A progressão de regime, uma visão sensata

A progressão de regime, uma visão sensata

Diante das decisões que indeferem o benefício, mister um esclarecimento acerca dos quesitos necessários para que se possa buscá-lo, pois que o indeferimento tem sido um ato ilegal, sob o aspecto de tais exigências.

Como é cediço, a execução penal é o derradeiro compartimento do sistema penal, responsável pela solidificação das conseqüências jurídico-penais do delito, após o acolhimento, em definitivo, da pretensão punitiva estatal cristalizada em título executivo judicial condenatório.

A fim de prevenir a ordem e os mais importantes bens jurídicos das condutas humanas típicas, ilícitas e culpáveis que rompem os limites da tolerância social, não basta que a fragmentária “ultima ratio” do ordenamento jurídico preveja um comportamento proscrito e a ela comine uma sanção, pois eventuais rupturas sociais causadas pela desinteligência dos homens são previsíveis e demanda do Estado a atuação concreta da lei especial, através de um processo no qual se colima o decreto condenatório.

Neste instante, os agressores dos bens mais estimados da sociedade são censurados pelo Estado-juiz, operando a transgressão como fundamento e limite da ação punitiva estatal, proporcional à magnitude do delito e da culpabilidade.

Nesta vertente, teoriza o Direito Penal, que a imprescindível e justa reação jurídica ao injusto culpável é a resposta retributiva do mal causado pelo delinqüente; um desigual objurgado imerso no meio social afligido. Despojá-lo de certas liberdades com o intuito de ressocializá-lo é um dos fins da pena: impedir sua degeneração e incutir-lhe a noção de comportamento preventivo e oportunizar a reconquista da condição de igual perante seus pares, também são efeitos esperados.

Conceitualmente, a pena revela-se como a privação de bens jurídicos, dos mais caros ao indivíduo – como a liberdade, a outros também sensíveis – como direitos e patrimônio, aplicável, na medida da lei e pelos órgãos jurisdicionais pré-constituídos, àquele que viola uma norma penal incriminadora.

Sua execução é fenômeno enfeixado em normas constitucionais, cujo conteúdo garantidor gravita em torno de esteios humanitários, como a dignidade da pessoa humana, sendo sua relevância político-criminal palmar, havendo-se a lei em desvelar-se à garantia de sua individualização e intranscedência, conforme preceitua a Carta Cidadã de 1988 que, em ato de legítima recepção, reconhece-as como corolários dos comandos principiológicos da responsabilidade penal subjetiva e da culpabilidade.

Durante a elaboração da sentença penal condenatória, deve o magistrado, trilhando as fases da dosimetria da pena, fixar o regime inicial de cumprimento da pena, que deve ser considerada unicamente a privativa de liberdade, pois as demais formas de coerção penal não são executadas sob as regras do sistema progressivo.

Os regimes de cumprimento de pena – fechado, semi-aberto e aberto – direcionam-se para maior ou menor intensidade de restrição da liberdade do condenado e, uma vez iniciado o cumprimento da coima privativa do “status libertatis”, permite-se, em razão da adoção, pelo nosso ordenamento, de um sistema progressivo, a transferência do condenado para um regime menos ou mais rigoroso. Nessa esteira, a reforma penal de 1984 adotou o sistema progressivo de cumprimento da pena privativa de liberdade, conforme se constata da disposição do artigo 33, § 2º do Código Penal: “As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, (...)”. Registre-se que, malgrado ainda permaneça a disposição literal “segundo o mérito do condenado”, no Diploma Penal, a lei 10792/03 comprometeu a real avaliação judicial sobre o cumprimento do requisito subjetivo do apenado para o deferimento da progressão de regime, eis que, uma vez banidos o exame criminológico e o parecer da Comissão Técnica de Avaliação, a verificação da habilitação subjetiva do sentenciado ao benefício compete ao diretor do estabelecimento prisional ao atestar o bom comportamento carcerário do recluso.

Sobre a forma pela qual se desenvolve a progressividade da execução da pena privativa de liberdade, reza o artigo 112 da Lei de Execução Penal: “A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinado pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos 1/6 da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão”.

Neste contexto, não seria de todo forçoso afirmar que a lei indica ao condenado a senda para a conquista paulatina de sua liberdade. Fixar os requisitos condicionantes da retomada gradual da liberdade significa agraciar o sentenciado com o segredo da abertura da porta que o conduz a um regime menos severo. Ao impor-lhe a reprimenda, o Estado dá, ao apenado tolhido da liberdade, a mobilidade legal suficiente de executá-la de modo a abreviar sua privação.

Contudo, há que se enfatizar, e nem poderia ser diferente, que a progressividade da execução da pena privativa de liberdade revela um caminho de mão dupla: a progressão e a regressão de regime. Enquanto na progressão evolui-se de um regime mais rigoroso para outro menos rigoroso, na regressão dá-se o inverso.

Não obstante toda doutrina e jurisprudência que trata do assunto, uma forte corrente no caminho da ressocialização apregoada pelo próprio Estado, o que se tem visto nos despachos que examinam pedidos de progressão, albergados pelos dois requisitos básicos, quais sejam o do cumprimento mínimo de 1/6 da pena e o da certidão do comportamento carcerário, é o indeferimento irrestrito, discricionário e, porque não dizer, até revestido de uma forma de deificação, inadmissível para o bom e exemplar desempenho que se espera do Estado-julgador.

Contudo, há aqui que se destacar sobre o final do artigo 112 da LEP, “respeitadas as normas que vedam a progressão”, mormente quando o delito cometido esteja contido nos crimes elencados como hediondos ou equiparados por dispositivo legal. Aqui, recente decisão da Suprema Corte, Guardiã da Carta Mãe, não pode ser desprezada e nem desconsiderada, pois que a lei dos crimes hediondos, instituída contaminada de inconstitucionalidade quanto à liberdade provisória do indivíduo, foi sabiamente corrigida, e admitindo-se a progressão também em tais casos.

Embora a decisão da Excelsa Corte não tenha o efeito de súmula vinculante, é de se entender que a decisão deva merecer consideração e amplo acatamento, pois que mantida a ferrenha posição dos magistrados é de, no mínimo, considerá-la afrontosa aos princípios constitucionais, sabidamente maculados na forma original.

Ademais, em recente decisão sobre o caso de cabimento da progressão de regime aos crimes hediondos ou equiparados, também o Superior Tribunal de Justiça determinou a sua aplicação, tendo com fundo a correta decisão do STF.

Portanto, não entendemos a razão pela qual o magistrado singular, diante de significativas posições do STF e do STJ, continua exorbitando e, do alto de sua arrogância, indeferindo pedidos nesse sentido. Qual o prazer que lhe move, sabendo que o sentenciado ao chegar à Suprema Corte, com certeza obterá o benefício? Seria uma satisfação pessoal, fruto de uma deturpação personificada? Não só não podemos como também não queremos crer nessas interrogações, pois que do magistrado se espera uma conduta exemplar, isenta de quaisquer desvios que possam possibilitar tais impulsos e influir em sua decisão.

Não se pode admitir, muito menos concordar, que ao preencher os requisitos básicos previstos na legislação, venha o magistrado valer-se de sua plena convicção e decretar o indeferimento do pedido com fundamento em sua vontade. Não se trata, no caso, de se invocar a convicção pessoal, pois que a legislação é clara no sentido de se conceder tal beneplácito, qual seja, a progressão.

Ao indeferir, não só estará o magistrado cerceando um direito; mais que isso, estará colaborando para a formação deturpada de um indivíduo com a condição de ser ressocializado, aumentando cada vez mais a descrença, o inconformismo e a população carcerária, sem se esquecer da contribuição negativa em relação à verdadeira justiça, cantada em prosas e versos, porém de uma realidade que assusta e que faz desacreditar em um sistema carcerário mais humano.

Sobre o(a) autor(a)
José Benedito Antunes
Advogado
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