Política educacional na década de 1990

Política educacional na década de 1990

A educação sempre foi vista como um canal transmissor de cultura das gerações anteriores. Dessa forma ela não deveria interferir no conteúdo que transmitia. Seu único objetivo era deixar que o legado cultural não fosse esquecido.

A educação sempre foi vista como um canal transmissor de cultura das gerações anteriores. Dessa forma ela não deveria interferir no conteúdo que transmitia. Seu único objetivo era deixar que o legado cultural não fosse esquecido. Sendo assim, Severino (1986) diz que o pensamento pedagógico se dedicava mais a buscar sua eficácia do que questionar o seu eventual significado. Dessa forma, o professor teria a obrigação de inculcar nos alunos as informações necessárias para que eles se enquadrassem na sociedade, sem questionar.

Alguns filósofos da educação reprodutivista, da qual são representantes Bourdieu e Passeron, afirmam que a escola é um agente de “inculcação ideológica”. Para eles a escola contribui para a preservação do poder das classes dominantes e para isso reproduzem os conhecimentos e valores necessários a transmissão social das desigualdades e injustiças (Idem, 1986).

Mas será que os processos educacionais são unicamente de criação e transmissão de ideologias? É claro que não. Os processos educacionais no seu conjunto geram e desenvolvem forças contraditórias que comprometem o fatalismo da reprodução, atuando simultaneamente no sentido de transformação da realidade social. Assim sendo, não podemos reduzir a escola a um mero instrumento de reprodução, pois a educação também pode desenvolver e implantar um discurso contra-ideológico.

O ato de transmitir e receber conhecimentos acaba levando a pessoa ao questionamento das relações sociais e das ideologias que são repassadas. Ele pode levar o educando a reconhecer que o próprio conteúdo que está recebendo é resultado de condições, de facticidade histórico-social, pois, toda condição do saber é portadora de uma visão de mundo, ou seja, é uma ideologia.

Com base nessas idéias citadas cabe uma pergunta: será que o governo age de maneira passiva diante de todo potencial que a educação proporciona?

Evidente que não. Mas não é de hoje que acontece isso no Brasil, ou melhor, no mundo. Na época da Ditadura, por exemplo, os militares utilizavam a educação para difundir idéias de que o Brasil estava “as mil maravilhas”, quando a verdade era bem diferente.

A partir da década de 1990 o Estado começou a exercer de forma mais abrangente a sua função fiscalizadora e controladora das políticas educacionais no Brasil.

O Governo federal, através dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), instituiu um currículo nacional a ser seguido por todas escolas públicas do país. Logo na introdução dos PCN’s, o então ministro da educação Paulo Renato Souza afirma que se trata de (…)

(…) um instrumento útil nas discussões pedagógicas em sala de aula, na elaboração dos projetos educativos, no planejamento das aulas, na reflexão sobre a pratica educativa e na análise do material (PCN, 1997:05).

Contudo, outras determinações institucionais como os sistemas de avaliação nacional e o financiamento da educação através do FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Fundamental e Valorização do Magistério), acabam impondo os parâmetros curriculares nacionais como de fato o currículo nacional e não apenas uma orientação como o nome sugere.

É claro que para conseguir um controle mais efetivo dos conteúdos ministrados nas escolas é necessário que o governo “sugira” aos professores os assuntos que ministram nas suas aulas. Em busca da consolidação do objetivo de controlar o trabalho docente, os livros didáticos possuem um papel de suma importância e eles são confeccionados de acordo com os interesses do governo e os professores utilizam esses materiais, como afirma Freitag (1997)…

(…) não como instrumento de trabalho auxiliar na sala de aula, mas sim como autoridade máxima, a última instância, o critério absoluto de unidade, o padrão de excelência a ser adotado na aula.

Isso tudo favoreceu a política governamental de controle dos conhecimentos, pois “por trás das justificativas educacionais para um currículo e um sistema de avaliação educacional, está uma perigosíssima investida ideológica” (Apple apud Silva, 2000).

Podemos dizer que um currículo no qual estejam inculcados todos os pensamentos da classe dominante faz com que a manutenção da hegemonia dessa classe se consolide, além do que, o livro didático, no qual estão inseridos os conteúdos “sugeridos” pelos PCN’s “(…) sistematiza a ideologia burguesa, amortiza o conflito realidade X discurso, dizendo que verdadeiro é o segundo” (Faria, 2000).

A educação na década de 1990 ganhou grande ênfase nas discussões mundiais, sendo tema para encontros, conferências e diversos eventos por meio dos quais os países desenvolvidos e as organizações internacionais como UNESCO e o BIRD (Banco Mundial) discutiam o futuro da educação nos países em desenvolvimento.

No caso brasileiro, muito das diretrizes apresentadas foram explicitadas no Plano Decenal de Educação, o qual refere-se a diversos consensos definidos enquanto exigências ao mundo do trabalho.

A escola possibilita a apropriação coletiva do saber, contribui para o aumento do capital, inclusive pelo aperfeiçoamento técnico e teórico do trabalhador. Mas pode, também, desvelar os fundamentos da divisão social do trabalho, contrariando os interesses das classes dominantes. Assim, o sistema capitalista tenta neutralizar os efeitos da escola, limitando o acesso a ela, fragmentando, distorcendo e esvaziando o saber ali transmitido.

É o que vem acontecendo no Brasil. Através dos anos, a classe dominante vem tomando providências para que a expansão quantitativa das oportunidades de ensino seja contrabalançada por uma constante deterioração qualitativa da escola pública.

Fica evidente após os fatos citados que o Estado busca através de mecanismos diversos, fazer um controle e fiscalização das políticas educacionais implementadas no Brasil. Infelizmente esse quadro descrito ainda está longe de se modificar. Somente através de uma formação mais ampla dos professores é que essa situação poderá ser modificada e dessa forma teremos uma educação de maior qualidade e voltada para a tomada de consciência da população.

Ao professor exige-se cada vez mais. Entretanto, sua formação está crescendo de forma bastante lenta. É de se esperar que um sistema tão mesquinho como é o neoliberal não veja utilidades práticas na formação profissional dos educadores e com isso melhore os níveis educacionais brasileiros.

O que vemos é que cada vez mais o Estado preocupa-se em criar mecanismos de controle tanto do trabalho docente, quanto dos conteúdos a serem ministrados. A autonomia tão esperada e desejada por muitos educadores é um sonho distante e que para muitos não se realizará tão cedo

Precisamos refletir sobre o assunto, mas com bastante tranqüilidade uma vez que a própria autonomia pode ser confundida com laissez faire (deixe fazer) e deixar a nossa educação com mais problemas ainda. Um exemplo claro de autonomia que não deu certo, pois foi feita sem critérios, foi a Lei do Fundef que trouxe a descentralização de recursos da educação, mas que na prática transformou-se em uma desobrigação do Estado para com o Ensino Fundamental. Os municípios tiveram acesso aos parcos recursos oferecidos pelo Estado e ficam obrigados a “fazer mágica” para gerir a educação com cada vez menos verbas. Com isso, a culpa pelos problemas que acontecem na educação saiu das mãos do Estado e passou para os municípios. Isso porque o Estado justifica-se dizendo que repassa religiosamente os recursos para os municípios. Então cabe a eles administrarem de forma adequada. Eles só não dizem que os recursos repassados não são suficientes para manter com qualidade os sistemas educacionais dos municípios.

Até nesse exemplo do Fundef encontramos o Estado exercendo a função que mais lhe apetece que no caso é de fiscalizar se os recursos estão sendo utilizados de forma correta. Podemos perceber de forma bastante clara o quanto esse controle e fiscalização estão presentes no nosso meio educacional. Regras e mais regras são criadas diariamente para que cada vez mais a função de educar a sociedade torne-se mais onerosa. Com isso a parcela da população mais carente é a maior prejudicada.

Como afirma Gaudêncio Frigotto, em uma sociedade seletiva e dualista desde a época da Colonização pelos Portugueses, fica difícil não encontrarmos traços também na educação, pois a escola nada mais é que um reflexo na sociedade em que está inserida. O que nos resta é trabalhar para buscar a redenção da educação brasileira o quanto antes, para que os prejuízos causados pela falta de educação de qualidade no país sejam superados o mais rápido possível. Ma será que isso será possível? Só nos resta tentar. E com um pouco de sorte e dedicação conseguir alcançar nossos objetivos.


Bibliografia:

APPLE, Michael .W. Trabalho docente e textos: economia política e de relações de classe e de gênero em educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

BRASIL.Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997.

FARIA, Ana G. de. Ideologia no livro didático. 13ª ed. São Paulo: Cortez, 2000.

FREITAG, Bárbara et alli. O livro didático em questão. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 1997.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Educação, ideologia e contra-ideologia. São Paulo: EPU, 1986.

Sobre o(a) autor(a)
Claudio Henrique Mascarenhas de Azevedo
Pedagogo formado pela UFPa. Cursa Pós em Educação à Distância pelo SENAC.
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