O direito à igualdade que discrimina

O direito à igualdade que discrimina

Análise sucinta sobre o entendimento da doutrina e juristas acerca do princípio da igualdade. Segundo Aristóteles, deve-se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.

O Princípio da Igualdade, presente explicitamente no caput do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil:

Todos somos iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantindo - se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, (...)”,


é a base do nosso ordenamento jurídico, matéria constante em todo o texto constitucional. A igualdade que se declara não é formal e negativa, pressuposto que a lei não deve estabelecer nenhuma diferença entre os indivíduos, tratando todos igualmente, mas material (real ou substancial), que reconhece as diferenças entre os indivíduos nas hipóteses de ações reproduzíveis em nosso dia-a-dia. A igualdade que discrimina para não excluir, que tece uma lei neutra sem privilégios para os poucos, busca a generalidade da lei positiva e abstrata e, por isso, realça-se o conceito realista, que pugna a proporcionalidade da igualdade – tratar iguais os substancialmente iguais.

Para Aristóteles, a igualdade consistia em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Esse pensamento do celebre jus filósofo não quis disseminar o preconceito entre as diferenças, mas considera que já que essas diferenças existem que sejam tratadas como tais, com a finalidade de integrar a sociedade. Por exemplo, o Direito Civil foi por muito tempo considerado “impessoalista”, protetor de uma parcela da população que é proprietária e os que viviam de sua mão-de-obra eram lesados em seus direitos, comparados até mesmo a coisas – os excluídos. Desta situação veio a CLT, que soergueu o trabalhador ao mesmo patamar do empregador. Outros dois exemplos são o acesso à tutela do Estado no que tange ao artigo 125, inc. I, do Código do Processo Civil, que assegura o tratamento igual às partes em juízo, e a Tutela e Curatela aos incapazes tanto com relação à sua representação civil como na representação em litígios judiciais.

Em Teoria Pura do Direito (tradução francês: 2ªed. Alemã, por Ch. Einsenmn, Paris, Dallos), segundo Hans Kelsen, “a igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica, garantida pela Constituição, não significa que estes devam ser tratados de maneira idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na Constituição. A igualdade assim entendida não é concebível: seria absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesmas obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direitos sem fazer distinção alguma entre eles, como por exemplo, entre crianças e adultos, indivíduos mentalmente sadios e alienados, homens e mulheres”, ou seja, o ser humano é único em sua individualidade. No entanto, é exagero querer que haja um tratamento próprio a cada um e, por isso, é mister que se dê um caráter de proporcionalidade tanto aos meios quantos aos métodos empregados pelo legislador para distinguir os indivíduos e, embora a Constituição arrole “que não pode haver preconceito de sexo, cor, raça, idade, origem, etc, como poderia parecer à primeira vista, vedando qualquer discriminação com base nesses elementos”, tais termos na “realidade, relacionam-se a ocorrências discriminatórias aleatórias de direitos fundamentais, muito comuns em determinadas épocas históricas, utilizadas indiscriminada e gratuitamente como forma de distinção e, o mais das vezes, punição” (André Ramos Tavares, Direito Constitucional, ed Saraiva, 2002), como na escravidão.

A Lei que distingue é a mesma que protege os cidadãos em seus direitos e deveres. Ela elege requisitos de diferenciação sem que esta se faça de maneira desproposital. Por exemplo, uma pessoa que concorra a um emprego não pode ser discriminada pelo simples fato de ser alta ou baixa, de porte ou raquítica, a não ser que o serviço ao qual será designada tenha impedimentos, como no ingresso no exercício do serviço militar – no Exército, a altura mínima para o soldado do sexo masculino é de 1,60 m e exige-se que tenha mais certo tipo físico. Percebe-se, então, que, para se estabelecer critérios discriminatórios, deve-se ter uma correlação lógica entre o fator discrímen e a desequiparação procedida – ser igual não significa que somos iguais em “número e grau” e tão poucos que somos absolutamente diferentes. Igualdade é ser coerente com o que nos satisfaz e faz bem para todo um grupo de pessoas (comunidade, sociedade). “Em síntese: a lei não pode conceder tratamento específico, vantajoso ou desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos se não houver adequação racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado aos que se inserem na categoria diferenciada” (Celso Antônio Bandeira de Mello, Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 3ªed., Malheiros, 2005).

Por fim, como averbou Pimenta Bueno: “a lei deve ser uma e a mesma para todos; qualquer especialidade ou prerrogativa que não for fundada só e unicamente em uma razão muito valiosa do bem público será uma injustiça e poderá ser uma tirania” (Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império, Rio de Janeiro, 1857). Deve-se entender que a igualdade deve ser a ratio fundamentadora de qualquer relação social. Sem ela, o direito à vida, à liberdade e à dignidade, reservada a todos (brasileiros ou estrangeiros residentes no Brasil), não teria poder algum e nossa sociedade retroageria aos tempos em que viver ou morrer andavam junto com o poder que se tinha tanto econômico como político, épocas ‘remotas’ como coronelismo ou a da própria escravidão. Hoje, numa sociedade cada vez mais globalizada, integração social é a palavra chave para a pacificação dos povos. No Brasil, há inúmeros exemplos em que o princípio da igualdade está plenamente presente. As Leis nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, e nº9. 459, de 13 de maio de 1997, que falam da discriminação pela raça e cor, a Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995, sobre a discriminação por gênero e a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, seguida do Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que falam da discriminação por deficiência, são vínculos da própria integração social.



Bibliografia

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria Geral do Processo, SP: Malheiros, 22ºed, 2006.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 13ª tiragem, 3ª ed., SP: Malheiros, 2006.

ROTHENBURG, Walter Claudius, Princípios Constitucionais, 2ª ed., RS: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003.

TAVARES, André Ramos, Direito Constitucional, SP: Saraiva, 2002.

Sobre o(a) autor(a)
Deborah Maria Ayres
Advogada
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