Virtualização do processo judicial

Virtualização do processo judicial

Neste trabalho analisaremos o Projeto de Lei n° 5828/2001 da Câmara dos Deputados, que dispõe sobre a informatização do processo judicial. Relacionando também algumas medidas tomadas pelo Poder Judiciário para a instauração do processo virtual no Brasil.

1. INTRODUÇÃO

A Associação dos Juizes Federais do Brasil (AJUFE) encaminhou um projeto de lei sobre a informatização do processo judicial à Câmara dos Deputados em 2001.

O Projeto foi remetido à Comissão de Constituição e Justiça e de Redação sob o número 5828. O projeto foi aceito após o parecer da comissão. O Projeto de Lei (PL) foi alterado e renomeado para 5828-A. Logo, em junho de 2002, o PL n° 5828-B foi remetido à apreciação do Senado Federal.

No Senado, o PL foi chamado de Projeto de Lei da Câmara n° 71/2002. O Senado terminou a sua apreciação somente em janeiro de 2006, quando emitiu parecer favorável aprovando um texto substitutivo ao original. Este substitutivo do Senado recebeu o nome de 5828-C quando enviado novamente para a Câmara, onde obteve aprovação da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (com 6 Emendas de Redação).

O andamento dos trabalhos legislativos se deve também ao empenho do Conselho Nacional de Justiça para com a Reforma do Judiciário. Vale dizer que, desde a criação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ (pela Emenda Constitucional n°45/2004), o mesmo vem empreendendo grandes esforços com o objetivo de alcançar o uso pleno da Tecnologia de Informação (TI) no Judiciário, para que a tutela jurisdicional prestada pelos seus órgãos seja realizada de forma mais rápida e com maior qualidade.

Graças aos esforços do CNJ, brevemente o projeto em questão será votado. Embora haja um previsível atraso em decorrência das Eleições Presidenciais de 2006.

O presente trabalho pretende analisar as disposições do último texto do Projeto de Lei n° 5828, que foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara. Relacionando também alguns exemplos de informatização de atos processuais no Poder Judiciário.


2. O PROCESSO VIRTUAL

Primeiramente, o projeto de lei em questão não impõe aos tribunais a obrigatoriedade da informatização dos processos judiciais, na verdade lhes concede a faculdade de manter processos exclusivamente em meio eletrônico.

O principal intuito da futura lei é estabelecer de forma inequívoca que o valor probante dos documentos eletrônicos não é menor que os impressos. Dessa forma, a lei dispõe sobre as diretrizes básicas que os tribunais deverão seguir para manterem processos virtuais.

Em outras palavras, o uso do meio eletrônico somente estará liberado após a publicações das normas internas dos respectivos tribunais (algumas já vigoram em determinados tribunais), sendo que estas deverão estar em consonância com as diretrizes desta futura lei.

Na forma de tópicos, apresentaremos comentários sobre a maioria dos artigos do projeto.

Da informatização do processo judicial:

  • A tramitação de processos judiciais (civil, penal, trabalhista, de juizados e de qualquer instância), comunicação de atos e transmissão de peças poderão ser feitas em meio eletrônico (Art. 1° caput e § 1°);

  • Os documentos digitais (petições, recursos e atos processuais em geral) só terão validade se possuírem assinatura eletrônica baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada (Art. 2° caput); e cada usuário terá a sua assinatura digital se fizer um credenciamento prévio junto ao órgão do Poder Judiciário que irá atuar (Art. 2° e parágrafos);

  • O credenciamento mencionado no item anterior é facultativo para as partes, contudo, é obrigatório para as entidades da administração pública direta e indireta (Art. 17°);

  • A petição eletrônica é tempestiva se enviada até a meia-noite do seu último dia (Art. 3°, parágrafo único).

Da comunicação eletrônica dos atos processuais:

  • A publicação de Diários Oficiais poderá ser realizada totalmente em meio eletrônico, até dispensando o meio impresso (Art. 4° caput c/c § 2°) – diversos diários já são publicados em meio eletrônico, mas sempre com a sua cópia impressa;

  • Os casos previstos em lei que exijam intimação ou vista pessoal não podem ser supridos por meio virtual (Art. 4°, § 2° parte final);

  • As intimações serão feitas em meio eletrônico, mas apenas aos que se cadastraram junto ao órgão judicante, tal situação dispensa a publicação em diário oficial impresso ou eletrônico (Art. 5° caput) – intimação semelhante já é utilizada pela Justiça Federal de Santa Catarina;

  • A intimação virtual somente será considerada realizada quando: (1) o intimado acessar a mensagem com o inteiro teor da intimação (o Poder Judiciário deverá criar um software que possibilite o envio de aviso de leitura, similar ao utilizado no Microsoft Outlook e ao Sistema utilizado pela Justiça Federal de Santa Catarina), ou (2) ao decorrer de 10 dias do aviso de recebimento, ou seja, mesmo que o intimado não leia a intimação (Art. 5°, §§ 1°, 2° e 3°) – a atual e vigente Resolução n° 30/2004 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região dispõe de forma semelhante;

  • O juízo poderá considerar outro meio de intimação se houver chance de causar prejuízo a quaisquer das partes (Art. 5°, § 5°);

  • As citações também obedecerão o disposto das intimações, com exceção do Direito Processual Penal e Infracional (Art. 6°);

  • Todas as comunicações oficiais dos órgãos do judiciário (cartas precatórias, rogatórias, de ordem, e outras entre órgãos do Estado) poderão ser transmitidas em meio eletrônico (Art. 7°).

Do processo eletrônico:

  • O processo poderá ser instaurado pelos tribunais de forma total ou parcialmente eletrônica (Art. 8° caput e Art. 11°, § 5°); os autos dos processos devem ter sua segurança e integridade resguardados (Art. 12°, § 1°), e somente as partes e o Ministério Público poderão ter acesso ao seu inteiro teor, respeitando o sigilo e o segredo de justiça (Art. 11°, § 6°);

  • Na distribuição de quaisquer peças processuais em meio eletrônico, dispensa-se a intervenção do cartório ou secretaria judicial (de forma semelhante ao programa de envio da declaração de Imposto de Renda da Secretaria da Receita Federal – o ReceitaNET), a autuação será automática com emissão de recibo eletrônico de protocolo (Art. 10° caput);

  • Na hipótese do Sistema do Poder Judiciário ficar indisponível por motivo técnico no último dia de um prazo processual, o prazo se prorroga automaticamente ao primeiro dia útil seguinte à solução do problema (Art. 10, § 2°);

  • Todos os órgãos do Poder Judiciário que se utilizam do processo eletrônico são obrigados a disponibilizar à qualquer interessado equipamentos com acesso à Internet para digitalizar e distribuir suas peças processuais (Art. 10, § 3°) – este dispositivo tenciona impedir a elitização do processo eletrônico e da justiça;

  • Todo documento eletrônico juntado aos processos eletrônicos terá o mesmo valor que o original (Art. 11° caput c/c § 1°);

  • Qualquer argüição de falsidade do documento original deverá respeitar o Código de Processo Civil (Art. 11°, § 2°);

  • Os documentos originais deverão ser guardados até o fim do prazo para interposição de ação rescisória, ou seja, 2 anos após o trânsito julgado (Art. 11°, § 3°);

  • No caso de remessa dos autos eletrônicos para tribunais que não possuem sistemas compatíveis, o processo deverá ser impresso por inteiro (Art. 12°, §§ 2°, 3° e 4°);

  • Sob determinação do juiz, os dados e documentos necessários à instrução do processo poderão ser enviados por meio eletrônico (Art. 13° caput); sendo que os entes e órgãos que detém tais dados deverão obedecer a solicitação judicial em até 90 dias (Art. 13°, § 3°).

Das disposições gerais e finais:

  • Salvo justo motivo que comprometa o acesso à Justiça, os processos virtuais sempre serão vinculados aos números de CPF ou CNPJ das partes (Art. 15° caput); assim como as acusações criminais deverão conter os números dos registros dos acusados no Instituto Nacional de Identificação do Ministério da Justiça – INI (Art. 15°, parágrafo único);

  • Os órgãos da Justiça deverão editar regulamentos suplementares sobre o processo virtual (Art. 18°);

  • São considerados válidos todos os atos praticados em meio eletrônico antes da publicação da lei (Art. 19°) – tal efeito retroativo se mostra necessário, uma vez que já existem tribunais procedendo com atos processuais exclusivamente virtuais.

Alterações no Código de Processo Civil:

  • Art. 38, parágrafo único – é admissível a procuração com assinatura digital;

  • Art. 154, parágrafo único – todos os atos e termos processuais podem ser produzidos em meio eletrônico (o atual texto, decorrente da alteração promovida pela Lei n° 11280/2006, já dispõe que os tribunais podem se utilizar do meio eletrônico para a prática de atos processuais, seguindo o padrão da Infra-Estrutura de Chaves Públicas – ICP);

  • Art. 164, parágrafo único – a assinatura dos juizes poderá ser feita digitalmente;

  • Art. 169, §§ 1°, 2° e 3° – possibilidade de armazenamento dos dados do processo em meio virtual;

  • Art. 202, § 3° – as cartas podem ser feitas digitalmente;

  • Art. 221, IV – é admissível a citação por meio eletrônico;

  • Art. 237, parágrafo único – é admissível a intimação por meio eletrônico;

  • Art. 365, IV, V, §§ 1° e 2° – a força probante dos documentos eletrônicos equipara-se aos originais;

  • Art. 399, §§ 1° e 2° – é possível fornecimento de documentos pelas repartições públicas por meio eletrônico;

  • Art. 417, §§ 1° e 2° – os depoimentos em juízo podem ser armazenados em meio eletrônico;

  • Art. 457, § 4° – todos os atos da instrução e julgamento podem ser armazenados em meio eletrônico;

  • Art. 556, parágrafo único – os votos, acórdãos e demais atos processuais podem ser armazenados em meio eletrônico.

 
3. EXEMPLOS DE INFORMATIZAÇÃO NO PODER JUDICIÁRIO

Este trabalho não comportaria todos os exemplos bem sucedidos no uso da Tecnologia de Informação na Justiça, uma vez que muitos tribunais já possuem sistemas informatizados internos, sistemas de acompanhamento processual por correio eletrônico (chamado de Push), bibliotecas jurídicas eletrônicas, etc.

O Diário Oficial da União e o Diário da Justiça já são publicados na Internet há alguns anos (vide o endereço: www.in.gov.br). A Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, também está tomando medidas para disponibilizar o seu Diário Oficial em meio eletrônico. A partir de julho de 2006, somente serão aceitas para publicação, as matérias enviadas eletronicamente pelos órgãos públicos. Vide o sítio: www.imprensaoficial.rj.gov.br.

Vários juizados especiais espalhados pelo Brasil estão adotando a “justiça sem papel”. Exemplificando: o Juizado Especial Federal de Rio Sul (Santa Catarina) já adotou o processo eletrônico para causas de Benefícios Previdenciários (em face do Instituto Nacional do Seguro Social) e Fundo de Garantia por Tempo e Serviço (em face da Caixa Econômica Federal). Diversas outras sedes do Judiciário de Santa Catarina também já aderiram ao processo eletrônico (Seção de Comunicação Social da JFSC, 14 de julho de 2006). Todos os atos processuais são feitos eletronicamente, incluindo as intimações (a auto-intimação para os advogados cadastrados, regulamentada pela Resolução n° 30/2004 do TRF 4ª Região).

A Seção Judiciária de Santa Catarina da Justiça Federal também iniciou uma campanha recente para diminuir o consumo de papel digitalizando documentos (Seção de Comunicação Social da JFSC, 14 de julho de 2006). Campanha esta que visa também a preservação ambiental. Citamos a página: www.jfsc.gov.br.

Recentemente, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro adicionou um novo item para a sua gestão de trabalho, mais especificamente em seu plantão judiciário noturno: “trata-se de um programa de informática [elaborado pela Corregedoria Geral de Justiça] que reúne as questões mais comuns surgidas nos plantões, com modelos de decisões e a respectiva jurisprudência, autorizações, certidões, ofícios, além de toda a legislação necessária para a fundamentação dos atos” (Assessoria de Imprensa do TJ/RJ, 17 de julho de 2006). O sítio oficial do tribunal é: www.tj.rj.gov.br.

Devemos salientar o trabalho desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça (desde a sua instalação em 14 de junho de 2005) no acompanhamento do PL n° 5828 e no estímulo e adoção de medidas administrativas para a uniformização do uso das tecnologias disponíveis em prol do exercício das atividades meio e fim dos órgãos do Judiciário.

Entre outras questões, a Comissão de Informatização do CNJ vem trabalhando na padronização processual, para a utilização em um sistema único de classificação processual e até de tramitação eletrônica de processos. Assim como estuda os melhores sistemas de informação a serem adotados pelos tribunais (no momento, 13 sistemas de tramitação processual diferentes são utilizados por tribunais brasileiros). Para mais detalhes, o relatório das atividades da comissão mencionada está disponível n página oficial do CNJ: www.cnj.gov.br.


4. CONCLUSÃO

Concluímos que o projeto de lei em questão tem o objetivo fundamental de eliminar as dúvidas sobre a licitude da adoção de um processo judicial totalmente realizado em meio eletrônico. E já existem diversos exemplos desse tipo de uso da Tecnologia de Informação no Poder Judiciário brasileiro.

Finalizando, o Projeto de Lei n° 5828 é um excelente instrumento para uniformizar o uso da Tecnologia de Informação na prestação da tutela jurisdicional, diminuindo as despesas e morosidade da Justiça brasileira. Em nossa opinião, este projeto representa a peça mais importante da Reforma do Judiciário.

A tramitação do PL n° 5828 pode ser acompanhada pelo website oficial da Câmara dos Deputados no endereço: www.camara.gov.br.


5. FONTES

Câmara dos Deputados: www.camara.gov.br

Conselho Nacional de Justiça: www.cnj.gov.br

Justiça Federal de Santa Catarina: www.jfsc.gov.br

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: www.tj.rj.gov.br

Imprensa Nacional: www.in.gov.br

Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro: www.imprensaoficial.rj.gov.br

Sobre o(a) autor(a)
André Luiz Junqueira
Advogado com 10 anos de experiência e autor do livro “Condomínio – Direitos & Deveres”. Pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pela Universidade Veiga de Almeida (UVA). MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getulio Vargas...
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