Excesso de prazo na nova Lei de Drogas

Excesso de prazo na nova Lei de Drogas

Busca discutir acerca do constrangimento ilegal por excesso de prazo, conforme a nova Lei de Drogas.

Antes de ingressar no âmago da discussão é oportuno traçar um sucinto comentário acerca da segregação cautelar.

Essa prisão só deve ser decretada em situações excepcionais, ou seja, quando presentes os indícios suficientes de autoria e prova da existência do crime, bem como pelo menos um dos pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal (garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal). A prisão cautelar não pode ser tratada como forma de antecipação da condenação.

Daí afirmar, segundo a lição de Fernando da Costa Tourinho Filho (1997, p. 487): [1]

"Já vimos que a prisão preventiva é medida excepcional e, por isso mesmo, decretável em casos de extrema necessidade. Segue-se, pois, que, se durante o processo o Juiz constatar que o motivo ou os motivos que a ditaram já não mais subsistem, poderá revogá-la. É claro que, se a medida excepcional fica condicionada a uma daquelas circunstâncias - garantir a ordem pública, preservar a instrução criminal e assegurar a aplicação da lei penal -, se nenhum desses motivos subsiste, outro caminho não resta ao Juiz senão revogar a medida odiosa. Cumpre observar que, atualmente, a prisão provisória, entre nós, fica adstrita a uma daquelas circunstâncias. Nem mesmo a prisão em flagrante, seja a infração afiançável ou inafiançável, pode subsistir, se não houver a necessidade de encarceramento, expressa naquela fórmula do art. 312 do CPP. Por outro lado, mesmo revogada a preventiva, tal como previsto no art. 316 do CPP, nada impede que o Juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público ou do querelante, venha a redecretá-la. Em que hipótese? Se sobrevierem as razões que a justifiquem."

A propósito, sobre o assunto Luigi Ferrajoli (2002, p. 443) acentua: [2]

“para Hobbes, a prisão preventiva não é uma pena mas um ‘ato de hostilidade’ contra o cidadão, de modo que ‘qualquer dano que faça um homem sofrer, com prisão ou constrição antes que sua causa seja ouvida, além ou acima do necessário para assegurar sua custódia, é contrário à lei da natureza’. Para Beccaria, ‘sendo a privação da liberdade uma pena, não pode preceder a sentença senão quando assim exigir a necessidade’: precisamente, a ‘custódia de um cidadão até que seja julgado culpado, ... deve durar o menor tempo e deve ser o menos dura possível’ e ‘não pode ser senão o necessário para impedir a fuga ou não ocultar a prova do crime’. Para Voltaire, ‘o modo pelo qual em muitos Estados se prende cautelarmente um homem assemelha-se muito a um assalto de bandidos’. Analogamente, Diderot, Filangieri, Condorcet, Pagano, Bentham, Constant, Lauzé Di Peret e Carrara denunciam com força a ‘atrocidade’, a ‘barbárie’, a ‘injustiça’ e a ‘imoralidade’ da prisão preventiva, exigindo sua limitação, tanto na duração como nos pressupostos, aos casos de ‘estrita necessidade’ do processo”.

Essas orientações têm como único objetivo registrar a excepcionalidade da prisão cautelar.

Após sucinto retrospecto, voltamos à especificidade do assunto.

É de sabença uníssona que o excesso abusivo de prazo para o encerramento da instrução processual implica em constrangimento ilegal. Às partes deve ser garantido um prazo razoável para a conclusão da instrução. Resta saber quando estará caracterizada a tardança injustificada para a formação da culpa.

No dia 23 de agosto de 2006 entrou em vigor a Lei 11.343/06 que passou a disciplinar os crimes da antiga Lei 6.368/76. Com o advento desse novo diploma legal os prazos para a conclusão da instrução processual passaram a ser os mais diversos possíveis, razão pela qual é oportuno um sucinto comentário a respeito da nova lei para uma melhor compreensão da dimensão processual da matéria.

À luz da Lei 11.343/06, em caso de prisão em flagrante, a autoridade policial deve comunicar imediatamente ao juiz competente, remetendo-lhe cópia do auto lavrado que será encaminhado ao Ministério Público em no máximo 24 horas (art. 50, caput).

O prazo para o término do inquérito policial, em se tratando de réu preso, é de 30 (trinta) dias. Vale frisar que esse prazo pode ser duplicado pelo juiz, depois de ouvido o Ministério Público, mediante pedido justificado da autoridade policial, motivo pelo qual o termo para a conclusão da peça policial pode chegar a 60 (sessenta) dias (art. 51, parágrafo único).

Pois bem. Depois de concluído o inquérito policial, o Ministério Público tem o prazo de 10 (dez) dias para adotar uma providência, exemplo, oferecer denúncia (art. 54).

Oferecida a peça acusatória, o acusado apresentará a defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias (art. 55). Caso a resposta não seja apresentada no tempo determinado, o juiz nomeará novo defensor para oferecê-la em 10 (dez) dias (art. 55, §3º).

Apresentada a defesa, o juiz decidirá em 5 (cinco) dias (art. 55, §4º).

Sendo imprescindível, o magistrado determinará a realização de diligência, exames e perícias no prazo máximo de 10 (dez) dias (55, §5º).

Recebida a denúncia, o magistrado designará audiência de instrução e julgamento no tempo limite de 30 (trinta) dias a contar da data do recebimento da denúncia (art. 56, §2º). Determinada realização de avaliação para atestar a dependência de drogas, esse prazo será estendido para 90 (noventa) dias (art. 56, §2º), que será computado a partir do recebimento da denúncia.

Encerrada a instrução, o juiz decidirá de imediato ou fará em 10 (dez) dias (art. 58).

Pois bem. Ajustando-se os prazos acima mencionados, chega-se à seguinte conclusão:

  1. O prazo para ser proferida a sentença, em via de regra, será de 85 dias;

  2. Mantendo-se inerte o defensor titular e havendo a necessidade de nomeação de novo defensor para a apresentação de defesa prévia, o prazo se estenderá para 95 dias;

  3. Tendo diligências a serem realizadas, o prazo será de 95 dias;

  4. Existindo, nos autos, pendência de avaliação de dependência de drogas, o prazo será de 145 dias;

  5. Ocorrendo a nomeação de novo defensor para a apresentação de defesa prévia e existindo diligências a serem requeridas pelo juiz, o prazo será de 105 dias;

  6. Designado novo defensor para a apresentação de defesa prévia, bem como estando os autos no aguardo da avaliação de dependência de drogas, o prazo será de 155 dias;

  7. Havendo a necessidade de novas diligências e pendência de conclusão da avaliação de dependência de drogas, o prazo será de 155 dias;

  8. Instituído novo defensor para a apresentação de defesa prévia, tendo diligências a serem realizadas e pendência de conclusão da avaliação de dependência de drogas, o prazo será de 165 dias.

Pode, ainda, ocorrer uma nova dilação de prazos caso haja duplicação do termo para a conclusão do inquérito policial (60 dias), senão vejamos:

  1. O prazo para a prolação da sentença será de 115 dias;

  2. Ocorrendo a nomeação de novo defensor para a apresentação de defesa prévia, o prazo será de 125 dias;

  3. Advindo a necessidade de novas diligências, o prazo será de 125 dias;

  4. Havendo pendência de conclusão da avaliação de dependência de drogas, o prazo será de 175 dias;

  5. Designado novo defensor para a apresentação de defesa prévia e tendo diligências a serem realizadas, o prazo será de 135 dias;

  6. Em caso de nomeação de novo defensor para a apresentação de defesa prévia e havendo pendência de avaliação de dependência de drogas, o prazo será de 185 dias;

  7. Existindo diligências a serem realizadas, bem como pendência de avaliação de dependência de drogas, o prazo máximo será de 185 dias;

  8. Advindo a nomeação de novo defensor para a apresentação de defesa prévia, tendo diligências a serem realizadas e pendência de avaliação de dependência de drogas, o prazo teto será de 195 dias.

Não obstante ser possível ocorrer 16 (dezesseis) combinações, existem 12 (doze) prazos distintos a serem considerados quando da análise do alegado excesso de prazo. Em suma, os prazos para a formação da culpa variam de 85 (oitenta e cinco) a 195 (cento e noventa e cinco) dias.

Ressalte-se, ainda, que os termos acima descritos levam em consideração a sentença proferida no ato da audiência de instrução e julgamento; porém, esses marcos podem sofrer um acréscimo de 10 (dez) dias, caso o julgador opte em não decidir na aludida audiência (art. 58), o que modifica o patamar mínimo para 95 (noventa e cinco) e o máximo para 205 (duzentos e cinco) dias, além de render mais 16 (dezesseis) combinações.

Logo, aqui se aplica o notório adágio de que “cada caso é um caso”.

Vale registrar, ainda, que os termos tratados pela nova lei de drogas não podem ser avaliados com rigorismo exacerbado, devendo, sempre, ser realizado um estudo em consonância com o princípio norteador da razoabilidade, tendo em vista as peculiaridades de cada caso, v. g., trâmites processuais complexos. O prazo para o término da instrução processual não é absoluto, podendo ser dilatado conforme as particularidades de cada episódio. A demora razoável e justificada na formação da culpa não configura constrangimento ilegal.

Resta perguntar: mas que efeitos haveriam de se reconhecer caso o excesso de prazo venha a ocorrer após o término da instrução criminal? Desde que a defesa não tenha contribuído para a mora, entendemos que o réu não pode ficar aguardando uma decisão ad eternum só por que cessou a instrução. A simples alegação de que a instrução processual atingiu seu fim, não serve como escusa para afastar o tão-famigerado constrangimento ilegal. Em caso de retardamento imputável à máquina judiciária a soltura do agente é medida que se impõe, sob pena de se ofender os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da razoável duração do processo (artigo 5º, incisos III e LXXVIII da Constituição Federal). Assim, fica suplantada a Súmula 52 do Superior Tribunal de Justiça que apregoa: “encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo.

Aliás, nesse sentido já se posicionou o Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO NÃO ATRIBUÍDO AO RÉU. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS CONCEDIDO PARA REVOGAR A PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE. 1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal firmou o entendimento de que a prisão por sentença de pronúncia sujeita-se ao limite da razoabilidade, não se permitindo o seu prolongamento por tempo indefinido. A demora injustificada para encerramento do processo criminal, sem justificativa plausível ou sem que se possam atribuir ao Réu as razões para o retardamento daquele fim, ofende princípios constitucionais, sendo de se enfatizar o da dignidade da pessoa humana e o da razoável duração do processo (art. 5º, inc. III e LXXVIII, da Constituição da República). A forma de punição para quem quer que seja haverá de ser aquela definida legalmente, sendo a mora judicial, enquanto preso o Réu ainda não condenado, uma forma de punição sem respeito ao princípio do devido processo legal. 3. Habeas corpus concedido. (HC 87721 / PE. Órgão Julgador: Primeira Turma. Relatora: Ministra Carmen Lúcia. Julgado em 15 de agosto de 2006. Publicação: 07 de dezembro de 2006, p. 00052).

EMENTA: Prisão por pronúncia: excesso de prazo, não atribuível à Defesa, dado o decurso de mais de cinco anos da pronúncia, sem previsão de julgamento pelo Tribunal do Júri, e que excede o limite da razoabilidade: deferimento de liberdade provisória ao paciente: extensão aos co-réus que se encontram em situação de todo assimilável. (HC 90022 / SP. Órgão Julgador: Primeira Turma. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Julgado em 13 de fevereiro de 2007. Publicação: 09 de março de 2007, p. 00043).

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. PREJUDICIALIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. Evidenciado que a prisão preventiva do paciente perdura por mais de dois anos e cinco meses, sem que a defesa tenha concorrido para esse excesso de prazo, a decisão pela prejudicialidade da impetração, face à superveniência da sentença de pronúncia, traduz situação expressiva de constrangimento ilegal. Ordem concedida. (HC 86980 / SP. Órgão Julgador: Segunda Turma. Relator: Ministro Eros Grau. Julgado em 15 de agosto de 2006. Publicação: 27 de outubro de 2006, p. 00063).

Todos esses comentários demonstram a complexidade e a cautela com que se deve tratar a matéria referente aos prazos da Lei 11.343/06.


Bibliografia

[1] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol. 3, 18. Ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

[2] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

Sobre o(a) autor(a)
Gustavo Sirena
Agente público
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