Uso incorreto das funções de confiança e dos cargos em comissão
Analisa o desvirtuamento do inciso V, do art. 37 CF/88, pelos dirigentes políticos, com a intenção de sobrepor às regras constitucionais, contribuindo para a expansão da arbitrariedade e do nepotismo.
A inobservância das regras constitucionais pela Administração Pública brasileira é um reflexo de que pouco se evoluiu para melhorar o serviço público, principalmente pelo número extraordinário de cargos de confiança, que por muitas vezes possuem atribuições indefinidas, ou são desprovidos de qualquer necessidade para as atividades típicas do dia-a-dia dos órgãos e entidades, confrontando diretamente com os princípios da impessoalidade e eficiência administrativa.
Na busca de controlar o exagero de cargos e funções não efetivos que, por previsão legal, prescinde de prévio concurso ou processo seletivo, pois decorre de uma relação de confiança existente entre o nomeado e a autoridade que propõe a nomeação, a Emenda Constitucional nº 19, de 1998, alterou o inciso V, do art. 37, dispondo que: “as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”.
O dispositivo acima citado em sua parte final veio para impedir a criação e o uso de cargos em comissão e funções de confiança, mesmo que previstos em lei para finalidade estranhas às previstas constitucionalmente. Assim, essas duas funções públicas destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento. Por exemplo, um médico, motorista ou contador não poderá ser provido por simples ato discricionário da autoridade, pois tais funções técnicas fazem parte da estrutura organizacional das entidades públicas, as quais são acessíveis apenas por concurso público, com a obediência de procedimentos democráticos fundados em critérios objetivos, onde o mérito e o esforço pessoal sejam valorizados.
Desta forma, o que se observa na Administração direta e indireta é esse desvirtuamento dos dispositivos constitucionais, ocorrido por vontade do dirigente político de sobrepor às regras constitucionais, contribuindo para a expansão da arbitrariedade, clientelismo e o nepotismo em nossa cultura, fazendo do cargo em comissão e das funções de confiança um jogo político, utilizado para finalidades diversas, diante da facilidade da livre nomeação e exoneração, implicando num enfraquecimento no serviço público, desprestigiando a continuidade das políticas públicas e defrontando com o Estado Democrático de Direito (art. 1º da Constituição Federal), em que o exercício do poder, em qualquer esfera de governo e por parte de qualquer autoridade pública deve se dar sempre em conformidade com os ditames legais e legítimos.