O princípio da proporcionalidade nas relações entre o Estado e os cidadãos

O princípio da proporcionalidade nas relações entre o Estado e os cidadãos

A ingerência estatal e a necessidade de se assegurar as garantias e liberdades dos jurisdicionados.

O Estado Democrático de Direito, expresso na Constituição brasileira, implica na realização de uma política de atuação que tenha como fundamentos a liberdade e a dignidade humana, não podendo desconsiderá-las a ponto de converter as pessoas em meros instrumentos ou sujeitos de tutela. A pessoa deve ser reconhecida como ente autônomo e sujeito de diretos e garantias.

Partindo da premissa de que a atuação do Poder Público implica sempre uma interferência na esfera dos seus jurisdicionados, corre-se o fundado risco de haver uma ilegitimidade de origem no controle de restrição das liberdades individuais, o que necessariamente há de ser considerado na base de uma política democrática. É por isso que o exercício do controle Estatal deve estar baseado em argumentos fortes que o justifiquem, levando sempre em consideração a importância dos princípios limitativos desse poder.

Por conseqüência, o princípio da proporcionalidade resulta dessa contradição gerada entre o Estado Provedor, enquanto nítida expressão de seu caráter intervencionista, e a negação deste por intermédio do reconhecimento jurídico dos direitos e liberdades dos indivíduos. Dessa forma, a liberdade é a regra, e as suas restrições constituem a exceção, de onde se apreende a necessidade de se fixar limites a intervenção dos Poderes Públicos. Assim, a proporção age em dois sentidos: como limite legítimo ao exercício de um direito e como equilíbrio a ser realizado entre duas exigências, uma do indivíduo e outra da sociedade.

Em relação ao Ius Puniendi, o Estado tem que considerar a declaração constitucional de que é Democrático de Direto, assim como o caráter garantista do seu Direito Penal, que inclui a limitação racional do poder através do direito como produto da razão humana, fazendo com que o próprio conceito de pena contenha em si uma especial carga valorativa.

Assim, o âmbito da liberdade do cidadão pode ser limitado pelo Poder Público apenas na medida em que resulte indispensável para a tutela dos interesses públicos. Daí, ao constatar que cabe ao Estado a proteção de bens jurídicos à custa do sacrifício da liberdade das pessoas, o princípio da proporcionalidade apresenta-se como uma regra dirigida à maximização da liberdade.

A dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado democrático de Direito, ao reconhecer a pessoa humana como centro em torno do qual a legislação do Estado há de ser pautada, impõe ao legislador o dever de ponderar toda e qualquer intromissão que aponte limites de direitos e garantias assegurados constitucionalmente a todas as pessoas.

Quanto a proporcionalidade das opções legislativas que restringem as liberdades individuais, a igualdade tem significante relevância no sentido de obstaculizar discriminações arbitrárias, impondo ao legislador que preveja com as mesmas conseqüências jurídicas os fatos que em linha de princípio sejam comparáveis, permitindo fazer diferenciações apenas para as hipótese em que existam uma causa objetiva, permitindo ao princípio da proporcionalidade exigir uma diferenciação de acordo com parâmetros também objetivos.

Por outro lado, o due process of law, compreendido como trinômio vida-liberdade-propriedade, garante o direito de tutela àqueles bens da vida em seu sentido mais genérico e amplo. O que disser respeito à tutela da vida, liberdade ou propriedade está sob a proteção dessa referida cláusula. É nesse sentido genérico e amplo que a locução vem expressamente adotada na CF de 1988 (artigo 5o, LIV), que fala em proteção da liberdade e dos bens

A nossa Constituição Federal, ainda, preceitua no seu art.5.°, LXI, que: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória."

A garantia da presunção de inocência é vetor cultural do processo, atuando no status do jurisdicionado e como indicativo do sistema probatório, exigindo, igualmente, uma defesa substancial e não apenas formal. Desta maneira, traduzirá a forma de tratamento do administrado, não mais visto como objeto do processo, mas sim um sujeito de direitos dentro da relação processual

O processo, como instrumento para a realização do direito de restringir as liberdades individuais pelo poder estatal, deve realizar sua dupla função: de um lado, tornar viável as políticas públicas, e de outro, servir como efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais, assegurando os indivíduos contra os atos abusivos do Estado. Nesse sentido, o devido processo deve servir como instrumento de limitação da atividade estatal, estruturando-se de modo a garantir plena efetividade aos direitos individuais constitucionalmente previstos, como a dignidade humana, presunção de inocência, contraditório, ampla defesa, etc.

Em realidade, o conteúdo do princípio da proporcionalidade encontra-se intrinsecamente ligado aos demais princípios que se relacionam com o controle de dosagem do instrumento intervencionista do Estado, assumindo um papel de relevância no ordenamento jurídico ao frear a degeneração do seu poder dirigista, impedindo uma expansão ilimitada sobre a esfera de liberdade dos indivíduos.

O princípio da proporcionalidade, derivado que é do critério democrático do Direito, vincula substancialmente as normas jurídicas em virtude de imprimir àquelas restritivas de liberdade, uma necessária justificação de sua funcionalidade no sentido de que gerem mais liberdade aos indivíduos que o sacrifício deste valor de índole constitucional.

Enfim, o princípio da proporcionalidade atua de maneira vigorosa entre as normas restritivas de liberdade, ao lado de princípios como o da legalidade e igualdade, informando a atividade Estatal no ordenamento democrático de maneira que as normas restritivas e sua aplicação judicial estejam subordinadas àquele grupo de valores fundantes do critério democrático de legitimidade, entre eles a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça.


Bibliografia:

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GAMA, Mariângela; Gomes, Magalhães de. O princípio da proporcionalidade no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

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REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24ª. ed., São Paulo, Saraiva, 1998.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20a ed., São Paulo, Malheiros, 2002.

Sobre o(a) autor(a)
Almino José de Freitas
Advogado formado pela UESC; Pós-graduando em Direito Processual Civil pela UESC.
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