A nova prescrição

A nova prescrição

Aborda a prescrição, tendo em vista as mudanças ocorridas em virtude da Lei 11.280 de 16/02/2006.

O §5º do art 219 do CPC foi alterado recentemente pela lei 11.280 de 16.02.06, que introduziu uma significativa mudança no instituto da prescrição.


1- A antiga Prescrição

A antiga redação do §5º do artigo supra citado dispunha que:

“Não se tratando de direitos patrimoniais, o juiz poderá, de ofício, conhecer da prescrição e decretá-la de imediato.”

O código civil, no art. 194, que foi revogado, também se referia a prescrição, nos seguintes termos: “O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer o absolutamente incapaz.”

Da leitura dos artigos acima depreende-se o seguinte entendimento – A prescrição não é matéria cuja obrigatoriedade de declaração caiba ao juiz, mas sim à parte interessada nos efeitos de sua declaração, e também que o juiz só pode decretá-la em casos que não versem sobre direito patrimonial e também quando existir interesse de absolutamente incapaz, seja esse interesse patrimonial ou não patrimonial, pois é razoável pensar que se o absolutamente incapaz estivesse na plenitude do exercício de suas prerrogativas civis, de imediato, invocaria em benefício pessoal a prescrição.

Clara é a idéia depreendida de que a invocação da prescrição é faculdade privativa daquele que dela se aproveita, e isso é corroborado pelo artigo 193 do CC, que dispõe o seguinte: “A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita.”


2- A nova Prescrição

O novo texto do §5º do art.219 do CPC dispõe que: “o Juiz pronunciará de ofício a prescrição.”

A nova redação facultou ao juiz o poder-dever de decretar a prescrição, o que poderá ser feito em qualquer momento. A modificação implica estender aos direitos patrimoniais demandados pelo autor o poder jurisdicional de reconhecimento direto do efeito prescricional sobre o exercício do direito de ação.

A prescrição poderá ser suscitada a qualquer momento. Se a inicial e os documentos oferecidos ao juízo forem suficientes para formar o convencimento do magistrado quanto à existência da prescrição não será necessário citação da parte contrária, devendo o juiz sentenciar com julgamento do mérito, nos termos do art. 269, IV do CPC. Caso o juiz tenha dúvida, deverá aguardar a audiência para juntada de defesa em sede trabalhista, podendo se inteirar da matéria. Caso haja omissão pelo juiz de primeira instância e não houver trânsito em julgado da sentença, é plausível que o órgão recursal se pronuncie acerca da prescrição, posto que a omissão primária não vincula o posicionamento do julgamento por parte do órgão superior.


3- A posição do Estado

O credor tem ao seu dispor a jurisdição do Estado para fazer valer os seus direitos contra o devedor inadimplente. O interesse de agir ou interesse processual nasce ao credor no primeiro dia após o vencimento. Com isso, é dever do credor tomar as devidas providências para receber o que é seu, e nesse contexto, a lei concede ao credor um prazo para que atue segundo seu grau de interesse. O Estado o apoiará nesse mister.

Todavia, não é tranqüilo ao Estado a posição de displicência do credor que deixa escoar seu prazo, residindo ai um dos fundamentos que legitimam a prescrição. O cumprimento das obrigações é interesse do Estado, a fim de que se mantenha o equilíbrio social. Porém, a demonstração de negligência do titular em defender o seu direito, configurada na inércia, é atitude com a qual o Estado não se compraz. Tendo em vista que um dos fundamentos do Estado é a garantia da paz social, se ele assumir posição de cumplicidade ante a inércia do credor estará desvirtuando sua própria essência. Assim, o direito da parte está limitado ao prazo que a lei a concede.


4- Por que a postulação de direitos patrimoniais era protegida do efeito prescricional pela condicionante da argüição pela parte interessada?

Essa questão é complexa, por dizer respeito à essência da prescrição, e de sua afinidade e distinções com a decadência.

Pode-se dizer que a essência de ambos é idêntica, formada pelo amálgama da preservação de uma paz estável nas relações jurídicas com a repressão à continuidade temporalmente indefinida dos estados litigiosos oriundos de seus conflitos.

É bom lembrar a identidade de fatores necessários para que ocorram a prescrição e a decadência:

a) inércia do titular de um direito em exercê-lo

b) decurso do tempo de não exercê-lo

Em termos de decadência, uma vez constituído o direito subjetivo, seu exercício regular é assegurado, havendo limitação de tempo quando convenha ao interesse social que esse direito não sobreviva à inação do titular. A inércia fará decair (extinguir) o direito subjetivo.

Em termos de prescrição, uma vez violado o direito subjetivo constituído, nasce para o titular a pretensão de recompô-lo, a qual se extingue no prazo legal. A inércia faz desaparecer o direito subjetivo do exercício de ação.

Existia a condicionante de argüição pelo interessado porque o legislador considerava predominante o interesse individual em reconhecer a prescrição, circunstância clara nas duas exceções de declaração ex officio, em que existia o interesse público na proteção de interesses do absolutamente incapaz e dos direitos não patrimoniais.

Outro ponto que explica a questão é o seguinte: Um dos grandes dilemas no Direito Processual é a conjunção entre rapidez e segurança na entrega da prestação jurisdicional. A primeira referente à expectativa do jurisdicionado de ter uma pronta solução para seu conflito, e a segunda referente ao dever do Estado para com seus cidadãos de fornecer um resultado justo, sem sacrifício da maturação dos fatos e da reflexão do direito.

É certo que o Direito deve acompanhar o ritmo da sociedade, uma vez que são inseparáveis (ubi societas, ibi jus). Estamos transpondo cada vez mais a antiga forma dos processos, em um impulso de enxugamento de atos e atribuições processuais, aproximando a distância entre pretensão, sentença e cumprimento.

Destas ponderações, entende-se que equalizar decadência e prescrição, no quesito de declaração ex officio, resulta reconhecer a prevalência do interesse público sobre o privado, pois na medida em que as estreitas hipóteses em que o juiz poderia reconhecer a prescrição de ofício foram alargadas, não mais necessitando de argüição pela parte interessada, o interesse público é levado em conta, promovendo celeridade e simplificação no processo.

A conclusão é que com a alteração trazida no §5º do art. 219 do CPC, o modo de tratar a prescrição é totalmente invertido, tornando-a matéria de ordem pública.

A reversão iguala prescrição e decadência, no plano da declaração judicial sem provocação da parte interessada.

O poder de declaração judicial ex officio passa a ser regra absoluta, contribuindo para uma prestação jurisdicional mais rápida.

Sobre o(a) autor(a)
Carlos Viana
Estudante de Direito (UNIVAP - Universidade do Vale do Paraíba - São José dos Campos - SP) - cursando 10º período - Conclusão: 12/2007 - Estágio: TRT 15ª Região - Estágio: MPT 15ª Região
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