A imprescindibilidade do inquérito policial

A imprescindibilidade do inquérito policial

O inquérito policial vem sendo renegado pela doutrina nacional, inclusive adjetivado como dispensável. Mas, ao contrário, é documento de garantia e salvaguarda do cidadão e da própria justiça.

Vivenciado a Polícia Judiciária Civil desde os dezenove anos de idade, primeiro como estudante de direito estagiário em Delegacia de Polícia, depois como Escrivão de Polícia ad hoc, Escrivão de Polícia concursado no Estado do Paraná e atualmente Delegado de Polícia no Estado do Mato Grosso, posso afirmar que, ao longo de quase dez anos não tive notícias de uma ação penal intentada pelo Ministério Público que não tenha sido baseada no “dispensável” inquérito policial.

Como estudante de direito e agora operador do direito, muitas foram as doutrinas de direito processual penal consultadas, todas muito copiosas nas lições que tratam sobre ação penal, provas, instrução criminal, tribunal do júri etc., ao mesmo tempo em que são parcos os ensinamentos no que tange ao Inquérito Policial, ainda que a seu respeito figure substanciosa quantidade de artigos, vinte no total, elencados no Livro I, Título II do Código de Processo Penal (artigos 4º ao 23).

De regra os doutrinadores limitam-se em asseverar que o Inquérito Policial é peça meramente informativa e prescindível. Cingindo-se a uma visão técnica mais apressada e descomprometida com o instituto, em interpretação restrita da lei, quiçá possuam certa razão. Há que se gizar, de outro lado, que a técnica não pode estar divorciada de princípios balizadores, muito menos da prática.

Registre-se que milita em desfavor do verdadeiro papel de sustentáculo do Inquérito Policial, a tímida contribuição jurídico-literária dos Delegados de Polícia, logo, se não escrevemos doutrina, a visão passada aos acadêmicos de direito e futuros juristas é de quem as escrevem.

Não obstante densa doutrina nacional com renomados juristas argumentando que o Inquérito Policial é dispensável, ousamos discordar dos doutos e afirmar que tal instrumento é imprescindível, e mais, é fundamental.

Todo o arcabouço jurídico processual-penal tem como supedâneo o Inquérito Policial, e sua principal característica dentro do nosso Estado Democrático de Direito é de ordem garantista, ou seja, ele é pedra angular da segurança jurídica, e bem assim, atua decisivamente para a tão almejada justiça.

Outro não foi o pensamento do legislador, o qual na exposição de motivos do Código de Processo Penal atestou: “(...) há em favor do inquérito policial, como instrução provisória antecedendo à propositura da ação penal, um argumento dificilmente contestável: é ele uma garantia contra apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral causado pelo crime ou antes que seja possível uma exata visão de conjunto dos fatos, nas sua circunstâncias objetivas e subjetivas(...) mas o nosso sistema tradicional, como o inquérito preparatório, assegura uma justiça menos aleatória, mais prudente e serena” (grifei).

Essa garantia é também corolário do princípio mais sensível e emblemático do Estado Democrático de Direito, qual seja, o da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III da Constituição Federal), que não pode de forma nenhuma ser arrostado.

Diante disso, se há previsão legal para se recorrer a um órgão técnico-jurídico, que é a Polícia Judiciária Civil, a qual dispõe de um instrumento especializado, que é o Inquérito Policial, idôneo a amealhar elementos sólidos e coerentes para ancilar futura ação penal, não há justificativa razoável para se pular essa fase integrante do nosso sistema processual acusatório. Nesse diapasão, é força admitir que o Estado tenha de esgotar todos meios de que dispõe, colimando assim preservação de direitos do cidadão ante o seu jus libertatis e manutenção do prestígio, credibilidade das instituições e aplicação correta do jus puniendi.

Os artigos 27, 39, § 1º e 46, §1º, todos do Código de Processo Penal, até dão a falsa noção de que o Inquérito Policial é dispensável, já que o Ministério Público pode deflagrar ação penal sem que se passe pela fase de instrução provisória. Ocorre que os Promotores de Justiça mesmo que não apoiados nos argumentos expendidos, mas tendo em mira os fatos em concreto, invariavelmente, ainda que de posse das aludidas peças de informação, requisitam a instauração do Inquérito Policial, já que é mecanismo do qual não é justificado abrir mão.

Acerca da importância do Inquérito Policial, merecem ser visitados os seguintes posicionamentos judiciais:

O extinto Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, tendo como revisor o Dr. Valentim Silva, fundamentou que: “Não se pode dizer, de forma absoluta, ter a prova do inquérito valor meramente informativo. Aquilo que se apura durante a investigação policial há, indubitavelmente, de ser ponderado e examinado como matéria útil ao conhecimento da verdade, dando-se-lhe a credibilidade que merecer, dentro da melhor técnica recomendada pela hermenêutica”. (Citado no Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. Alberto Silva Franco e Outros. Vol. 1. p. 950. Ed. RT 99 ).  

De igual sorte, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que: “É incontroverso que na fase judicial as partes podem produzir provas que possam invalidar aquelas constantes do inquérito policial, mas nem por isso se há de acolher a tese da imprestabilidade do inquérito policial como se este fosse uma peça descartável após o oferecimento da denúncia” (idem. p. 951). 

Há que se desfazer outro equívoco, o de que o inquérito policial é desprovido de contraditório. A maioria dos crimes de considerável potencial ofensivo deixa vestígios, urgindo então de realização de exame de corpo de delito direto (regra) ou indireto, conforme preceitua o artigo 158 do Código de Processo Penal.

E é no Inquérito Policial que a prova pericial é produzida, a qual poderá ser contraditada em juízo. Dessa forma, seguindo os ensinamentos dos Professores Rogério de Lauria Tucci e Luiz Flávio Gomes, subsiste o princípio do contraditório postergado ou diferido, isto é, na fase judicial será aberto espaço para o contraditório, mas a perícia não será refeita. Esse é, com efeito, mais um argumento a favor da indispensabilidade do Inquérito Policial.

Destarte, em que pesem as vozes argumentando em sentido contrário, que se valem de interpretações perfunctórias, de cunho puramente gramatical e literal, e não teleológico e útil. Vozes essas corporativistas e que fazem parte da hegemonia de um segmento de doutrinadores que incompreensivelmente menosprezam a função da Polícia Judiciária sem ter em conta a devida importância do Inquérito Policial na prática, este não é meramente informativo, mas antes, irrenunciável.

Melhor seria dizer que a regra é a imprescindibilidade do Inquérito Policial, documento que sempre deve subsistir para que o dominus litis da ação penal forme o seu convencimento, e a exceção a desnecessidade do Inquérito Policial em alguns casos esporádicos, quadrando considerar que ainda assim com sérios riscos, implicando denúncia débil e conseqüentemente uma instrução criminal deficiente e julgamento temerário, afrontando o princípio da dignidade da pessoa humana.

Sobre o(a) autor(a)
João Romano da Silva Junior
Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Maringá, Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura de Maringá/Paraná, Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade de Direito da FMP-RS...
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