controle difuso de constitucionalidade em sede de recurso extraordinário

A abstrativização das decisões proferidas no controle difuso de constitucionalidade em sede de recurso extraordinário

Trata da nova tendência à abstrativização das decisões proferidas no controle difuso de constitucionalidade, que passariam a ter efeitos "erga omnes" e vinculante.

No controle difuso de constitucionalidade, a decisão emitida pelo Supremo Tribunal Federal declarando a inconstitucionalidade de determinado dispositivo em sede de recurso extraordinário terá eficácia erga omnes e efeito vinculante quando o Senado Federal por meio de resolução publicada no Diário Oficial suspender a norma ora declarada inconstitucional, de acordo com o artigo 52, X, da Constituição Federal.

Nos dias atuais, há uma nova tendência doutrinária e jurisprudencial de equiparação dos efeitos da decisão do controle difuso às do controle concentrado, ou seja, o efeito da decisão que declara a inconstitucionalidade de determinada norma pelo Supremo no exame de um Recurso Extraordinário não ficaria restrita somente ao caso em concreto analisado, reforçando a idéia de que o Supremo Tribunal Federal não pode acumular funções de um Tribunal Constitucional e ao mesmo tempo julgar causas cujos efeitos de sua decisão somente repercutirão entre as partes envolvidas, uma vez que a função precípua desse Tribunal é justamente a de guarda da Constituição.

Esse entendimento, segundo o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, “marca uma evolução no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, que passa a equiparar, ainda que de forma tímida, os efeitos das decisões proferidas nos processos de controle abstrato e concreto”. [1]

A abstrativização do controle difuso de constitucionalidade é a busca de uma maior objetivização do recurso extraordinário, visto que para tomar decisão em ação que envolva questão constitucional é necessário que o julgador faça um juízo sobre a validade de uma determinada norma que tem por característica a generalidade, não possuindo assim, por natureza, a destinação de regular casos concretos específicos, mas sim aplicar um comando abstrato para um número indefinido de situações. [2]

É importante ressaltar que tanto no controle concentrado quanto no controle difuso de constitucionalidade, apenas o Plenário do Supremo Tribunal Federal tem competência para proferir decisão que declara a inconstitucionalidade de norma inserida no texto constitucional.

Dessa forma, a questão da adoção da abstrativização do controle difuso surge de uma clara indagação: por que as decisões referentes à constitucionalidade ou inconstitucionalidade de determinada norma, proferidas em julgamentos de determinados recursos extraordinários pelo Supremo, teriam efeitos diversos daquelas proferidas em sede de controle concentrado, uma vez que estas também são analisadas pelo mesmo Plenário julgador?

Essa é a pergunta comum feita pelos que entendem que o Supremo Tribunal Federal, como defensor máximo de nossa Constituição, não deveria se ocupar diariamente de um amontoado de questões que só se referem a determinados particulares.

O Ministro Gilmar Ferreira Mendes, no Processo Administrativo nº 318.715/STF, assim se manifesta sobre o assunto:

O recurso extraordinário ‘deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou defesa de interesse das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva. Trata-se de orientação que os modernos sistemas de Corte Constitucional vêm conferindo ao recurso de amparo e ao recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde). (...)

A função do Supremo nos recursos extraordinários – ao menos de modo imediato - não é a de resolver litígios de fulano ou beltrano, nem a de revisar todos os pronunciamentos das Cortes inferiores. O processo entre as partes, trazido à Corte via recurso extraordinário, deve ser visto apenas como pressuposto para uma atividade jurisdicional que transcende os interesses subjetivos” [3]

Nesse contexto, e segundo as próprias palavras do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, o que vem ocorrendo é uma verdadeira mutação constitucional, visto que a partir desse entendimento o artigo 52, X, da Constituição, que traz em seu bojo a necessidade da participação do Senado Federal na suspensão da execução da lei declarada inconstitucional, por exemplo, vem sendo interpretado de forma diferente.

É importante salientar a definição de mutação constitucional, que segundo os ensinamentos do jurista Pedro Lenza ocorre quando há "alterações no significado e sentido interpretativo de um texto constitucional, ou seja, a transformação não está no texto em si, mas na interpretação daquela regra enunciada. O texto permanece inalterado". [4]

Segundo essa nova interpretação, o Senado Federal só possuiria o ônus da publicidade, tendo apenas o dever de divulgar a suspensão da execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.

Essa mudança de postura referente à eficácia geral da decisão emanada de Recurso Extraordinário pode ser vista em recentes julgamentos do Tribunal Maior.

Em primeiro plano podemos destacar o julgamento do HC nº 82.959, que teve como relator o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, onde além de declarar a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei federal nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos – vedando a progressão de regime), aplicou o artigo 27 da Lei nº 9.868/99 (Lei da ADI/ADC), para dar eficácia ex nunc à sua decisão, ao invés do efeito ex tunc, aplicando ao controle difuso de constitucionalidade um instrumento do controle concentrado. [5]

Outro caso, em que pode se verificar o sentido da abstrativização da decisão proferida em sede de recurso extraordinário, ocorreu no julgamento pelo STF do RE 197.917, onde o Supremo interpretou a cláusula de proporcionalidade prevista no inciso IV do artigo 29 da Constituição, que cuida da fixação do número de vereadores em cada Município. Tal decisão, que deveria possuir apenas eficácia inter partes, foi utilizada pelo TSE como base para a Resolução nº 21.702/2004, a qual foi alvo de duas ações diretas de inconstitucionalidade (3.345 e 3.365, rel. Min. Celso de Mello) que foram de plano rechaçadas, sob o argumento de ser o STF o guardião constitucional máximo e diante do princípio da força normativa da Constituição. [6]

Nessa esteira, é importante destacar novamente que a objetivização das decisões proferidas em sede de recurso extraordinário visam a não proliferação de milhares de recursos que a cada dia entram no Supremo, muitos deles versando sobre as mesmas questões e usando o Tribunal, que deve ter uma função precipuamente constitucional, apenas como mais uma instância de análise processual.

É importante ressaltar também que com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004 várias mudanças foram feitas no sentido de “selecionar” os recursos que cabem ao Supremo Tribunal analisar, como a criação do instituto da repercussão geral.

No entanto, indo ao encontro desse novo entendimento, existem alguns juristas que olham essa nova postura com certo temor. Alegam que poderia ocorrer uma concentração de poder no Tribunal, comprometendo a harmonia e o equilíbrio expressamente estabelecidos no texto constitucional (sistema dos freios e contrapesos). [7]

Com efeito, tal desconfiança diante da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade não deve prosperar, visto que o seu objetivo é gerar a máxima força normativa à constituição, dando ares ao Supremo de um exclusivo Tribunal Constitucional, uma vez que essa é sua missão como guardião máximo de nossa constituição, propiciando maiores níveis de igualdade e segurança jurídica.

Esse novo entendimento é também, dentro do controle de constitucionalidade no Brasil, uma nova forma de enxergar o que há muito já se vê em outros países, qual seja uma verdadeira preocupação no que concerne à guarda da Constituição, vislumbrando assim, uma maior efetividade e universalidade das normas constitucionais.

[1] MENDES, Gilmar Ferreira, Controle de Constitucionalidade incidental. Disponível em www.gilmarmendes.com.br. Site visitado em 05.08.2008.

[2] ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. pág. 26

[3] DIDIER JR., Fredie. Transformações do Recurso Extraordinário. In: Processo e Constituição. Estudos em homenagem a professor José Carlos Barbosa Moreira. Luiz Fux, Nelson Nery Júnior, Teresa Arruda Alvim Wambier (coordenadores). São Paulo: RT, 2006. Pág. 122.

[4] MENDES, Anderson de Moraes. A abstrativização do controle de constitucionalidade concreto. Disponível em http://www.lfg.com.br 30 maio. 2008. Apud; LENZA, Pedro, Direito Constitucional Esquematizado 12ª edição, Editora Saraiva, 2008. Site visitado em 3/08/2008.

[5] DIDIER JR., Fredie. Transformações do Recurso Extraordinário. In: Processo e Constituição. Estudos em homenagem a professor José Carlos Barbosa Moreira. Luiz Fux, Nelson Nery Júnior, Teresa Arruda Alvim Wambier (coordenadores). São Paulo: RT, 2006. Pág. 125.

[6] DIDIER JR., Fredie. Transformações do Recurso Extraordinário. In: Processo e Constituição. Estudos em homenagem a professor José Carlos Barbosa Moreira. Luiz Fux, Nelson Nery Júnior, Teresa Arruda Alvim Wambier (coordenadores). São Paulo: RT, 2006. Pág.124.

[7] MENDES, Anderson de Moraes. A abstrativização do controle de constitucionalidade concreto. Disponível em http://www.lfg.com.br. Acessado em 3/08/2008.

Sobre o(a) autor(a)
Guilherme de Freitas Germano
Estudante de Direito
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