Do cabimento do HC contra as denegações injustificadas de vistas dos autos do Inquérito Policial

Do cabimento do HC contra as denegações injustificadas de vistas dos autos do Inquérito Policial

Visa desmistificar o cabimento único do Mandado de Segurança contra as denegações por parte da autoridade policial no que tange ao pedido de vistas e análise do Inquérito Policial efetuado pelos advogados das partes acusadas.

Conforme é de sabença na seara jurídica, cabível é o mandado de segurança em casos de denegação de vistas do Inquérito Policial ao advogado, por parte da autoridade policial, tendo em vista constituírem, tais vistas, um direito liquido e certo do causídico, ex vi do artigo 7º, XIX da lei 8906/94 [1].

Portanto, em se tratando da liquidez e certeza do direito do causídico, cumpridos estão os pressupostos para que se impetre o referido remédio constitucional, conforme assevera o artigo 5º, LXIX da Constituição Federal, além da Lei 1533/51 e do CPC que o rege de forma subsidiária.

Entretanto, o desiderato deste trabalho se constitui em demonstrar o cabimento do Habeas Corpus quando da denegação em epígrafe, sendo para tal análise necessária a modificação do prisma sob o qual se observa a situação, uma vez que para que se admita a impetração deste remédio, primordial se faz o estudo sob a ótica do acusado e não do próprio causídico, conforme ocorre na hipótese do MS.

Os fundamentos para que se admita o HC em caso de simples denegação de vistas dos autos do inquérito policial ao advogado da parte pela autoridade policial se encontram no direito constitucional à ampla defesa, consignados no artigo 5º, LV da Carta Maior [2], posto que, denegado fosse o acesso do causídico à tais autos, cerceada estaria a futura defesa do constituinte em processo judicial contra ele iniciado pela parte autora, tendo em vista o conceito do Ministro Celso de Melo no HC 682-9/SP(STF), segundo ele, ampla defesa seria “o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes à esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se quando entender necessário.”

Sendo assim, Data Máxima Vênia, equivocada se faz a argumentação daqueles que defendem o não cabimento do HC em sede de denegação de vistas do inquérito por não haver neste o contraditório, pois na realidade, o que se visa é a preparação, pelo advogado, da futura defesa do acusado em sede de processo judicial, atividade que restaria prejudicada pela denegação do pedido de exame dos autos da investigação.

Neste caso, o paciente do writ seria sempre o acusado nas investigações policiais, funcionando o causídico apenas como impetrante, situação diversa do que ocorre no Mandado de Segurança, porquanto, neste o advogado pleiteia direito próprio e não de terceiros. Acerca da possibilidade de impetração do HC em nome de outrem é expressa a menção do art. 654 do CPP a tal fato, afirmando ser possível a impetração por qualquer pessoa em favor de outrem, bem como a possibilidade do MP funcionar como impetrante do Writ.

No que concerne ao interesse de agir, que se traduz no binômio necessidade X adequação, temos que, a simples denegação da autoridade policial em dar vistas do inquérito constitui abuso de autoridade, combatível por HC, ex vi do artigo 648, I do Código dos Ritos Penais [3], uma vez que, sem qualquer motivação justificável não se pode indeferir a análise dos autos das investigações policiais a respeito do acusado, sob pena de macular seu direito fundamental à ampla defesa, na sua subespécie denominada defesa técnica, que, juntamente com a autodefesa constitui a garantia constitucional consignada no artigo 5º LV da carta magna.

Acerca do tema já há julgados em nossos tribunais, sendo de bom alvitre trazer à colação, à guisa de exemplo, a seguinte decisão proferida pelo STF:

 
Habeas corpus: cabimento: cerceamento de defesa no inquérito policial. 1. O cerceamento da atuação permitida à defesa do indiciado no inquérito policial poderá refletir-se em prejuízo de sua defesa no processo e, em tese, redundar em condenação a pena privativa de liberdade ou na mensuração desta: a circunstância é bastante para admitir-se o habeas corpus a fim de fazer respeitar as prerrogativas da defesa e, indiretamente, obviar prejuízo que, do cerceamento delas, possa advir indevidamente à liberdade de locomoção do paciente.( HC 82354 / PR – PARANÁ -1 ª Turma. Relator:  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - 10/08/2004).”

 
Concluindo, diante do que foi exposto nas breves linhas deste trabalho, observa-se a não existência de qualquer óbice para a impetração do Hábeas Corpus quando da negativa da autoridade policial ao pedido de vistas dos autos do Inquérito Policial perpetrado pelo advogado da parte, uma vez que os objetivos almejados neste Remédio Constitucional e no Mandado de Segurança são distintos, já que naquele objetiva-se resguardar a amplitude de defesa do acusado e neste o que se quer é proteger um direito líquido e certo do procurador da parte, sendo assim, basta observar os diferentes ângulos de observação do problema proposto para que se adote uma ou outra espécie de impugnação à decisão denegatória da autoridade policial.


NOTAS:

[1] 1“Art. 7º São direitos do advogado:

(...) XIV - examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos;”

[2] 2 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...):


LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; “


[3] 3 “ Art. 648.  A coação considerar-se-á ilegal:

I - quando não houver justa causa; (...)”


BIBLIOGRAFIA:

Nucci, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. – 5ª Edição revista, atualizada e ampliada – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

Capez, Fernando. Curso de Processo Penal – 13ª Edição revista e atualizada. – São Paulo: Saraiva, 2006.

Jr. , Fredie Didier. Ações Constitucionais. – Salvador: Editora JusPodivm, 2006.

Moraes, Alexandre de. – Direito Constitucional. – 12. edição. – São Paulo: Atlas, 2002.

Sobre o(a) autor(a)
Deborah Amaral
Advogada, especialista em direito Constitucional, participante da banca MB advocacia, em João Pessoa - PB.
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