A nova redação do art. 42 da Lei nº 8.987/95

A nova redação do art. 42 da Lei nº 8.987/95

Breve exposição sobre as alterações legislativas que acabaram por prorrogar os prazos das concessões e permissões de serviços públicos.

Nosso intuito no presente ensaio é tentar analisar as mudanças trazidas ao texto legal que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos; neste sentido, cabe ressaltar que a Lei Federal nº. 11.445, de 5 de janeiro de 2007 (que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico) alterou a redação do art. 42 da Lei Federal nº. 8.987, de 13 de fevereiro de 1.995, dando nova redação ao parágrafo primeiro e incluindo os parágrafos terceiro à sexto, delimitando um novo contexto jurídico às concessões cujo prazo mencionado no contrato ou ato de outorga já havia se exaurido.

Antes, porém, de atacar o assunto, e buscando tornar a leitura deste texto mais didática e agradável, numa tentativa de criar um raciocínio lógico e construtivo, necessário se faz conceituar concessão. Para tanto, parece-nos que as lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro [1] são elucidativas: “concessão é o contrato administrativo pelo qual a Administração confere ao particular a execução remunerada de serviço público ou de obra pública, ou lhe cede o uso de bem público, para que o explore por sua conta e risco, pelo prazo e nas condições regulamentares e contratuais”.

Explicitando o conceito, o particular, na concessão, se remunera com a exploração do próprio serviço. Assim, estabelecida a tarifa a ser cobrada do usuário, uma primeira conclusão que podemos chegar quanto ao prazo de duração da concessão é que este deverá ser capaz de possibilitar a amortização dos investimentos e gerar lucro ao concessionário. Este raciocínio nos leva a concluir que toda concessão deve ter um prazo. E nem poderia ser diferente, tanto que o art. 2º, inciso II da Lei 8.987/95 traz o conceito legal de concessão, e estabelece que terá essa prazo determinado. Já o art. 18, inciso I da mesma lei traz a necessidade do edital de licitação constar o prazo da concessão.

Ademais, antes de avançar sobre a questão central do debate, cabe ainda neste trabalho uma breve menção sobre os contratos de permissão de serviço público. Sua distinção (concessão e permissão) nunca foi fácil, como destaca Odete Medauar [2], uma vez que ambas implicam prestação de serviços públicos por particulares, com remuneração assegurada pela tarifa que os usuários pagam. Parece-nos que a principal diferença entre os dois institutos é que, enquanto na concessão tem-se contrato com prazo certo, na permissão tem-se a precariedade como característica marcante. Mas a Administração tem desvirtuado o conceito. Celso Antonio Bandeira de Mello [3] destaca: “A Administração confere, a título de permissão, serviços públicos que demandariam permanência, estabilidade e garantias razoáveis em prol de seu prestador. Surgiram, até mesmo, leis que prevêem outorga de permissão para serviços cujo desempenho implica investimento de considerável monta (transporte coletivo de passageiros, por exemplo)”. Assim, iniciou-se uma prática de se entregar a prestação de serviços públicos a particulares através de permissões; entretanto, ao invés de serem precárias, fixa-se prazo de duração. Ocorrendo isto, parece que temos apenas o nome de permissão, mas a natureza jurídica do negócio realizado é de verdadeira concessão. E compartilham deste entendimento Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Celso Antônio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, dentre outros.

Traçado este singelo panorama sobre as permissões, consideramos válidas as observações que serão feitas no tocante às concessões para as permissões efetuadas com prazo de duração, pois são verdadeiras concessões. Hely Lopes Meirelles, Lúcia Valle Figueiredo, Diógenes Gasparini, dentre outros, entendem de forma diversa. O que se tem por pacífico é que, quando a Administração pretende entregar a prestação de serviços públicos a particulares, e estes serviços dependam de investimentos altos e de um prazo para sua amortização, pagos através das tarifas dos usuários, o modelo a ser adotado é o das concessões, não estando o Administrador no exercício de competência discricionária, quanto à escolha do modal jurídico.

Feitas essas observações, partamos à análise das alterações legislativas, que muito interessam aos concessionários/permissionários cujos contratos já se encontram vencidos. O parágrafo terceiro remete às concessões referidas no parágrafo segundo, quais sejam, “as concessões em caráter precário, as que estiverem com prazo vencido e as que estiverem em vigor por prazo indeterminado, inclusive por força de legislação anterior, permanecerão válidas pelo prazo necessário à realização dos levantamentos e avaliações indispensáveis à organização das licitações que precederão a outorga das concessões que as substituirão, prazo esse que não será inferior a 24 (vinte e quatro) meses”.

Muitos contratos encontram-se com prazo vencido, mas os “concessionários” continuam operando e prestando o serviço público então concedido, essenciais e que se regem pelo princípio da continuidade. A antiga redação do art. 42 da Lei 8.987 não abrigava com propriedade tais situações. Já na nova redação um novo panorama se apresenta. Uma primeira constatação que se faz da simples leitura do texto legal é que tais situações deverão ser equacionadas e resolvidas até 31 de dezembro de 2.010, desde que cumpridas até 30 de junho de 2.009 as seguintes condições:

  1. levantamento mais amplo e retroativo possível dos elementos físicos constituintes da infra-estrutura de bens reversíveis e dos dados financeiros, contábeis e comerciais relativos à prestação dos serviços, em dimensão necessária e suficiente para a realização do cálculo de eventual indenização relativa aos investimentos ainda não amortizados pelas receitas emergentes da concessão, observadas as disposições legais e contratuais que regulavam a prestação do serviço ou a ela aplicáveis nos 20 (vinte) anos anteriores ao da publicação desta Lei;

  2. celebração de acordo entre o poder concedente e o concessionário sobre os critérios e a forma de indenização de eventuais créditos remanescentes de investimentos ainda não amortizados ou depreciados, apurados a partir dos levantamentos referidos no inciso I deste parágrafo e auditados por instituição especializada escolhida de comum acordo pelas partes; e

  3. publicação na imprensa oficial de ato formal de autoridade do poder concedente, autorizando a prestação precária dos serviços por prazo de até 6 (seis) meses, renovável até 31 de dezembro de 2008, mediante, comprovação do cumprimento do disposto nos incisos I e II deste parágrafo.

Do todo alterado, o que nos parece mais chamar a atenção é a possibilidade do particular ser indenizado, caso reste provado, dos levantamentos que deverão ser realizados até 30 de junho de 2.009, que existem investimentos que ainda não foram amortizados pelas receitas oriundas da exploração do serviço concedido.

E assim surge não só uma solução às concessões/permissões cujo prazo já se extinguiu, como surge também a possibilidade de se fazer uma conta de ajuste para ver se o equilíbrio econômico-financeiro existente no momento da contratação ainda persiste – e caso não esteja mais presente, a obrigação de ressarcir o que eventualmente se deixou de ganhar ou ganhou à mais.

Corroborando a necessidade de se manter o equilíbrio econômico-financeiro, o novo parágrafo quarto estabelece que o cálculo da indenização de investimentos, em não havendo o acordo previsto no inciso II do parágrafo terceiro, será feito com base nos critérios previstos no instrumento de concessão antes celebrado.

Questão que pode surgir é sobre a extensão desta indenização. Neste particular, atenção especial se volta a supostos prejuízos suportados pelos concessionários/permissionários por conta de benefícios tarifários concedidos pelo Estado sem indicação da fonte de custeio. Assim, provado o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato, por conta de ato unilateral do Poder Concedente, e não estando incluído tal ato na denominada álea ordinária, cuja responsabilidade é do particular, parece-nos clara a obrigação de ressarcimento. Aliás, esse entendimento já se fazia possível mesmo antes do advento da alteração legislativa ora em comento.

O mesmo raciocínio está presente no eventual desequilíbrio oriundo de defasagem tarifária. O que se licita e se contrata é uma equação econômico-financeira. Nas lições de Celso Antônio Bandeira de Mello [4], aquilo a que o concessionário tem direito é à integralidade de um valor, cuja inteireza se perfaria em certo período. Todavia, tal recomposição contratual só será possível, a nosso ver, se a defasagem tarifária se originou de fatores outros que não o simples reajuste, caso o contrato de outorga traga índice oficial para tal finalidade, e este tenha sido aplicado. Isto por que, ao que parece, estando a tarifa defasada por conta de situações às quais o empresário está sujeito (álea ordinária), deve este responder. Outrossim, estando defasada face ao não reajustamento dos valores (descumprimento contratual), pela simples aplicação do índice aos valores da tarifa, o Poder Concedente é responsável. O festejado administrativista acima aludido leciona: por certo, o que se pretende em casos tais é o óbvio: aquilo mesmo que se espera de uma cláusula de reajuste constante de avença administrativa; a saber: a mantença da equação econômico-financeira, de molde a salvaguardar o equilíbrio inicialmente estipulado. E é isso que deve, como um direito do contratante, conforme exposição anterior, ser deferido a ele [5].

Portanto, a defasagem tarifária, oriunda de fatores outros que não o reajuste contratual (desde que existente no contrato índice oficial e tenha este sido aplicado), autoriza o particular a requerer o re-equilíbrio do contrato. E nem poderia ser diferente, pois sua remuneração restará prejudicada.

Por fim, apurado o montante indenizatório, eventualmente a manutenção das concessões/permissões por prazo suficiente para amortizar tal débito seria saída possível. Entretanto, não nos parece a mais indicada, pois uma vez que o direito subjetivo à indenização está positivado, assim como o prazo máximo da mantença das situações de fato, após 31 de dezembro de 2010 a solução primeira seria a indenização em pecúnia, e não com aumento de prazo de exploração do serviço público. Ressaltamos, todavia, que frente à eventual caso concreto, com suas peculiaridades, outras soluções talvez possam ser visualizadas.

Portanto, como conclusão desta sucinta análise podemos afirmar que o novo texto legal se presta a solucionar situações até então obscuras, que geravam insegurança ao Poder Concedente, aos concessionários/permissionários dos serviços públicos e principalmente ao usuário. Outrossim, resta agora ao Poder Público dar efetividade ao mando legal, agindo sob a égide da boa-fé, e cumprindo com seu dever de gerir a coisa pública.

[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 274.

[2] MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 326.

[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 725.

[4] Op. cit., p. 695.

[5] Op. cit., p. 629.

Sobre o(a) autor(a)
Luiz Felipe Hadlich Miguel
Advogado, sócio de Advocacia Luiz Felipe e Carvalho Filho. Bacharel em Direito e Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Direito Administrativo pela Pontifícia...
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