A pena restritiva de liberdade à luz dos sistemas penitenciários

A pena restritiva de liberdade à luz dos sistemas penitenciários

Analisa criticamente a pena restritiva de liberdade com base na evolução dos sistemas penitenciários Pensilvânico; Auburniano e Progressivo.

Este artigo visa uma análise mais aprofundada acerca dos principais sistemas penitenciários e a evolução dos mesmos. Para tal, usarei como fonte mister o livro: Falência da Pena de Prisão do grande penalísta César Roberto Bittencourt.

Os primeiros sistemas penitenciários surgiram nos Estados Unidos, porém, torna-se inequívoco afirmar que a restrição da liberdade de outrem é um invento norte-americano. A prisão é uma idéia contemporânea, remonta ao Iluminismo, ou seja, pouco mais de 200 anos. Pode-se dizer que possui quatro precedentes históricos.

A primeira forma de prisão que temos ciência é a Prisão Custódia, usada para guardar o réu até o dia do julgamento. Não possuía uma arquitetura própria, nem localização específica, geralmente usavam-se locais subterrâneos (poços artesianos), penhascos, masmorras, entre outros. Seu objetivo era privar o réu de sua liberdade, o qual muitas vezes morria devido às péssimas condições a que se sujeitavam. Já as Prisões Eclesiásticas surgem na Idade Média, nelas o condenado vivia em um mosteiro, onde ficava em locais sob administração religiosa. Normalmente eram locais isolados, sem iluminação e suas Leis eram com base no Direito canônico. No que tange às Prisões de Estado, terceira forma de prisão, pode-se dizer que começa a existir uma arquitetura própria, que eram as torres do Castelo. Por fim, as Casas de Correção, as quais surgem na Idade Média e se alastram na Idade Moderna, criadas para corrigir um tipo de cidadão nocivo socialmente através do trabalho de transformação destes próprios indivíduos.

Feita uma breve retomada dos precedentes históricos anteriores ao surgimento da pena privativa de liberdade, iniciarei uma breve análise sobre os sistemas penitenciários Pensilvânico ou Celular; Auburniano e por fim, o sistema Progressivo, apontando seus aspectos nucleares, cabendo ressaltar que tais sistemas marcaram o nascimento da pena privativa de liberdade, superando a utilização da prisão como simples meio de custódia, focando-a com um olhar ressocializador próprio do Direito Penal Humanitário.

O sistema Pensilvânico ou Celular é o mais antigo e mais duro dos três sistemas. O fundador da Colônia da Pensilvânia, Guilhermo Penn, prescreveu o estabelecimento de leis inglesas a mando do Rei Carlos II, submetendo à Assembléia Colonial da Pensilvânia o que se chamou de a “Grande Lei”, que por sua vez objetivava a atenuação da legislação penal inglesa, que se dava por duas maneiras: a atuação da lei conforme os princípios quaqueiros, os quais repudiam todo e qualquer ato violento, limitando a pena de morte apenas para o homicídio, e substitui as penas corporais e mutilantes por penas privativas de liberdade e trabalhos forçados. Em segundo lugar, melhorar a situação das pessoas que se encontravam detentas, tendo como base negativa, o que havia visto nas prisões inglesas onde a promiscuidade e a corrupção eram exorbitantes.

Com sua morte, a Assembléia foi convencida pelo governador a introduzir a lei inglesa, porém, o seu legado não foi totalmente deixado de lado, servindo de base para o surgimento de associações destinadas a suavizar as condições dos presos e reformar as prisões. Por influência destas, em 1786, houve a modificação do Código Penal, e os trabalhos forçados foram abolidos. A pena de morte passou a ser aplicada em poucos casos, criando-se um consenso que as penas restritivas de liberdade deveriam contribuir para uma ressocialização dos condenados. A primeira prisão norte-americana foi construída em 1776, recebendo o nome de Walnut Street Jail.

O sistema Celular tinha como características o isolamento, a oração e a abstinência de qualquer forma de vício, quais sejam, bebidas alcoólicas, cigarros, entre outros, além do incentivo à religião. Eram princípios basilares para que os litigantes fossem conduzidos do erro à virtude e à felicidade. Essa instituição aplicou o solitary confinement (confinamento solitário), atualmente conhecido como “solitária”, aos presos, que, sendo muito perigosos, ficavam em celas isoladas, enquanto os outros eram mantidos em celas comuns, a estes eram permitidos trabalharem conjuntamente durante o dia, de qualquer maneira, sempre aplicando um rigoroso controle do silêncio.

Em poucos anos, essa experiência começou a mostrar seus resultados, digam-se de passagem, nada satisfatórios. Tendo como causa fundamental deste fracasso o extraordinário crescimento da população penal que se encontrava em Walnut Street .As sábias palavras de Von Hentig discorrem bem sobre o assunto:

A tortura se refina e desaparece aos olhos do mundo, mas continua sendo uma sevícia insuportável, embora ninguém toque no apenado. O repouso e a ordem são os estados iniciais da desolação e da morte”.

A principal crítica que se faz ao regime celular foi referente à tortura refinada que o isolamento total proporcionava. Charles Dickens, um célebre visitante, que, além de jurista, era também uma pessoa, que em toda sua vida, havia se interessado pelo delito e pelo delinqüente, considerou que o isolamento se convertia na pior tortura, em efeitos mais dolorosos que os que o castigo físico podia produzir, sem que seus danos fossem evidentes e sem que aparecessem no corpo do condenado.

Ferri afirmou que o sistema celular era uma das aberrações do século XIX, considerando o sistema Pensilvânico desumano, estúpido e inutilmente caro.

Apesar dos graves efeitos que o isolamento total tem produzido, infelizmente, continua sendo utilizado, não sendo difícil achar uma resposta, pois, querendo ou não, essa forma de confinamento, é um excelente instrumento de dominação e controle e, por isso, ainda é utilizado nas prisões modernas. Para exemplificar, cito algo que chega a ser paradoxal. Nada mais, nada menos que uma das maiores potências mundiais da atualidade: Alemanha, onde o tratamento a que são submetidos os presos políticos, assemelha-se ao regime celular, ao serem encerrados em celas privadas de estímulos, completamente isolados do mundo exterior. Acontecendo o inevitável, ou seja, as pessoas que lá residem, ficam completamente loucas, não conseguem sequer identificar o significado das palavras.

De maneira geral, os regimes penitenciários devem conter duas vertentes: por um lado devem servir como instrumento para impor ordem e segurança, e por outro, devem propiciar a reabilitação do meliante. Mas quando nos deparamos com um país extremamente desenvolvido, tanto nos aspectos tecnológico, cultural, social, entre outros, utilizando um sistema celular, similar ao pensilvânico, é evidente que o princípio da ressocialização foi deixado de lado.

Após fazer referência ao sistema Pensilvânico, passarei ao estudo do sistema Auburniano, o qual, também, é de origem norte-americana, deriva do nome da penitenciária de Auburn, que se situa na cidade de Nova York. Uma das razões que levaram ao surgimento desse sistema foi o próprio fracasso, e o desejo de superar as limitações do regime celular.

A autorização definitiva para a construção da prisão de Auburn só ocorreu no ano de 1816. De acordo com uma ordem, os prisioneiros seriam divididos em 3 categorias: a primeira era composta pelos mais velhos e persistentes delinqüentes, aos quais se destinou o isolamento contínuo; na segunda situavam-se os menos incorrigíveis, que somente eram destinados às celas de isolamento três dias na semana e tinham permissão para trabalhar; a terceira era integrada pelos que davam maiores esperanças de serem corrigidos. A estes somente era imposto o isolamento noturno, permitindo-se trabalhar juntos durante o dia, ou sendo destinadas celas individuais um dia na semana. Como não poderia dar outro resultado, essa experiência de estrito confinamento solitário em celas escuras resultou em um grande número de mortos e loucos, com pouquíssimos resultados positivos. A partir de então, estendeu-se uma política de permitir o trabalho em comum dos reclusos, sob absoluto silêncio e confinamento solitário durante a noite. Aliás, não poderíamos deixar de citar que o traço marcante do sistema é o silêncio absoluto, não é atoa que este sistema em especial é chamado de silent system, onde o preso não se comunicava com ninguém. Em outras palavras, o sistema Auburniano não visava a recuperação do meliante, mas sim a obediência do recluso, a manutenção da segurança no centro penal e a finalidade utilitária consistente na exploração da mão-de-obra carcerária. Destarte, pode-se dizer que esse sistema não atende ao caráter de ressocialização do indivíduo, mas sim produz resultados desastrosos, assim como o sistema Pensilvânico, e um agudo sentido de economia, do qual falaremos com maior detalhe.

Com a restrição à importação de escravos na primeira metade do século XVIII, a conquista de novos territórios e a rápida industrialização, produziu-se um vazio no mercado de trabalho, que não conseguia ser suprido apenas pelos índices de natalidade e de imigração. Desta forma, o sistema Auburniano surgiu como forma de adequar a mão-de-obra dos detentos aos ideais do modelo capitalista, fazendo com que o recluso ficasse submetido ao seu regime político-econômico, aproveitando-o como força produtiva.

O sistema de Auburn adota, além do trabalho em comum, a regra do silêncio absoluto. Os detentos não podiam falar entre si, somente com os guardas, com licença prévia e em voz baixa. Para Foucault, o silêncio ininterrupto, propicia mais que apenas a meditação e a correção, é um instrumento essencial de poder, permitindo que uns poucos controlem uma multidão, e o critica severamente, dizendo que o mesmo não é um instrumento propiciador da reforma ou da correção do delinqüente, mas sim um meio eficaz para a imposição e manutenção do poder.

O trabalho como uma das bases do sistema tem um caráter ressocializador do indivíduo, inserindo-o novamente na sociedade, ensinando-o um ofício, porém é de apreciável importância ressaltar que, desde aquele tempo até os dias de hoje, a estigmatização do preso se torna um grande problema, devido a preconceitos oriundos da classe trabalhadora, a qual não se sentia, e até hoje, não se sente a vontade trabalhando ao lado de ex-presidiários.

Também cito que um dos fatores que levaram ao desuso desse sistema foi a implantação de um regime disciplinar rigoroso com os detentos, fazendo com que existisse uma atmosfera negativa e deprimente, assim, reduzindo e muito, as chances de sucesso desse sistema.

Antes de qualquer coisa, deve-se ressaltar que o sistema Progressivo foi o adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, e não os dois outros sistemas supramencionados.

A idéia de um sistema penitenciário progressivo surgiu no final do século XIX, mas, só foi usado com maior freqüência depois da eclosão e término da 1ª Guerra Mundial. Esse sistema em especial, é, de fato, diferente dos sistemas Auburniano e Pensilvânico, pois nele, o preso divide o tempo de sua condenação em períodos, sendo que em cada um deles, o detento passaria a adquirir novos privilégios, claro, se este apresentasse um comportamento carcerário satisfatório.

Outro aspecto importante era a possibilidade de o recluso reincorporar-se à sociedade antes do término da condenação. O sistema progressivo tinha como fundamento norteador dois princípios: o estímulo à boa conduta do recluso e a obtenção de sua reforma moral, para assim estar apto para uma vida em sociedade no futuro, pensamentos bem divergentes daqueles que norteavam os sistemas Auburniano e Pensilvânico. O avanço considerável obtido pelo sistema progressivo justifica-se pela importância dada à vontade do recluso e porque diminuíra o rigor excessivo na aplicação da pena privativa de liberdade.

O sistema progressivo inglês ou Mark system foi desenvolvido pelo capitão Alexandre Maconochie, no ano de 1840, na Ilha de Norfolk, na Austrália. Esse sistema consistia em medir a duração da pena, diga-se de passagem, de uma maneira um tanto quanto simples, essa medição dava-se através de uma soma do trabalho e da boa conduta imposta ao condenado, e a partir de um momento em que o condenado satisfazia essas duas condições, a ele era computado certo número de marcas, daí o nome (mark system), de tal forma que a quantidade de marcas que o condenado necessitava obter antes de sua liberação deveria ser proporcional à gravidade do delito por ele praticado.

Então, é possível afirmar que a duração da pena baseava-se em três requisitos: conjugação entre a gravidade do delito; o aproveitamento do trabalho e a conduta do apenado.

A divisão do sistema dava-se em três períodos. O primeiro, chamado de isolamento celular diurno e noturno tinha a finalidade de fazer com que o apenado refletisse sobre seu comportamento delituoso, podendo ser submetido a trabalho duro e obrigatório, com regime de alimentação escassa. Num segundo momento, vinha o trabalho em comum sob a regra do silêncio, durante esse período o condenado era recolhido em um estabelecimento denominado public workhouse, sob o regime de trabalho em comum, com a regra do silêncio absoluto durante o dia, mantendo-se a segregação noturna. Por fim, vinha a liberdade condicional, nesse período o condenado obtinha a liberdade limitada, uma vez que a recebia com restrições, às quais devia obedecer; observando uma vigência determinada. Passado esse período sem nada que determinasse sua revogação, o condenado obtinha sua liberdade de forma definitiva.

Apesar de obter grande sucesso e difusão por toda a Europa, o sistema progressivo inglês foi posteriormente substituído pelo irlandês. Criado por Walter Crofton, diretor das prisões na Irlanda, tido por alguns como o verdadeiro criador do sistema progressivo, fez a introdução desse sistema na Irlanda, com uma modificação fundamental, dando origem ao que se denominou sistema irlandês. Pode-se dizer que ele aperfeiçoou o sistema inglês. Crofton introduziu prisões intermediárias. Na realidade, tratava-se de um período intermediário entre as prisões e a liberdade condicional, considerado por ele como uma prova, para que o recluso pudesse então convencer a todos de que estava apto para conviver novamente em sociedade. Deste modo, podemos dizer que o sistema irlandês é subdivido em 4 partes: reclusão celular diurna e noturna; Reclusão celular noturna e trabalho diurno em comum; Período intermediário: única diferença existente entre os sistemas inglês e irlandês; e por fim, a liberdade condicional;

O sistema progressivo irlandês foi adotado e ainda vigora em inúmeros países, entre eles, o Brasil.

Atualmente, o sistema progressivo encontra-se em crise, e paulatinamente anda sendo substituído por um sistema de tratamento de “individualização científica”, que por sua vez, também não é 100% eficaz.

Uma das causas da crise do sistema progressivo deve-se à irrupção, nas prisões, dos conhecimentos criminológicos, o que propiciou a entrada de especialistas muito diferentes daqueles que o regime progressivo clássico estava acostumado. Dentre outras limitações: de que a efetividade do sistema é uma ilusão, pois poucas esperanças pode-se ter com um regime que começa com um rigoroso controle sobre toda a atividade do recluso, especialmente em regime fechado; o sistema progressivo alimenta a ilusão de favorecer mudanças que sejam progressivamente automáticas. O afrouxamento do regime não pode ser admitido como método social que permitia a aquisição de maior conhecimento da personalidade e da responsabilidade do interno; não é plausível, que o recluso esteja disposto a admitir voluntariamente a disciplina imposta pela instituição penitenciária; o sistema progressivo parte de um conceito retributivo, que muitas vezes é só aparente.

A crise do sistema progressivo levou a uma profunda transformação dos sistemas carcerários, e nas últimas décadas esse problema, talvez tenha piorado ainda mais, por vários fatores como: a redução da pena de prisão, o aumento da expectativa de vida da população, aumento da sensibilidade social em relação aos direitos humanos e à dignidade do ser humano.

Por fim, resta-me dizer que ao escolher o tema Sistemas Penitenciários, tive o intuito de adquirir um conhecimento ainda maior das penas restritivas de liberdade à luz de suas origens históricas, características e objetivos, diferenças e semelhanças e críticas. Um tema tão importante, e, infelizmente, tão pouco divulgado.

Não obstante, digo que nenhum dos sistemas é eficaz, não totalmente, e isso não apenas por culpa dos criadores dos sistemas, mas também da própria sociedade, a qual não consegue transpor algumas barreiras, das quais cito a discriminação, o preconceito e o comodismo. Todos nós exigimos que a Lei seja cumprida, mas a mesma Lei que impõe o afastamento daqueles que são nocivos à sociedade e os submetem a um tratamento re-educacional, também impõe à sociedade uma pequena parcela no processo de reinserção social do condenado.


BIBLIOGRAFIA

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. 396p.

Sobre o(a) autor(a)
Alexandre Rímulo
Estudante de Direito do 8º período da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC-MG; ex-conciliador e estagiário do Ministério Público do Juizado Especial Criminal - Belo Horizonte.
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