O sigilo bancário e fiscal no Direito brasileiro

O sigilo bancário e fiscal no Direito brasileiro

Análise doutrinária e jurisprudencial sobre o sigilo bancário e fiscal.

A questão do sigilo bancário e fiscal não é pacífica na doutrina e na jurisprudência. Aliás, o próprio sigilo, seja fiscal, bancário ou qualquer outra espécie de sigilo, é uma questão extremamente delicada. É evidente que o sigilo tem como máxime proteger uma parte, de forma que seus dados e suas informações não sejam transmitidos a outras pessoas sem o seu consentimento, de modo a não lhe gerar transtornos e constrangimentos. Por outro lado, muitas vezes em prol de um “bem maior”, ou seja, em favor da coletividade, este direito individual é relativizado e ocorre o que se chama de quebra de sigilo.

O sigilo, de uma forma genérica, está assegurado pela Constituição Federal de 1988, mais especificamente no artigo 5º, inciso XII:

é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

O CTN - Código Tributário Nacional ao tratar de um dos deveres da Administração Pública, qual seja, o de fiscalização, também faz referência ao sigilo, ao dispor em seu artigo 198 que:

Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades. (Redação dada pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)

§ 1o Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes: (Redação dada pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)

I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça; (Inciso incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)

II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa. (Inciso incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001

§ 2o O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo. (Parágrafo incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)


No âmbito administrativo, há inclusive uma portaria da Secretaria da Receita Federal, Portaria SRF nº 580, de 12 de Junho de 2001, que estabelece procedimentos para preservar o caráter sigiloso de informações protegidas por sigilo fiscal, nos casos de fornecimento admitidos em lei.

Desta forma, resta claro que quando se trata do sigilo, principalmente bancário e fiscal, os quais são objetos do presente artigo, entram em choque dois valores importantes e de ordem constitucional, a saber: a inviolabilidade da intimidade, dos dados e das comunicações telefônicas, estes previstos no artigo 5º da Carta Magna, e o dever de fiscalização, previsto no parágrafo 1º do artigo 145 do CTN1.

Na visão de James Marins:

O sigilo bancário e fiscal é limitação relacionada com o sigilo de dados, encontrado no art. 5º, X e XII da Constituição Federal de 1988, e que se estende à atividade fiscalizatória da Administração tributária. É, portanto, garantia individual que limita a atividade de fiscalização da Administração tributária ao não permitir que no bojo de procedimento ou Processo Administrativo haja quebra do sigilo constitucional ínsito aos dados bancários e fiscais dos contribuintes, especialmente expresso no art. 198 do CTN.2

Sendo assim, percebe-se que há doutrinadores, a exemplo de James Marins que posicionam-se no sentido de que o direito ao sigilo de dados, tanto bancários quanto fiscais, não pode ser quebrado pelas autoridades administrativas, só sendo lícita a quebra quando esta partir de ordem judicial autorizativa.

Por outro lado, mesmo que se defenda que todos têm direito ao sigilo, não se pode ser ingênuo a ponto de pensar que tal sigilo é absoluto. Neste sentido, Bernardo Ribeiro de Moraes apud James Marins3:

o sigilo dessas informações, inclusive o sigilo bancário, não é absoluto. Ninguém pode se eximir de prestar informações no interesse público, para esclarecimento de fatos essenciais e indispensáveis à aplicação da lei tributária. O sigilo, em verdade, não é estabelecido para ocultar fatos, mas, sim, para revestir revelação deles a um caráter de excepcionalidade.

A Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, acarretou mudanças no que tange ao sigilo bancário e fiscal. Assim, o que antes era apenas matéria de discussão doutrinária e jurisprudencial, como a questão da possibilidade de quebra de sigilo pela autoridade administrativa, passou a ser regulado em lei.

A principal mudança neste aspecto pode ser verificada no artigo 6º da lei supracitada:

Art. 6o As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. (Regulamento)

Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.

Em que pese à primeira vista este dispositivo parecer um limitador ao acesso das autoridades administrativas aos dados sigilosos dos contribuintes, este na verdade é um legitimador deste acesso, eis que autoriza a administração tributária a proceder a análise de dados mediante a existência de processo ou procedimento administrativo fiscal instaurado.4

Neste diapasão, novas discussões emergiram, tais como a da constitucionalidade da Lei complementar 105/2001, bem como sobre a retroatividade ou irretroatividade desta. Assim, os doutrinadores e julgadores de todo o país se dividiram, de modo que alguns se posicionaram no sentido de que tal lei é constitucional, outros entenderam que tal lei carecia de constitucionalidade e a questão da retroatividade também gerou polêmica.

Miguel Reale e Ives Gandra da Silva Martins, por exemplo, entendem que tal lei é inconstitucional, aduzindo que:

Exceção às CPIs, para as quais são inerentes poderes próprios de investigação judicial por outorga constitucional, não podem outros órgãos, poderes ou entidades não autorizados pela Lei Maior quebrar o sigilo bancário e, pois, afastar o direito à privacidade independentemente de autorização judicial, a pretexto de fazer prevalecer o interesse público, máxime quando não têm o dever de imparcialidade por serem PARTE na relação mantida com o particular.”5

James Marins também é desta corrente, e acredita que a LC 105/2001 vai de encontro com o sistema de garantias fundamentais consagrados na Constituição Federal de 1988.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, porém, ao julgar um agravo de instrumento, concluiu pela constitucionalidade da referida lei:

Da mesma forma, a Lei Complementar no 105/2001 autoriza o acesso da autoridade fiscal aos documentos, livros e registros das instituições financeiras, inclusive aos relativos a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso. Portanto, o repasse das informações pela instituição bancária à Receita Federal e sua utilização para fins de fiscalização pelo IR tem amparo legal e não afronta as garantias constitucionais.6


No que tange à irretroatividade ou não desta lei, a jurisprudência do STJ é divergente. Assim, há no STJ – Superior Tribunal de Justiça decisões no sentido de que apenas a partir da vigência da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, é possível o acesso às informações bancárias do contribuinte na forma instituída pela Lei nº 10.174/2001, ou seja, sem a requisição judicial7.

Todavia, a posição majoritária do STJ é no sentido de que é possível a quebra de sigilo bancário em processo administrativo mesmo em relação às operações bancárias dos contribuintes anteriores a 10 de janeiro de 2001, desde que estas sejam extremamente necessárias para o deslinde do processo administrativo8.

Sendo assim, é evidente que o assunto tratado no presente artigo, qual seja, o sigilo bancário e fiscal, é extremamente polêmico e que é preciso ter cautela ao analisá-lo. Constata-se que mesmo após a edição da Lei Complementar 105/2001, a regra é de que deve ser respeitado o sigilo bancário e fiscal. Entretanto, tendo em vista que tal direito não é absoluto, nas hipóteses prevista em lei este sigilo pode ser quebrado. Desta forma, a leitura do artigo 6º da LC 105/2001 deve ser no sentido de que a quebra de sigilo é admitida, excepcionalmente, nas hipóteses em que se denotem a existência de interesse público superior, tendo em vista que o direito ao sigilo não é absoluto a ponto de sobrepor-se ao interesse coletivo.


[1] Marins, James. Direito Processual Tributário Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 245.

[2] Marins, James. Direito Processual Tributário Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 247.

[3] Marins, James. Direito Processual Tributário Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 248.

[4] Marins, James. Direito Processual Tributário Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 250.

[5] Parecer de Miguel Reale e Ives Gandra Martins, consultados pela Ordem do Advogados do Brasil, Secção São Paulo, publicado no site Consultor Jurídico em 11 de dezembro de 2002, www.conjur.com.br .

[6] Agravo de instrumento no 2001.04.01.045127-8/SC, Juiz João Surreaux Chagas, Extraído da Revista Dialética de Direito Tributário, no 72, p. 203 e 204.

[7] Ementa: TRIBUTÁRIO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO POR PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. IRRETROATIVIDADE DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105/2001. ... 2. Apenas a partir da vigência da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, é possível o acesso às informações bancárias do contribuinte na forma instituída pela Lei nº 10.174/2001, ou seja, sem a requisição judicial. A aplicação desse conjunto de normas para a obtenção de dados relativos a exercícios financeiros anteriores sem autorização judicial, como é o caso dos autos, implica ofensa ao princípio da irretroatividade das leis. 3. Assim, não pode a autoridade fazendária ter acesso direto às operações bancárias do contribuinte anteriores a 10.01.01, como preconiza a Lei Complementar nº 105/01, sem o crivo do judiciário.4. Recurso especial provido.(www.stj.gov.br. REsp 531826/SC.RECURSO ESPECIAL 2003/0046133-9. DJ 31.05.2006)

[8] TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. SIGILO BANCÁRIO. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES DE MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS PELAS AUTORIDADES FAZENDÁRIAS. RETROATIVIDADE DA LC 105/2001 E DA LEI 10.174/2001. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO. 1. A ausência de prequestionamento dos dispositivos legais tidos como violados torna inadmissível o recurso especial. Incidência das Súmulas 282 e 356/STF.

2. O entendimento desta Corte Superior é de que a utilização de informações financeiras pelas autoridades fazendárias não viola o sigilo de dados bancários, em face do que dispõe não só o Código Tributário Nacional (art. 144, § 1º), mas também a Lei 9.311/96 (art. 11, § 3º, com a redação introduzida pela Lei 10.174/2001) e a Lei Complementar 105/2001 (arts. 5º e 6º), inclusive podendo ser efetuada em relação a períodos anteriores à vigência das referidas leis. 3. Nesse sentido, os seguintes precedentes: EREsp 608.053/RS, 1ª Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 4.9.2006; AgRg no REsp 726.778/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 13.3.2006, p. 213; REsp 645.371/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 13.3.2006, p. 260; AgRg no REsp 700.789/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 19.12.2005, p. 238; REsp 691.601/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 21.11.2005, p. 190. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.(www.stj.gov.br. REsp 541740 / SC

RECURSO ESPECIAL 2003/0100222-0.DJ 30.11.2006 p. 150)

Sobre o(a) autor(a)
Karin Endler Huppes
Estudante de Direito
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