Pequenos apontamentos processuais-penais na Lei nº 11.340/06 (violência doméstica contra a mulher)

Pequenos apontamentos processuais-penais na Lei nº 11.340/06 (violência doméstica contra a mulher)

Enfoca a nova lei de combate à violência doméstica, precisamente sobre os temas processuais inovadores ou modificadores dos atuais.

A novíssima Lei nº 11.340/06, conhecida como Lei da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, surgida, já, com certo retardo, trouxe inovações legislativas processuais-penais de relevo que merecem aproximação um tanto que mais acurada, para que não caiam em vala comum, como tantos outros dispositivos constantes em nosso universo legal.

Embora se trate de legislação pontual, mister que não se acanhe sobre sua parte administrativa, pois que, sem efetiva e perfeitamente aplicação desta, pouco fará questão a seara criminal. É que, como se pode concluir no novel diploma legal, toda edificação contextual acerca da eficácia da norma tem escolta nos diversos institutos civis a serem criados e implementados para o ideal legislativo, qual seja, coibir a violência familiar contra a mulher ou qualquer forma de discriminação (arts. 5 ao 7º).

Destarte, o que se propõe, aqui, é alinhar, brevemente, pequenos comentários sobre os institutos processuais-penais elencados no texto ora em testilha e suas repercussões no sistema jurídico.

A primeira medida inovadora vem prevista no art. 10, quanto ao atendimento pela autoridade policial. Aqui, listam-se providências de proteção e cuidado, para que, na Polícia, a ofendida possua, de antemão, atendimento que a encoraje ou garanta-lhe a narração do fato criminoso.

A par disso, o art. 12 elenca medidas procedimentais próprias e inexistentes até então, de forma ritualística, como a inquirição da ofendida quando da lavratura do boletim de ocorrência, a tomada da representação, se desejado seu pronto oferecimento, a imediata produção de provas, a remessa em 48h, ao juiz (aqui se tem medida de utilidade efetiva), do expediente apartado para medidas protetivas de urgência (arts. 18ª o 24), a inquirição do agressor e testemunhas e proceder ao pedido de proteção. Tudo muito louvável, mas sabe-se da deficiente infra-estrutura do aparelho estatal.

A lei prevê também a criação de Justiça Especializada para o processo e julgamento dos casos envolvendo a violência doméstica contra a mulher (art.14), bem como permite a opção de foro de eleição para ofendida, nas causas cíveis (art.15).

Importante dispositivo relativo à ação penal encontra-se no art. 16, que determina, em caso de ação penal pública condicionada, que a renúncia à representação seja efetuada apenas e tão somente na presença de autoridade judiciária, em audiência específica, ainda ouvido o Ministério Público.

No art. 17 se proíbe a aplicação de penas de cestas básicas (qual é a pena de cesta básica na legislação nacional?) ou quaisquer outras de prestação pecuniária, bem como também se veda a aplicação, unicamente, de pena alternativa de multa. Assim, o infrator sempre deverá receber multa mais outra sanção restritiva de direitos.

Mias rígida é a redação do art. 20, que permite a decretação da prisão preventiva, no inquérito ou no processo, de ofício, pelo juiz, ou requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade de polícia. Verifica-se que a lei não elenca quais os crimes em que a custódia cautelar é admitida, de sorte que deverá ser para todos dolosos. Aqui é possível se refletir sobre a constitucionalidade do artigo e as demais implicações quanto a tantos outros delitos em que se discute a possibilidade prisional. É uma questão a se pensar muito bem, mas garante que o legislador entende não ser a prisão impedimento constitucional. Destarte, a limitação à liberdade provisória não parece, de fato, tema constitucional, tirante as matérias que a própria Constituição Federal estabelece, eis que em seu art. 5º, LXI, transferiu, de modo expresso e claro, para a lei ordinária regular outras restrições à liberdade provisória. Não assim fosse, a redação do inciso seria pífia, pois qual lei que admitisse a liberdade provisória seria possível? O ditame constitucional procurou escoltar a sociedade, não o criminoso nesse pormenor, eis que impede lei ordinária conceder liberdade provisória a crimes hediondos e assemelhados e nunca disse que a mesma lei não pudesse impedir liberdade para outras infrações penais.

Outra novidade são as medidas de proteção que obrigam o agressor e vêm catalogadas no art. 22. Trata-se de procedimento de tendência moderna que afasta ou reduz a possibilidade de contato, sob qualquer forma, entre o infrator e vítima ou outras pessoas a esta ligadas.

No que tange ao andamento procedimental em si, também há prioridade para o julgamento das causas criminais envolvendo fatos de que trata a lei. De igual modo, por analogia, deve ser marcha dos inquéritos policiais. Claro, pois que de nada adiantaria a velocidade numa pista e a morosidade em outra.

Também quanto ao procedimento está vedada a aplicação da Lei n º9.099/95 para os crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher. Logo, não caberão os institutos da composição, transação e nem mesmo a suspensão do processo. Proíbe-se, pois, a Lei nº 9.099/95 por completo.

A prisão preventiva, da qual já foi falado, está insculpida também no art. 42, que acresce o inc. IV, ao art. 313, do Código Processual Penal.

No Código Penal foi alterado o art. 61, que trata das agravantes genéricas, para se incluir, na letra f, a violência contra a mulher na forma da lei específica (que é a própria Lei nº 11.340/06).

Ainda no Código Penal, foi alterada a pena do art.129, § 9º para detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos (reduziu-se o mínimo e elevou-se a máxima). No mesmo artigo 129 foi acrescentado o parágrafo de 11º, aumentando a pena do § 9º em 1/3, se a vítima for portadora de deficiência (não diz se física ou mental, pelo que, devem ser incluídas ambas -“onde a lei não restringe não se deve restringir, onde não amplia, não se dve ampliar”).

Há também, no art. 45, inovação na execução penal, pois que permite ao juiz da execução submeter o condenado a comparecimento obrigatório a programas de recuperação e reeducação.

Deveras, aguarde-se pronta e eficaz ação do Estado para, com presteza, propiciar aos órgãos referidos na lei os mecanismos e pessoal apto a fomentar sua real aplicabilidade, a fim de, mais uma vez, se evitar o abismo entre o que se diz e o que se faz.

Sobre o(a) autor(a)
Jose Carlos Gobbis Pagliuca
1º Promotor de Justiça da Capital/SP. Mestre em Dir. Proc. Penal e doutorando em Dir. Penal.
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