Visitas aos locais de detenção como forma de prevenção contra a tortura e outros tratamento desumanos e cruéis

Visitas aos locais de detenção como forma de prevenção contra a tortura e outros tratamento desumanos e cruéis

A prática de visitas regulares à estabelecimentos prisionais funciona como instrumento preventivo do crime de tortura e outros tratamentos desumanos e cruéis.

O apóstolo Paulo de Tarso, em Carta aos Hebreus, diz:
"Lembrem-se dos presos como se vocês estivessem na prisão com eles. Lembrem-se dos que são torturados, pois vocês também têm um corpo"


Síntese Dogmática:

O objetivo deste trabalho é defender que a prática de visitas regulares à estabelecimentos prisionais funciona como instrumento preventivo do crime de tortura e outros tratamentos desumanos e cruéis, e que tais visitas no âmbito de cada Ministério Público Estadual deverá ser realizada por equipe de monitoramento permanente designada pelo Procurador Geral de Justiça.

Apesar de considerar os relevantes anseios da sociedade de que o criminoso seja punido rigorosamente, o certo é que não se pode combater a violência com a violência. Práticas de tortura não devem ser aceitas, e ao Ministério Público como fiscal da lei, cabe zelar para o devido cumprimento da Constituição.

Nesse sentido, a dignidade do detento deve ser respeitada e prática de tortura condenada.

A inspiração para o assunto adveio, da experiência como Promotora de Justiça de Direitos Humanos da Capital do Estado do Pará, quando em procedimentos verificou-se a necessidade de realização de visitas in locu e o efeito surgido, após o relatório, no tocante à melhoria das condições dos detentos.


Justificativa

O Brasil é signatário de diversas convenções e tratados internacionais que visam erradicar toda e qualquer forma de tortura e tratamento desumano, degradante e cruel.

O ponto básico da criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em dezembro de 1948, era o princípio das liberdades fundamentais e direitos humanos.

Não resta dúvidas de que os mais vulneráveis a tortura e os maus tratos são as pessoas privadas de liberdade e que estas geralmente ocorrem em locais de detenção inacessíveis a qualquer forma de escrutínio.

Atualmente, é amplamente aceita a idéia de que uma das melhores garantias contra a tortura e os maus tratos consiste em visitas regulares a estabelecimento prisionais. Com essa perspectiva visa-se uma maior transparência dos centros de detenção. Essa perspectiva foi refletida na adoção em 18 de dezembro de 2002, do protocolo facultativo à convenção contra a Tortura das Nações Unidas (OPCAT) cujo objetivo é “estabelecer um sistema de visitas periódicas realizadas por órgãos internacionais e nacionais independentes, a lugares onde se encontram pessoas privadas de liberdade, com o fim de prevenir a tortura, maus tratos, penas cruéis, desumanas ou degradantes.

A conferência mundial de Direitos Humanos declarou firmemente que os esforços para erradicar a tortura deveriam primeira e principalmente concentrar-se na prevenção e convocou a adoção de um protocolo facultativo à convenção, designado a estabelecer um sistema preventivo de visitas regulares para centros de detenção.

Ressalta-se que com a adoção do OPCAT, pela primeira vez foram estabelecidos em um instrumento internacional, critérios e garantias para o efetivo funcionamento de mecanismos de visitas nacionais.

A visita aos locais de detenção é absolutamente necessária, pois os locais de detenção, por definição, são locais fechados e quem está detido encontra-se fora do alcance dos olhos da sociedade, dependendo quase totalmente das autoridades e funcionários públicos para garantir a sua proteção, direitos e meios de subsistência.

O Princípio 29, parágrafo I do Conjunto de Princípios para a proteção de todas as pessoas submetidas a qualquer forma de detenção ou prisão assevera:

“a fim de velar pela estrita observância das leis e regimentos pertinentes, os locais de detenção serão visitados regularmente por pessoas qualificadas e experientes, nomeada por uma autoridade competente que não a autoridade diretamente encarregada da administração do lugar de detenção ou prisão, e dependentes dessa autoridade”.

Sem dúvida, a proteção de pessoas privadas de sua liberdade contra a tortura e maus tratos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes pode ser reforçado por meios não- judiciais de natureza preventiva, baseados em visitas regulares a centros de detenção.

Com uma rotina de visitas, se estará da mesma forma pondo um freio na prisões arbitrárias, que em si mesmo já é uma violência, traduzindo-se em claro Abuso de Autoridade, face muitas delas serem baseadas em simples suspeitas.

Baseando-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 9º que dispõe que “ ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado, seguiram-se vários instrumentos normativos internacionais, com a natureza de compromissos jurídicos

Sem dúvida alguma, as visitas a locais de detenção têm uma função preventiva, pois por si só já contribui para a proteção daqueles que se encontram ali detidos que se incorporaram ao direito positivo dos Estados signatários.

O pacto de Direitos Civis e Políticos, aprovado pela ONU em 1966, formalmente integrado ao direito positivo brasileiro pelo Decreto n. 592, de 6 de julho de 1994, dedica ao tema da liberdade e segurança pessoais o seu artigo 9º que compreende vários itens. Além da afirmação de que ninguém poderá ser preso arbitrariamente, ficou estabelecidos temas de grande relevância como a de que ninguém poderá ser privado da liberdade e não ser com base em lei previamente existente, e obedecendo-se os procedimentos legais e que deverá ser informada imediatamente das razões das restrições à liberdade, deverá ser apresentada a um Juiz, bem como que qualquer pessoa vítima de prisão ou encarceramento ilegal terá direito à reparação.

Na mesma linha dispôs a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), de 1969, incorporada ao direito positivo brasileiro pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. O artigo 7º dessa Convenção praticamente reproduz as disposição do artigo 9º do Pacto de Direitos Civis e Políticos, acima referido.

Assim, portanto, por meio desses dois instrumentos normativos internacionais de direitos humanos, dá-se eficácia jurídica, no Brasil, à proibição de prisão, detenção ou exílio arbitrários contida na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Nessas visitas é comum se constatar a existência de graves violações aos direitos dos detentos, super lotação de celas, sem as mínimas condições dignas de vida, contribuindo ainda mais para desenvolver o caráter violento do indivíduo e seu repúdio à sociedade que ele acusa de tê-lo colocado ali, falta de higiene e assistência médica social.

Locais inadequados, sem estrutura de banho e local para suas necessidade, falta de alimentação, falta de assistência à saúde, com detentos necessitando de cuidados médicos, são outras situações detectadas.

As condições higiênicas em muitas cadeias são precárias e deficientes, além do que o acompanhamento médico inexiste em quase todas delas.

A promiscuidade e a desinformação dos presos, sem acompanhamento psico-social, levam à transmissão de AIDS entre os presos, muitos deles sem ao menos terem conhecimento de que estão contaminados

Verifica-se, ainda que muitos não possuem advogados e não raro sua prisão ainda nem foi comunicada a familiares, estando entregues à própria sorte.

A possibilidade de um acompanhamento médico adequado evitaria que certas situações de maus tratos, espancamentos e outras violências contra os encarcerados ficassem sem a devida apuração e socorro.

Após contatar todas essas situações é que entendemos e defendemos que as visitas devem ser feitas regularmente por uma equipe permanente no âmbito do Ministério Público de cada Estado, sem qualquer aviso antecipado. Nessa equipe, além de Promotores de Defesa dos Direitos Humanos, devem fazer parte integrante pelo menos 01 (um) engenheiro, apto a subsidiar o trabalho dos Promotores, no tocante à estrutura física das celas e outros, 01 (um) médico, que poderá analisar situações que entender graves dando seu parecer, e 01 (um) psicólogo, que poderá ouvir detentos em situações delicadas.

A experiência nos mostra que as visitas são muito eficazes para a prevenção de tortura e dos maus tratos e para a promoção de melhorias contínuas.

Essa não é uma tarefa fácil, mas delicada e requer sensibilidade, bem como é importante que todos os envolvidos recebam informações teóricas, e possuam disponibilidade de tempo para reuniões, pelo menos semestrais, de forma a combinar metodologia das visitas, conduzir entrevistas, comportamento a ser adotado, avaliar resultados, e traçar novas diretrizes. É importante ressaltar que tais visitas devam ser preparadas com certa antecedência.

Essas visitas não se esgotam ao fim das mesmas, mas é o início de todo um processo que almeja chegar à melhoria das condições tratamento dispensada aos detentos, razão pela qual, logo após, deverá ser elaborado um relatório completo, onde deverá constar no final as recomendações, encaminhando-se a quem de direito, cobrando-se as providências.

Para aqueles que acham que a “defesa dos detentos” não é uma tarefa do Ministério Público, é preciso ter em mente que o Ministério Público é e sempre será um Defensor, um defensor da lei, do regime democrático, um defensor da Sociedade. Até mesmo quando o Ministério Público acusa, ela está defendendo- ele está defendendo a sociedade daqueles que transgridem a Lei. Portanto, ao defender tratamento digno ao recolhidos em locais de detenção, o Ministério Público também está defendendo a sociedade, pois como já dito antes, não se combate a violência com a violência, e aqueles que são colocados em situações subumanas no interior de um cárcere ou submetidos à sessão de tortura, com certeza ao sair cobrarão um alto preço da sociedade.

Chegará o dia em que não haverá necessidade de controle e enfim todos poderão gozar dos direitos que lhes são garantidos.


Conclusão Articulada:

  1. As visitas ao locais de detenção constituem-se no meio reconhecidamente eficaz contra atos de tortura e tratamentos desumanos e cruéis;

  2. A Procuradoria Geral de Justiça, no âmbito do Ministério Público de cada Estado deverá criar uma Comissão Permanente de monitoramento a locais de detenção composta de no mínimo 02 (dois) Promotores de Justiça, 01 (um) engenheiro, 01 (um) médico e 01 (um) psicólogo, a fim de que realizem visitas regulares ao estabelecimento, conforme for disposto em calendário anual.


Obs.: Trabalho apresentado no “XVII Congresso Nacional do Ministério Público”, na cidade de salvador /BA, outubro de 2007.
Sobre o(a) autor(a)
Elaine Castelo Branco
Promotora de Justiça no Estado do Pará. Bacharel em Teologia.Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Doutoranda em direito em Buenos Aires-Argentina.
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